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Passado amargo 

“Together Again” 

 

Flora Kidd 

 

Bianca Nº: 85 

 

 

Copyright: FLORA KIDD 

Título original: “TOGETHER AGAIN” 

Publicado originalmente em 1979 pela 

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra 

Copyright para a língua portuguesa: 1982 

ABRIL SA. CULTURAL E INDUSTRIAL — São Paulo 

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Resumo: 
Depois de três anos, Ellen foi obrigada a viajar até a Escócia e reencontrar seu 
marido  para  mais  uma  desilusão:  ele  continuava  o  mesmo  homem  prepotente, 
irascível  e  com  o  orgulho  ferido  por  ter  sido  abandonado.  Mas,  mesmo  assim, 
quando Dermid a tomava em seus braços, Ellen sentia-se arrebatada pelo calor 
de  uma  paixão  louca,  incontrolável,  que  no  fundo  sabia  ser  apenas  atração 
física.  Como  poderia  voltar  para  um  homem  que  queria  ,  apenas  subjugá-la, 
quando só desejava ser amada... amada com muita ternura?  

 
 
 
Capítulo I 
 
O  jato  subiu  mais  uma  vez  afastando-se  da  pista  para  dar  outra  volta 

sobre  o  mar.  Nuvens  cinzentas  passavam  pelas  janelinhas  ovais  do  avião 
respingando  nelas  pingos  de  chuva.  Ellen  Craig  viu  pela  terceira  vez,  através 
das nuvens, as ondas do mar batendo na praia, a grama de um campo de golfe 
onde  folhas  marrons  e  amarelas  eram  levadas  pelo  vento.  Pinheiros,  sempre 
inclinados  numa  só  direção,  pendiam  sobre  o  telhado  de  ardósia  da  casa  do 
clube de golfe e pequenos canos circulavam por uma estrada estreita molhada 
pela chuva. Da torre de controle do aeroporto uma luz piscava forte, enquanto 
o avião se reclinava e se aproximava da pista.  

Era  a  terceira  tentativa  de  aterrissagem  do  comandante.  Ele  já  havia 

explicado que o vento fone do oeste, que impulsionava o avião em todo o trajeto 
sobre o Atlântico, do Canadá até as praias da Escócia, fazendo-o chegar antes 
do horário, agora dificultava o pouso; se ele não conseguisse uma aterrissagem 
segura naquela terceira tentativa. seguiria para Heathrow. Os passageiros que 
deveriam descer  em  Prestwick, voltariam  para o  aeroporto de  Glasglow com  a 
balsa da British Airway. 

Ellen  não  queria  que  isso  acontecesse.  Ela  estava  viajando  com  Rowan, 

seu filho, que logo completaria quatro anos, e embora ele tivesse dormido quase 
toda  a  noite,  agora  havia  acordado  e  estava  inquieto,  aborrecido  por  estar 
confinado em seu assento. Ela, por sua vez, estava exausta por não ter dormido 
um minuto sequer a noite toda; seus pés estavam inchados porque cometera a 
imprudência  de  tirar  seus  sapatos  novos  e  agora  não  conseguia  calçá-los. 
Qualquer mudança no roteiro da viagem seria muito desagradável. 

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Assim, foi com profundo alívio que viu a pista se aproximando e também 

os  campos  que  rodeavam  o  aeroporto.  Quase  não  sentiu  o  impacto  quando  as 
rodas  encontraram  o  chão,  mas  Rowan  levou  um  susto  e  perguntou  se  o  avião 
tinha quebrado. 

Depois  da  grandiosidade  do  Aeroporto  Mirabel,  onde  ela  embarcara  na 

noite anterior, o Aeroporto Prestwick parecia pequeno e frio. 

Não  tinha  sido  uma  boa  escolha  viajar  com  o  conjunto de  veludo  preto. 

Ela o comprara  porque sua mãe  julgara  necessário  usar essa cor por causa da 
morte  de  Neil  Craig  ainda  que  estivesse  chegando  depois  dos  funerais.  No 
Aeroporto  Mirabel,  o  conjunto  tinha  parecido  elegante;  agora  estava 
amarrotado e cheio de pelinhos da manta que a aeromoça lhe dera para cobrir 
Rowan.  Sua  blusa  de  seda  palha  também  estava  amarrotada.  Nem  pareci  à 
equilibrada e calma entrevistadora de tevê; naquele momento dava a impressão 
de ser uma dona-de-casa exausta por causa de seus afazeres domésticos. 

Empurrando  o  carrinho  com  suas  três  malas  ela  olhava  as  pessoas  que 

tinham  vindo  esperar  os  passageiros  que  chegavam.  Não  havia  nenhum 
conhecido.  E  nem  sinal  de  James  Blair,  o  chofer  de  Neil  Craig.  Será  que  ela 
teria de ir sozinha até Inchcullin? Mas como? 

Em pé, no saguão do aeroporto, Ellen mordia o lábio inferior procurando 

se lembrar qual a melhor maneira de ir até Portcullin, a cidade mais próxima a 
Inchcullin, na costa de Kintyre. Sabia que era possível ir de carro. 

E  se  alugasse  um  teria  maior  liberdade  para  se  movimentar  para  onde 

quisesse. 

Olhando ao redor viu as setas indicando os balcões das companhias que 

alugavam  carros.  Havia  filas  na  frente  dos  balcões  das  três  agências.  Ellen 
escolheu a mais curta e Rowan começou a reclamar, puxando-a e gemendo que 
queria  ir  ao  banheiro,  segurando  a  virilha  com  a  mão  rechonchuda  e  dando  a 
impressão  de  estar  sentindo  a  maior  agonia,  embora  ela  soubesse  que  era 
impossível pois ele fora ao banheiro do avião pouco antes da primeira tentativa 
de aterrissagem. 

Não  dava  para  suportar  mais  aquela  choradeira.  Ela  ordenou-lhe 

severamente que se calasse. Imediatamente ele desandou a chorar mais forte 
e todos que esperavam olhavam para ele com simpatia e para ela com censura. 
Então  Ellen  ferveu  de  irritação.  Se  pelo  menos  aquelas  pessoas  soubessem  o 
que era fazer o papel de pai e mãe de uma criança, ao mesmo tempo e ainda por 
cima ter que trabalhar fora, olhariam-na com mais simpatia, tinha certeza. 

— Rowan, por favor fique quieto! — implorou ela, abaixando-se na frente 

dele. 

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— Eu quero ir para casa. Eu quero ir para a casa da vovó! 
—  Mas  nós  não  podemos  ir  para  a  casa  da  vovó  agora.  Estamos  na 

Escócia,  não  em  Ottawa  e  você  só  poderá  ir  à  casa  da  vovó  sábado  que  vem, 
quando voltarmos para nossa cidade. 

— Quero ir agora. 
— Não podemos. Agora temos que visitar uma outra senhora. 
—  Outra  vovó?  —  ele  perguntou  cheio  de  esperança,  arregalando  seus 

olhos  castanho-escuro  com  pontos  dourados  rodeados  por  cílios  pretos  e 
lágrimas. 

— Não, não uma vovó, uma titia. 
— Será que ela tem balinha? — choramingou ele. 
— Espero que sim. 
— Onde ela mora? 
— Numa casa grande perto do mar. A casa é parecida com um castelo. 
— Um castelo de verdade? — Seus olhos estavam arregalados de medo 

— Lá tem algum dragão? 

Enquanto Ellen conversava com o filho, as pessoas na fila à sua frente já 

haviam requisitado seus carros e a moça da agência esperava pelo pedido dela. 

—  E  por  quanto  tempo  a  senhora  vai  precisar  do carro?  —  perguntou  a 

jovem com o sotaque escocês, depois de preencher o formulário e examinar a 
carta de motorista de Ellen. 

— Uma semana. 
— Vai devolver o carro aqui? 
— Sim. 
— Ellen, o que você pensa que vai fazer? 
O coração de Ellen bateu  mais rápido. Vagarosamente ela  se virou para 

olhar.  Ele  estava  lá,  apoiado  no  balcão;  perto  dela.  Um  homem  vestido  num 
terno  de  tweed  cinza  bem  talhado,  observando  com  os  olhos  castanhos 
semicerrados. Seu marido, Dermid Craig. 

— Eu estou alugando um carro — respondeu ela friamente. — O que está 

fazendo aqui? 

— Vim esperá-la. 
— Mas eu não vi você quando desembarquei. 
— Eu cheguei exatamente agora. 
— Sra. Craig, poderia fazer o favor de assinar este formulário e de me 

dar  o  nome  e  endereço  de  alguém  que  more  neste  país  e  que  poderia  se 
responsabilizar pela sua estadia aqui? — disse a jovem atrás do balcão. 

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— Ela não vai precisar do carro — interrompeu Dermid com um tom tão 

autoritário  que  não  permitia  qualquer  contra-argumento.  —  Venha  Ellen,  onde 
está  sua  bagagem?  Tenho  um  carro  esperando  para  nos  levar  à  baía  de 
Wemyss.  —  Enquanto  se  afastava  com  Dermid,  Ellen  ainda  ouviu  o  suspiro  da 
jovem enquanto rasgava o formulário preenchido. 

—  Nós  não  vamos  para  o  castelo?  —  choramingou  Rowan  e  rompeu  em 

lágrimas novamente, confuso com o novo mundo cm que ele se encontrava, tão 
diferente daquele em que estava acostumado. 

Pela primeira vez Dermid Craig olhou para seu filho. 
— Igualzinho a mim quando criança — ele murmurou suavemente. Depois 

olhou na direção de Ellen — Castelo? — ele falou em tom irônico, parecendo não 
entender o que significava aquela pergunta de seu filho. 

—  Eu  disse  a  ele  que  iríamos  para  um  castelo  —  respondeu. 

defensivamente. — Bem, até que parece com um castelo, com aquelas torres, e 
foi o único jeito de fazer Rowan parar de chorar. 

— Ele a esteve aborrecendo, não esteve? Você parece que esteve numa 

guerra  —  frisou  ele  com  ironia.  —  Com  quem  esteve  e  combatendo  durante  a 
noite? Com ele? Ou com a sua consciência? 

— Com nenhum dos dois — respondeu ela, procurando ajeitar os cabelos 

e a blusa. Seus dedos, em vão, procuravam tirar as penugens da manta de lá da 
lapela de seu casaco. Oh, por que Dermid tinha que chegar no momento em que 
ela estava com aspecto tão feio? — Dermid — disse Ellen com determinação —, 
eu não vou com você para Inchcullin. 

— Não? — Ele parecia muito surpreso. — Por que não? 
—Porque prefiro ir sozinha. Vou dirigindo até lá. 
— E longe. Você só chegará à noite. — Olhou para seu filho que chiava. — 

Será desagradável para ele também, mas eu acho que você está pensando mais 
em você. 

— Eu não me preocupo só comigo— ela explodiu. 
—  Eu  acho  que  sim  —  respondeu  ele  e  abaixou-se  na  frente  de  Rowan, 

colocando as mãos nos ombros do filho. 

— Escute, rapazinho — disse ele, asperamente —, eu já estou cansado de 

seu choro  e  suas reclamações  e todos  por  aqui também  estão. Já conseguiu  o 
que queria. Agora, cale-se! 

Ellen  ficou  irritada  pois  Rowan  obedeceu  imediatamente  e  olhou  pira 

Dermid com interesse. 

— Quem é você? — Rowan perguntou. 
— Sou seu pai. Você entende o que isto significa? 

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—  Claro,  meu  amigo  Tony  tem  um  pai.  E  Bárbara  Ann  também  —  ele 

acrescentou, colocando o polegar na boca para chupá-lo enquanto olhava a para 
Dermid. 

Dermid  continuou  abaixado  alguns  segundos  fitando-o,  depois 

vagarosamente  endireitou-se  e  olhou  para  Ellen.  Estava  com  uma  expressão 
acusadora nos olhos. 

— Ele troca letras e chupa o dedo — Dermid disse. — Em nome de Deus, 

Ellen, como você tem cuidado de nosso filho? 

— O que você acha? — ela respondeu, irritada, e olhou ao seu redor. Já 

não havia quase ninguém por perto. 

Ellen  desejou  nunca  ter  ido.  Gostaria  de  ter  ignorado  a  carta  do 

advogado, dizendo que deveria estar presente em Inchcullin no dia trinta e um 
de outubro para a leitura dos últimos desejos e do testamento de Neil Craig e 
que deveria trazer Rowan consigo. Se pensasse mais em si mesma como dissera 
Dermid estaria em Ottawa e já teria, há muito tempo, entrado com um pedido 
de divorcio. Aquela simples separação não conduzira a nada. Ele continuava tão 
prepotente  e  mal-humorado  como  antes.  E  ainda  perigosamente  atraente, 
admitiu, engolindo em seco e dando-lhe uma rápida olhada. 

Mas ele não estava lá. Já se encaminhava paia a porta de saída junto com 

Rowan.  Estavam  de  mãos  dadas  e  de  vez  em  quando  Rowan  dava  um  pulinho 
como se estivesse muito feliz por caminhar com o homem que, mesmo sendo um 
estranho  para  ele,  era  seu  pai.  Ellen  teve  um  sobressalto.  Movendo-se  mais 
rápido que conseguia, por causa de seus pés inchados, ela correu atrás. Lá fora 
o  ar  estava  gelado.  O  vento  desmanchou  e  espalhou  a  franja  de  seus  cabelos 
loiros  que  chegavam  quase  aos  ombros.  Pingos  de  chuva  fria  bateram  em  seu 
rosto  e  ela  lamentou  ter  guardado  sua  capa  na  mala;  a  chuva  estragaria  seu 
conjunto de veludo. 

No  instante  seguinte  Ellen  se  esqueceu  daqueles  contratempos  vendo 

Rowan,  encorajado  por  Dermid,  desaparecer  no  banco  dê  trás  de  um  carro 
preto  estacionado  ali  perto.  Era  como  se  visse  seu  filho  sendo  raptado  e  não 
pudesse fazer nada para salvá-lo. 

— Rowan, volte! Dermid, você não pode fazer isso! 
—  Não?  —  Ele  suspendeu  a  manga  de  sua  camisa  de  seda  bege  e  olhou. 

para  o  relógio.  —  Com  um  pouco  de  sorte,  conseguiremos  pegar  a  única  balsa 
que vai para Portcullin hoje. Quer mudar de idéia e vir junto? Ou ainda prefere 
dirigir até lá... sozinha, claro! 
 

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Ellen olhou para o marido, procurando alguma resposta à altura. Nada lhe 

ocorreu.  Em  vez  disso  surpreendeu-se  por  ainda  o  achar  extremamente 
atraente. 

—  Mamãe,  depressa!  —  A  cabeça  de  Rowan  apareceu  na  janelinha  do 

carro. — Eu vou para o castelo de barco. Venha logo! 

— Está bem — murmurou ela, encaminhando-se para o carro. 
— E sua bagagem? — Dermid lembrou-a. — Vai deixá-la aqui? 
— Que inferno! —  Irritadíssima, Ellen  se  encaminhou  para o aeroporto. 

Após  alguns  instantes  voltou  com  o  carrinho  com  as  três  malas,  Dermid  já 
estava  sentado  no  banco  de  trás,  conversando  com  Rowan,  e  foi  o  motorista 
quem colocou a bagagem no porta-malas. 
 

Ellen  notou  que  era  um  carro  da  firma  e  ignorando  o  lugar  que  Dermid 

deixara  para  ela,  sentou-se  no  banco  da  frente  ao  lado  do  motorista;  a  firma 
era  Craig  &  Rose,  Fiandeiros  de  Algodão  e  Linha  de  Náilon.  Robert  Craig 
começara seu negócio no século XIX e este crescera tanto que havia filiais das 
indústrias Craig & Rose em vários países. 

Ellen reclinou a cabeça no encosto do assento e fez um grande esforço 

para  relaxar,  enquanto  o  carro  rodava  em  direção  a  Irvine.  Ela  já  tinha  se 
esquecido  de  como  aquelas  estradas  eram  estreitas.  Os  campos  de  tomates 
estavam  na  época  da  colheita  e  ocupavam  ambos  os  lados  da  estrada,  onde 
ainda  havia  algumas  folhas  nas  sebes  com  frutinhas  silvestres.  As  sorveiras, 
plantadas nos cantos dos campos para afastar os duendes e as bruxas, estavam 
com  folhas  douradas  como  os  cabelos  de  Rowan  e  os  cachos  de  frutas 
escarlates balançavam ao vento. 

A  mãe  de  Ellen  era  da  família  Rose  antes  de  casar com  Don  Lister,  um 

piloto da Força Aérea canadense, que estava servindo na Escócia no final da II 
Grande  Guerra.  Ela  voltou  com  ele  para  o  Canadá,  depois  da  guerra,  como 
muitas  outras  mulheres  inglesas  que  casaram  com  canadenses.  Noivas  de 
guerra, como eram chamadas. 

Ellen  suspirou  pensando  em  sua  mãe.  Janet  Lister  era  particularmente 

orgulhosa  de  descender  da  poderosa  família  “Rose”,  há  muitos  anos  sócia  dos 
Craig nos negócios têxteis. Ela insistira para que Ellen visitasse seus parentes 
“Rose” em sua primeira visita à Inglaterra, há cinco anos atrás. 

Com vinte anos de idade, impressionada e excitada com a descoberta de 

suas raízes escocesas, Ellen aproveitou muito o convívio com seus primos Rose 
e foi na casa de um deles que conheceu Dermid Craig, de olhos negros, cabelos 
avermelhados e sete anos mais velho do que ela. 

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Um  simples  olhar  e  bastou  para  que  Ellen  se  apaixonasse,  porque  ele 

parecia a personificação daqueles orgulhosos chefes de clã sobre os quais ela 
lera em romances escoceses da biblioteca de sua mãe. 

Mas Dermid não era um chefe de clã, ele tinha assegurado a Ellen, com 

os  olhos  brilhando  de  divertimento,  quando  Ellen  lhe  contara  aquelas 
impressões;  ele  era  um  técnico  da  indústria  têxtil  e  pretendia,  algum  dia, 
tomar-se  diretor  geral  da  Craig  &  Rose.  Ambicioso,  forte,  competente  nos 
negócios  e  sabendo  lidar  com  pessoas,  ele  logo  me  levou  à  submissão,  pensou 
Ellen com outro suspiro. De modo que, assim que ele disse que queria casar com 
ela, Ellen concordou sem hesitação, muito apaixonada. 

Mas, se Janet Lister pudesse adivinhar o futuro, será que teria insistido 

tanto  para  que  eu  visitasse  os  parentes  Rose?,  pensou  Ellen  com  os  olhos 
fechados,  embalada  pelo  ar  aquecido  do  carro  e  pelo  murmúrio  da  voz  de 
Dermid, que conversava com Rowan. Se Janet Lister adivinhasse que sua única 
filha encontraria, ia se apaixonar e casaria num espaço de três semanas com o 
filho  de  Maxwell  Craig,  um  homem  que  Janet  desprezava,  será  que  teria 
insistido para que Ellen visitasse a família Rose? Ellen agora duvidava disso. 

Sua cabeça pendeu para o lado  e ela cochilou. Quando  abriu  os olhos, a 

estrada fazia uma curva ao lado de uma praia rochosa. 

Surpreendentemente, as nuvens tinham desaparecido e o sol derramava 

seus raios sobre as ondas do estuário Clyde, tornando-o cor de violeta. Já era 
possível ver muitas ilhas com seus picos agudos: Arran, Cumbraes e Bute. 

Enquanto o carro voltava para a estrada costeira principal e embicava no 

porto,  o  sol  brilhava  no  céu  pálido  de  outubro.  Do  outro  lado  do  mar,  de  um 
turquesa  cintilante,  às  vezes  cor-de-malva  com  manchas  escuras,  com  as 
sombras  das  nuvenzinhas  brancas  acima  Ellen  podia  ver  as  colinas  de  Kintyre, 
convidando-  ai  a  voltar  pára  aquelas  areias,  para  ouvir  o  barulho  do  mar  e  o 
canto do vento nas árvores, viver novamente uma vida de paz e de sonhos. 

Em  pé  no  deck  superior  da  balsa,  contemplando  as  colinas,  Ellen  sentiu 

lágrimas de nostalgia em seus olhos, e estremeceu um pouco na brisa fria. 

— Está frio aqui em  cima — disse ela, afastando-se da grade. — vamos 

descer e sentar no salão, Rowan. 

— Eu quero ficar aqui. 
—  Você  não  trouxe  um  casaco?  —  perguntou  Dermid,  com  irritação, 

percebendo a palidez no rosto de Ellen. 

— Sim, mas está dentro da mala — murmurou ela, evitando olhar para o 

marido. Será que ele se lembrava de que lhe fizera a mesma pergunta, há cinco 
anos atrás, no mesmo deck superior da mesma balsa? Havia sido naquela mesma 

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época do ano que ele, casado há apenas duas semanas, tinha levado a esposa a 
Inchcullin  para  conhecer  seu  avô.  Depois  ele  tirara  seu  casaco  de  camurça 
forrado de lá de ovelha, pusera-o sobre os ombros de Ellen puxara o capuz e, 
segurando seu rosto com ambas as mãos, lhe dera um beijo. Agora, deu-lhe uma 
olhada de esguelha e não lhe ofereceu o sobretudo que colocara no carro. 

— Desça você, então — ordenou ele — Eu ficarei aqui tomando conta de 

Rowan. 

Ellen hesitou, suspeitando daquela boa vontade. Não ficaria surpresa se 

o marido aproveitasse todas as chances para conseguir a tutela de Rowan. 

— Rowan, você parece que também está com frio. Desça com a mamãe. Lá 

está  quentinho  e  você  pode  beber  alguma  coisa  quente  e  comer  bolachas  de 
chocolate. 

— Não quero beber nada, não quero bolachas. Quero ficar aqui. — Rowan 

virou-se  rapidamente  e  correu  em  disparada  pelo  deck.  Como  não,  estava 
acostumado  com  o  balanço  da  balsa,  perdeu  o  equilíbrio  e  escorregou  de 
encontro à grade. 

—  Rowan!  —  gritou  ela,  precipitando-se  para  a  frente,  imaginando  o 

corpinho de Rowan passando pelo vão entre o piso do deck e a grade, caindo na 
água e afundando pára sempre. Mas Dermid, movendo-se mais rapidamente do 
que  Ellen,  alcançou  Rowan  antes,  suspendeu-o  nos  braços  e  colocou-o  nos 
ombros, onde o menino olhou triunfante para ela. 

—  Depois  desse  pequeno  susto  eu  acho  que  você  é  quem  precisa  de  um 

bom gole de uísque. O bar deve estar aberto — disse Dermid. 

— Ainda é  muito cedo  para  um  uísque —  protestou Ellen,  seguindo-o  na 

direção do deck inferior. — Além disso não podemos levar Rowan ao bar. 

— Está bem, você fica com ele no salão e eu pego um uísque para nós 
No  confortável  salão  na  popa  do  barco, Ellen sentou-se  perto  da  janela 

para que Rowan pudesse olhar a paisagem lá fora. Pensou em pedir um suco de 
laranja e biscoitos de chocolate para Rowan e uma xícara de café para ela, caso 
Dermid não pudesse trazer o uísque do bar. 

Quando ela já estava impaciente, ele regressou com dois  copos na mão. 

Pôs os dois sobre a mesa e sentou-se do lado oposto. 

Dermid bebeu o uísque e Ellen brincava com um dos copos, observando o 

gelo, pensando em algo para dizer. 

—  Eu...  eu  não  esperava  que  você  viesse  nos  esperar  —  murmurou  de 

repente. — Eu pensei que você ainda estivesse em Inchcullin. 

—  O  enterro  foi  na  terça-feira  da  semana  passada.  Eu  voltei  a 

Kilruddock no dia seguinte — Kilruddock era a cidade onde ficavam as fábricas 

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e escritórios dos Craig e Rose e também a casa em que eles tinham morado no 
primeiro ano de casamento. 

—  Eu  sinto  muito  não  ter  vindo  para  o  enterro  —  disse.  Ellen 

formalmente 

— Você não era mesmo esperada... 
— E realmente não entendo por que preciso estar presente à leitura do 

testamento do seu avó. Afinal, eu mal o conheci e não sou uma Craig. 

— Não, você não é, mas Rowan é — ele a interrompeu, friamente. — E foi 

por causa dele o convite para a leitura dos últimos desejos do meu avô. 

— Foi muito inconveniente para mim deixar Ottawa justamente agora. 
— Oh, eu imagino — disse, sarcástico, — Walt Stewart arranjou alguém 

para substituí-la? 

— Bem, não foi fácil — ela murmurou.  
Dermid  tinha  chegado  bem  perto  da  verdade  e  ela  ainda  podia  ouvir  a 

voz de Walter Stewart gritando nos seus ouvidos:  

—  Está  bem,  tire  uma  semana,  nem  um  dia  a  mais,  e  se  você  não  tiver 

voltado,  na próxima segunda... nem precisa voltar. Você  tem  feito  um  péssimo 
trabalho ultimamente... parece que perdeu a vitalidade que tinha... portanto vou 
aconselhá-la:  Enquanto  estiver  lá,  resolva  de  uma  vez  sua  situação  conjugal, 
certo? Peça o divórcio. 

—  Mas...  mas...  eu  não  tenho  certeza  se  desejo  um  —  ela  havia 

Protestado. 

—  Essa  separação  não  está  lhe  fazendo  bem  algum.  Aquele  homem  não 

sai  de  seus  pensamentos,  garanto.  Você  precisa  se  decidir  mais  cedo  ou  mais 
tarde por ele ou por sua carreira. Parece que não consegue ficar com os dois. 
Acredite, Ellen, uma ruptura final é melhor. Eu já passei por isso, portanto sei 
como  é  péssimo  agarrar-se  a  sonhos,  e  esperanças  de  reconciliação.  Isso  não 
passa de falso romantismo. 

Durante a viagem, Ellen havia pensado muito a respeito dos conselhos de 

Walter  e  foi  obrigada  a  admitir  que  ele  tinha  razão.  Nos  próximos  dias  ela 
haveria  de  decidir-se.  Divorciar-se  de  Dermid  ou...  Ela  olhou  para  o  marido. 
Dermid  brincava  com  o  copo  já  vazio  e  seus  olhos  escuros  e  enigmáticos 
encontraram os dela. 

— Foi só por causa de Rowan que eu vim, está claro? 
—  Quer  dizer  que  não  veio  por  minha  causa?  —  respondeu  ele, 

asperamente. — Sim, está bem claro. — Dermid pegou o copo dela. 

— Quer outra dose? 

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—  Não,  não  obrigada.  Ainda  nem  acabei  esta,  mas  se  quiser  vá  buscar 

outra para você. 

—  Não,  eu  não  quero.  —  Mas  ele  se  levantou  e  se  afastou  para  sair  do 

salão.  Ellen  observou  o  marido  caminhando  e  o  velho  ressentimento  de  ser 
deixada sozinha fez com que ficasse magoada. Bebeu outro gole do uísque. 

Dermid  tivera  razão  em  ir  embora  depois  daquele  ano  em  que  ficaram 

casados.  E  mesmo  agora  ela  ainda  odiava  se  lembrar  claramente  daquela 
primeira  vez,  depois  de  três  meses  de  casados,  quando  ele  avisou  de  que 
deveria ir para a Índia por causa de um maquinário de um moinho de fiar que a 
companhia tinha montado lá. 

—  Quando  partimos?  —  ela  havia  perguntado,  excitada  pela  idéia  de 

passar uns tempos num país exótico. 

Tinham  acabado  de  jantar  e  estavam  sentados  no  sofá,  como  sempre 

gostavam de fazer, na grande sala que ela mobiliara com tanto prazer. E como 
eles ainda estavam apaixonados um pelo outro, sentavam-se bem juntinhos, ela 
com a cabeça no ombro dele. 

—  Eu  vou,  você  não  —  ele  disse  suavemente  e  pôs  a mão  por  dentro  da 

sua bata. As pontas dos dedos tocaram carinhosamente a sua barriga. — Você 
esqueceu de que está grávida? 

—  Claro  que  não!  Como  poderia  esquecer  se  há  três  meses  eu  me  sinto 

mal todas as manhãs? 

—  O  enjôo  passará  dentro  em  breve,  isso  é  normal  —  ele  murmurara, 

beijando-a suavemente no pescoço. 

— Como você sabe? Já teve uma mulher grávida antes? 
—  Não,  mas  eu  leio  os  livros  a  respeito  de  maternidade  que  estão  na 

biblioteca. Eu quero que seja menino, Ellen. 

— Eu também. — E os dois se beijaram apaixonadamente esquecendo-se 

de  tudo,  menos  de  como  era  bom  o  prazer  sensual  de  satisfazerem  um  os 
desejos do outro. 

Mais tarde porém, deitada ao lado de Dermid na cama, observando o luar 

refletido  no  teto  do  quarto,  ela  se  lembrou  de  como  seria  horrível  ficar  sem 
ele e não suportou ficar em silêncio. 

— Você não pode ir sem mim. Eu não quero. Oh. Dermid, eu vou morrer se 

ficar longe de você! 

— Não, não vai morrer. Eu voltarei, serão apenas seis meses. Eu voltarei 

para  o  nascimento  do  nosso  filho.  Eu  voltarei  tão  logo  seja  possível.  Quero 
estar com você quando o trabalho de parto começar. Quero ajudá-la, quero ver 
nosso filho nascer... 

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— Seis meses? — Parecia uma eternidade para ela. — O que eu vou fazer 

todo esse tempo nesta cidade? Ficarei louca de tédio! 

— Pode visitar seus primos, você se dá tão bem com Molly MacIntyre. E 

também estará ocupada fazendo roupinhas de criança e assistindo às aulas do 
pré-natal. Haverá mil coisas para fazer. Você não vai se aborrecer. 

—  Mas  não  vai  ser  a  mesma  coisa  sem  você  aqui  —  ela  sussurrará, 

desesperada.  E  percebendo  depois  que  Dermid  estava  quase  dormindo,  ela 
enlaçou-o e abraçou-o  fortemente. — Dermid, não  vá. Deixe  que  eles  mandem 
outro em seu lugar. Fique comigo. 

Ele  ficou  tenso  e  moveu-se  para  longe  dela,  colocando  as  mãos  sob  a 

nuca. Na claridade do luar seus traços pareciam esculpidos em mármore. 

—  Eu  tenho  de  ir.  E  um  trabalho  que  eu  quero  fazer.  Faz  parte  da 

experiência que eu preciso adquirir se quiser um dia ser diretor da companhia. 

—  Você  prefere  realmente  ir  a  ficar  comigo?  —  perguntara  ela, 

profundamente magoada. 

— Ellen, a questão não é essa, eu não quero deixá-la, da mesma maneira 

que você não quer ficar sozinha, mas é melhor para sua saúde que fique aqui e 
faça um pré-natal como se deve já que está grávida. 

—  Se  você  me  ama,  se  realmente  me  ama,  não  vá  —  tinha  protestado, 

sem perceber que o marido estava preocupado com a saúde e bem-estar dela. 

— E se você me ama não deve fazer uma tragédia por causa disso. Agora 

durma. Eu tenho que levantar cedo mesmo que você não tenha. 

Sentindo  que  sua  roupa  estava  molhada,  Ellen  voltou  rapidamente  do 

passado para o presente para constatar que entornara o copo sobre sua saia de 
veludo. Contrariada, ela abriu a bolsa e pegou um lenço de papel para enxugá-la. 
Estragaria  o  veludo,  ela  tinha  certeza.  Olhou  para  Rowan.  Ainda  bem  que  ele 
está  calmo,  pensou  com  um  sorriso  triste.  Ele  mastigava  outro  biscoito  de 
chocolate  e  era  melhor  não  perturbá-lo  deixando  para  limpar  sua  boca  só 
quando terminasse de comer. 

—  Igualzinho  a  mim  quando  criança  —  Dermid  dissera  no  aeroporto 

quando  encontrara  Rowan.  Ela  achava  que  realmente  ele  deveria  parecer-se 
com  Rowan  quando  tinha  quatro  anos.  Possuía  a  mesma  determinação  para 
escolher e seguir seu próprio caminho. 

Como  Dermid  gostou  quando  Rowan  nasceu.  Mas  ele  também  tinha  se 

preocupado  muito  com  Ellen,  pois  tivera  um  parto  difícil.  Jamais  ela  se 
esqueceria da ternura com a qual a tratara nas primeiras semanas depois que o 
bebê nascera. 

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Sua recuperação demorou algum tempo e, nos quarenta dias de dieta, o 

doutor aconselhou-a a não ter pressa em engravidar novamente; naquele mesmo 
dia  Dermid  disse  a  ela  que  deveria  voltar  para  a  Índia  a  fim  de  inspecionar  o 
moinho, pois precisava resolver ainda alguns problemas com o maquinário. 

— Mas vou voltar logo — ele a confortou. — Vou ficar fora apenas cinco 

semanas. Você nem vai sentir minha falta, ocupada que estará com nosso filho. 

Foi  quando  ela  se  lembrou  da  carta  que  recebera  de  seus  pais 

convidando-a para passar alguns dias com eles no Canadá 

— Enquanto você estiver fora, eu acho que vou para casa... 
— Casa? Esta não é a sua casa’? 
—  Eu...  eu  queria  dizer,  Ottawa  —  ela  se  corrigiu  rapidamente.  — 

Dermid,  se  eu  for,  você  passará  por  lá  quando  voltar  da  Índia?  Já  é  hora  de 
conhecer os meus pais... 

—  Acho  melhor  que  não  —  replicou  ele,  a  boca  curvando-se 

ironicamente.’— Posso estar errado, mas eu tenho a impressão de que eles não 
aprovaram o nosso casamento. 

—  Isto  porque  nós  nos  casamos  depressa  demais  e  eles  não  tiveram 

tempo  de  vir  à  Escócia  para  assistir  à  cerimônia  —  ela  explicou  depressa  e 
defensivamente. A reação fria de seus pais diante do seu excitado telefonema 
dizendo a eles que se casara com Dermid numa rápida e alegre cerimônia civil 
num  cartório  escocês  magoou-a  e  confundiu-a  na  época.  —  Se  nós  tivéssemos 
esperado  por  eles  ou  tivéssemos  ido  a  Ottawa  para  casar,  eles  reagiriam  de 
maneira diferente.  

—  Você  poderia  esperar?  —  ele  perguntou,  inclinando-se  para  ela, 

sorrindo,  o  olhar  dirigido  sugestivamente  para  sua  boca  enquanto  o  braço  de 
Dermid enlaçava. possessivamente sua cintura e seus dedos acariciavam os seus 
seios. — Você sabe que não poderíamos — ele sussurrou. — Você estava como 
um fruto maduro para ser colhido e eu ansioso pela colheita. Portanto seus pais 
deveriam  ficar  felizes  por  nós  termos  casado  logo.  —  E  seus  lábios 
encontraram  os  dela  num  beijo  cheio  de  paixão  que  expressou  todo  o  desejo 
que ambos sentiam. 

Mas em vez de corresponder, Ellen enrijeceu-se contra ele, enquanto um 

medo  horrível  de  engravidar  novamente  depois  do  sofrimento  da  primeira 
gravidez  apoderou-se  dela.  Empurrando-o,  ela  procurava  se  libertar  daquele 
beijo. 

— Não, não agora, não ainda. O doutor disse que eu preciso ter cuidado, 

que eu preciso esperar algum tempo para engravidar novamente. Ele disse que 

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eu  preciso  conversar  com  você  para  nós  entrarmos  em  acordo  a  respeito  das 
precauções que precisamos tomar. 

— Eu estava somente beijando você, querida — falou Dermid, roçando o 

nariz de encontro a sua face. 

—  Eu sei,  mas  quando  você  me beija  é  tão  difícil,  não...  oh  não  Dermid, 

por favor, afaste-se. Não me beije e não me toque desse jeito — ela falou sem 
refletir,  defendendo  sua  própria  vulnerabilidade  e  não  levou  em  conta  os 
sentimentos  dele...  simplesmente  não  imaginou  o  quanto  estava  ferindo  o 
marido. 

Dermid afastou-se dela e foi sentar-se na outra ponta do sofá. 
— Assim está bem? — perguntou ele, sarcasticamente — ou pretere que 

eu saia de casa? 

— Oh, Dermid — ela tentou sorrir —, não seja bobo. Procure entender. 
—  Entendo muito bem  —  interrompeu  ele  asperamente. —  Você  não  me 

quer por perto com medo de outra gravidez. Bem, depois desta noite, você não 
terá  preocupações  por  cinco  semanas,  pois  a  distancia  entre  nós  será  bem 
grande, eu estando na Índia e você em Ottawa. E as precauções que o médico 
aconselhou não serão necessárias. 

Sentindo-se  ainda  fraca,  desejando  e  temendo  o  conforto  que  só  ele 

poderia lhe dar, Ellen começou a chorar e correu para o quarto. 

Chorou  durante  muito  tempo  e  permaneceu  acordada,  atenta  ao  menor 

ruído,  certa  de  que  ele  viria,  se  deitaria  ao  seu  lado,  iria  abraçá-la  e  pediria 
desculpas  por  ter  sido  tão  rude.  Como  ele  não  foi  Ellen  saiu  da  cama  para 
procurá-lo  na  sala  de  estar  do  andar  de  baixo  para  tentar  uma  reconciliação. 
Mas  ele  não  estava  lá  e  não  estava  em  lugar  algum  da  casa  e  por  alguns 
instantes  ela  entrou  em  pânico  ao pensar  que  ele  a abandonara.  Depois o  bom 
senso  veio  ajudá-la.  Todas  as  coisas  dele  estavam  na  casa.  Dificilmente  teria 
ido embora sem levar ao menos uma maleta. 

Ouvindo o bebê chorar ela subiu, amamentou-o, trocou-o colocou-o para 

dormir  outra  vez.  Ellen  dormiu  quase  em  seguida  e  só  acordou  quando  Rowan 
chorou reclamando a primeira refeição do dia. Dormira só, Dermid não dormira 
junto com ela. 

Tentando não se perturbar, cuidou de Rowan, colocou-o no berço e voltou 

para seu quarto. Para sua surpresa Dermid estava lá, completamente vestido e 
arrumando a mala. 

— Rowan está bem? — perguntou Dermid, sem ao menos olhar para ela. 
—  Sim.  —  Ela  sentou-se  aos  pós  da  cama.  —  Dermid  —  e  começou  com 

hesitação, preocupada —, onde você dormiu esta noite? 

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— Fora — respondeu ele brevemente e começou a fechar a mala. 
— Onde? 
— Importa? 
— Sim. Eu... eu fiquei preocupada quando descobri que você não estava. 
— Fui visitar um amigo — respondeu ele bruscamente. 
— Posso saber qual? — ela perguntou e mesmo contra sua vontade a voz 

saiu tremida. 

—  Se  eu  lhe  dissesse  de  nada  adiantaria  —  respondeu  ele,  dando  de 

ombros. E foi para o quarto de vestir ajeitar o nó da gravata. Ele viu através do 
espelho que Ellen o observava e seus olhares se encontraram. — Não fique tão 
contrariada, Ellen, eu não dormi fora. 

— Então onde você dormiu. — Ela não conseguiu disfarçar o ciúme que a 

estava roendo internamente, 

— No quarto de hóspedes, onde mais? 
—  Dermid...  eu...  eu...  eu  sinto  muito  —  murmurou  ela.  —  Quando  disse 

que  não  queria  que  você  me  tocasse,  não  quis  dizer  que  não  queria  dormir  na 
mesma cama, junto com você... 

Ele  se  voltou,  caminhou  até  ela  e  sentou-se  ao  seu  lado.  Banhado  e 

barbeado  há  pouco,  com  a  camisa  e  o  temo  limpos,  a  presença  dele  a  atraía 
muito e Ellen quase se jogou em seus braços pedindo para ele não ir. Porém, o 
olhar frio e enigmático do marido obrigou-a a refrear esse impulso. 

— Eu não  poderia dormir com você  na  mesma cama  e resistir... — disse 

ele numa voz baixa. — Eu não poderia. Eu... — Ele se interrompeu. — tenho que 
ir agora — acrescentou pegando sua mala. — Escreva-me contando quando você 
vai para o Canadá. Retire o dinheiro que quiser de nossa conta. 

Ele se foi e Ellen, quase tropeçando no seu robe comprido, correu atrás 

do  marido.  No  topo  da  escada  ele  se  voltou.  Seu  rosto  estava  pálido  e  um 
músculo tremia em sua face. 

—  Dermid,  você  irá  a  Ottawa?  Por  favor!  —  ela  sussurrou,  erguendo  a 

mão para afagar seu rosto, mas desistindo de levar o gesto adiante. 

— Talvez, Dependerá do tempo que você resolver ficar lá.  
— Mas... 
—  Não  tenho  mais  tempo  agora  —  ele  a  interrompeu.  —  Escreva-me 

contando seus planos. — Dermid se inclinou e beijou-a na face. — Adeus, amor 
— murmurou ele e desceu as escadas. 

—  Mamãe...  mamãe!  —  A  voz  estridente  de  Rowan  trouxe-a  de  volta  o 

salão da balsa, para o rumor das máquinas, para o barulho do mar e para a face 

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de  Rowan,  branca  como  cal,  suja  de  farelos  de  biscoitos  de  chocolate.  — 
Mamãe, acho que vou vomitar. 

—  Oh,  não!  —  gritou  Ellen  e  olhou  pela  janela.  O  tempo  mudara 

novamente  e  a  balsa  jogava  demais.  —  Não  aqui,  Rowan,  por  favor.  —  Ela 
implorou, levantando e olhando à sua volta. Dermid não estava por perto. Seus 
lábios se apertaram. Dermid deixara claro que preferia ficar no bar do que na 
companhia dela e de Rowan. 

Rowan teve ânsia e  ela puxou-o  pela  mão  em direção à  porta. Procurava 

ansiosamente as placas que indicavam os toaletes. 

— Posso ajudá-la, senhora? — Um tripulante vinha em sua direção. 
— Meu filho está com enjôo. Ele não está acostumado com o mar.  
Nem eu, ela pensou, quando sentiu seu próprio estômago embrulhar. 
O homem entendeu e abriu uma porta ao seu lado. 
—  E  aqui,  senhoras  leve-o  para  dentro.  A  senhora  pode  se  deitar  no 

banco se quiser. Ainda demora para chegar ao porto e o tempo vai piorar mais. 

Empurrando  Rowan,  Ellen  entrou  na  cabine.  Rowan  foi  ao  banheiro  e 

gritou  por  ela  quando  acabou  de  vomitar.  Ela  limpou-o,  colocou-o  no  banco  e 
deitou-se  ao  seu  lado  abraçando-o,  acariciando  seus  cabelos  avermelhados. 
Pouco a pouco, ele se acalmou e dormiu. 
 

Como  ele  é bonito. Ellen pensou  enquanto  o olhava, com  o rostinho  mais 

calmo e aqueles cílios tão compridos. Uma criança nascida do amor, porque ela e 
Dermid estavam realmente apaixonados um pelo outro há seis anos atrás. O que 
realmente acontecera entre eles? Por que haviam se separado? De quem era a 
culpa?  Ambos  seguindo  caminhos  opostos  e  nenhum  dos  dois  querendo  ceder 
nunca. 

Oh,  Deus,  ela  estava  cansada  de  pensar  nisso,  cansada  de  tentar 

descobrir se poderia ter agido de outra forma, cansada de viver agarrada a um 
sonho  impossível.  Cansada,  cansada,  cansada.  Se  ela  pudesse  dormir  e  nunca 
mais acordar! 

Devagarinho  ela  fechou  os  olhos.  A  noite  mal  dormida  e  a  tensão  pela 

qual passara desde que se encontrara com Dermid, tinham abalado seus nervos. 
Exausta, ela adormeceu, um braço passado protetoramente sob a criança. 

 
Capítulo II 
 
Ellen  percebeu  que  a  balsa  parara  pois  não  se  ouvia  mais  o  barulho  das 

máquinas.  Sentindo  frio,  ela  permaneceu  com  os  olhos  fechados,  pensando  no 

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que acontecera... Foi quando bateram com força na porta da cabine. Abrindo os 
olhos  ela  viu  Rowan.  Ele  ainda  estava dormindo  com a  cabeça  por  cima  de  seu 
braço.  Batidas  mais  fortes  fizeram-na  tirar  o  braço  de  sob  a  cabeça  dele, 
correr até a porta e abri-la. O tripulante estava lá olhando-a com curiosidade. 

— Nós estamos em Portcullin, senhora, o fim da linha — ele disse. — O 

menino está melhor? 

— Sim, obrigada. Está dormindo. 
— A senhora tem bagagem? 
—  Sim  —  Ellen  tirou  os  cabelos  do  rosto.  Ainda  estava  tonta  de  sono. 

Parecia que tinha dormido anos. — Eu acho que Derm... digo, meu marido, está 
cuidando disso. 

— Sim, sim — disse o tripulante. — Então eu a ajudarei com a criança. — 

Ele entrou na cabine e olhou para Rowan. — É uma pena acordá-lo. Só tem esse, 
senhora? — Ellen concordou e ele prosseguiu. 

— Eu tenho quatro. Dão muito trabalho para minha esposa. — Ele ergueu 

Rowan  nos  braços.  —  Vá  na  frente,  senhora.  Vire  à  direita  no  corredor  e 
encontrará a prancha de desembarque. 

Só  havia  tempo  de  pôr  os  sapatos  e  pegar  a  bolsa.  Não  dava  para  se 

preocupar com sua aparência, pentear os cabelos, ou retocar a maquiagem. Não 
haveria tempo para alisar sua saia ou tirar os pelinhos de lã do seu conjunto. 

O barulho das gaivotas voando parecia saudá-la enquanto ela descia pela 

prancha  de  desembarque  para  o  cais.  O  chuvisco  parara  e  o  sol  brilhava 
novamente  no  céu  azul,  onde  nuvens  brancas  passavam,  brilhava  sobre  as 
paredes  das  construções  do  cais  de  pedra  onde  a  balsa  fora  atracada  e 
cintilava nos dois carros estacionados ali perto. 

Imediatamente  ela  reconheceu  um  dos  veículos.  Era  o  Rolls  Royce 

prateado  que  pertencera  ao  avô  de  Dermid  e  James  Blair,  o  motorista  e 
jardineiro, estava pondo a bagagem no porta-malas. Mas onde estava Dermid? 
Ela não precisou procurar muito para encontrá-lo. Ele estava ao lado do outro 
carro  com  uma  mulher  alta,  elegante,  muito  bem  vestida,  os  cabelos  loiros, 
lisos, bem  cortados,  brilhavam à luz do  sol. Dermid parecia  muito interessado 
no que ela falava e nem viu quando Ellen desceu a rampa. 

Ignorando-o Ellen se dirigiu a James Blair e o tripulante seguiu-a ainda 

carregando Rowan. A face de James Blair geralmente muito séria abriu-se num 
sorriso de boas-vindas e ele levantou seu boné para ela quando a viu aproximar-
se. 

— Bom dia, sra. Craig — ele disse na sua cantante voz escocesa. 

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—  Como  você  está,  James?  —  Ela  estendeu  a  mão  a  ele  e  ele  ficou 

hesitante se poderia ou não trocar apertos de mão com a mulher de seu patrão.  

— Acho que estou bem, muito bem, sra. Craig. E como vai a senhora? 
— Bem, obrigada. 
—  Mamãe  —  a  voz  de  Rowan  soou  ansiosa  ao  acordar  nos  braços  do 

tripulante. — Onde nós estamos, mamãe? Onde está o barco? 

—  Nós  já  chegamos,  queridos.  —  Ela  sorriu  para  o  tripulante  e 

agradeceu-o  enquanto  ele  punha  Rowan  no  chão.  Mas  o  olhar  dela  dirigiu-se 
para Dermid que ainda conversava com a mulher loira. Quem seria ela? Por que 
ele prestava tanta atenção no que ela dizia? Ellen sentiu uma pontada de ciúme 
mas  procurou  ignorá-la.  O  camareiro  voltou  para  a  balsa  e  James  Blair, 
segurando a porta do carro aberta, sugeriu que ela e Rowan entrassem. 

— Venha, Rowan. Entre. Não é um carro lindo? 
— Não quero ir para o carro. Quero ir para o barco — reclamou Rowan, 

contrariado, recusando-se a mover-se. — Quero ficar com ele — acrescentou. 
apontando para Dermid. E se esquivando dela, correu para o cais. 

—  Rowan,  Rowan,  volte  imediatamente.  —  O  vento,  que  de  tão  forte 

desmanchava  sua  franja  embaralhando  sua  visão,  levou  as  palavras  para  a 
direção  errada.  Mordendo  o  lábio  inferior,  Ellen  observou  Rowan  correr  para 
Dermid e levantar os bracinhos para ele. Dermid abaixou-se e colocou o menino 
nos ombros como fizera na balsa. Mas, em vez de virar-se e voltar para o carro, 
continuou parado com a mulher, sem falar mas ouvindo-a com muita atenção. 

—  Eu  estou  pensando  que  a  refeição  que  Bessie  preparou  vai  esfriar 

demais  se  tivemos  que  esperar  muito  —  resmungava  James  Blair  baixinho. 
Depois de olhar para o chofer, Ellen notou que ele olhou para o relógio e depois 
observou  o  grupo  parada  perto  do  outro  carro.  Já  eram  doze  horas  e  vinte 
cinco  minutos  e  ela  se  esquecera  que  era  domingo.  Ellen  se  esquecera  de  que 
em Inchcullin eles sempre serviam uma refeição bem substanciosa ao meio-dia. 

— Vou dizer a Dermid para se apressar — murmurou ela e caminhou até 

lá. Chegando ao lado dele, falou abruptamente, sabendo que estava sendo rude 
interrompendo  a  outra  mulher.  Mas  não  se  importou  muito  porque  achava  que 
tinha direito à atenção de Dermid. 

—  James  diz  que  vamos  perder  o  almoço  se  não  formos  já  para 

Inchcullin. 

A outra mulher se calou. Ellen lançou-lhe um rápido olhar, notando a pele 

bonita,  a  face  angular,  os  cabelos  curtos,  os  olhos  azuis  profundos  sob 
sobrancelhas  bem  arqueadas;  uma  bonita  mulher,  esguia,  bem  vestida  com  um 

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suéter  de  lã  de  carneiro  sob  um  conjunto  de  tweed  azul-acinzentado;  uma 
mulher de uns quarenta e cinco anos, experiente e sofisticada. 

—  Estarei  com  vocês  num  minuto.  —  A  voz  de  Dermid  era  fria  e 

autoritária enquanto ele punha Rowan em pé no chão. — Vá com sua mãe, rapaz 
— ordenou. — O que você estava dizendo, Ann? — ele perguntou com cortesia, 
voltando-se para a outra. 

Com as  faces pegando  fogo, Ellen virou-se sentindo os dedinhos  gordos 

de  Rowan  em  sua  mão.  Como  Dermid  ousou  tratá-la  como  se  fosse  ninguém? 
Como ele ousou humilhá-la diante da outra mulher? Atrás dela, Ellen ouviu uma 
porta  de  carro  bater  e  uma  partida  de  motor.  Em  poucos  segundos  Dermid 
estava ao seu lado. 

—  Você  tinha  que  ser  tão  rude?  —  reclamou  ele.  —  Não  podia  esperar 

até que Ann terminasse de falar? 

— Do jeito como ela conversava, acho que teria de esperar a vida toda — 

Ellen respondeu. — E aparentemente o que ela dizia era muito mais importante 
para você do que para Rowan e eu. 

A  mão  de  Dermid  agarrou  seu  braço  e  segurou-o  com  tanta  força  que 

parecia atingir seus ossos, forçando-a a virar-se para ele. 

— Escute, sua tola ciumenta, Ann é uma velha amiga... 
—  Oh,  eu  percebi...  Bem  velha.  Mais  velha  do  que  você  pelo  menos  uns 

vinte  anos.  Mas  é  a  última  moda  agora,  não  é?  Mulheres  mais  velhas 
interessando-se por homens jovens. 

— Cale-se —  ele falou, seus  olhos lampejando com raiva. — Ellen, o  que 

há com você? 

— Nada, nada — ela respondeu, afastando os cabelos loiros dos olhos. — 

Eu  só  estou  dizendo  o  que  acho,  dando  minha  opinião,  creio  que  tenho  esse 
direito, não? Penso que você encontrou no bar a sua velha amiga. Aposto que ela 
já estava lá quando foi buscar aquele primeiro drinque e foi por isso que voltou 
correndo para buscar outro. Você preferiu beber com ela do que ficar comigo e 
Rowan. 

—  Acha,  honestamente,  que  me  encoraja  a  ficar  com  você?  —  ele 

respondeu  asperamente.  —  Oh,  não,  bem  pelo  contrário.  Mostra  que  me  quer 
longe  porque  ficar  comigo  a  aborrece,  não  é?  Está  certo,  eu  voltei  ao  bar  e 
fiquei  não  porque  Ann  estivesse  lá.  Eu  não  tinha  visto  Ann  até  que  comecei  a 
procurar você pelo barco todo. Onde você se enfiou? 

—  Rowan  sentiu-se  mal  e  eu  também  fiquei  um  pouco  enjoada.  Um 

tripulante levou-nos até uma cabine e nos deitamos. 

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— Já estão bem agora? — Com um olhar quente ele observou a face de 

Ellen  e  olhou  também  para  Rowan.  que  surpreendentemente  estava  quieto,  de 
mãos dadas com ela e chupando o dedo, enquanto olhava para alguma coisa que 
era levada pelo vento. 

— Como se você se importasse conosco... 
—  Deus  meu,  que  temperamento  infernal  —  Dermid  disse,  apertando 

fortemente seu braço. — Estou inclinado a... 

— Sacudir-me — ela falou. — Vamos, faça isso. Sacuda-me na frente de 

James  Blair,  ofereça-lhe  uma  história  emocionante  para  contar  a  Bessie,  que 
por sua vez a contará a tia Agnes, que saberá então que nosso relacionamento 
não é tão agradável quanto penso que você forçou sua família a acreditar. 

— Eu não forcei Agnes a acreditar em coisa alguma — ele respondeu. — 

Sou  diferente  de  você,  eu  nunca  discuti  com  ninguém  nosso  relacionamento. 
Eles podem acreditar no que quiserem. A forma que eu e você escolhemos para 
viver não é da conta de nenhum idiota. 

—  Dermid,  olhe  sua  linguagem,  por  favor.  Pense  na  criança.  —  Ela 

suspirou,  tentando  livrar  o  braço  da  mão  que  o  agarrava.  —  Você  está  me 
apertando  com  força.  Meu  braço  ficará  machucado  quando  você  soltá-lo.  Ah, 
vamos, por favor! — ela gritou enquanto ele o apertava com mais força. — Você 
deve ter bebido muito para se comportar deste modo. Você não costumava ser 
espancador de mulheres. 

—  Onde  você  aprendeu  a  ser  tão  vulgar,  Ellen?  —  ele  perguntou,  seu 

rosto  tão  perto  do  dela  que  ela  podia  sentir  o  cheiro  da  bebida  na  sua 
respiração e ver o olhar perigoso de seus olhos apertados. — Com sua mãe? Ou 
com  o  pessoal  com  quem  você  trabalha?  —  Ele  a  soltou  tão  bruscamente  que 
Ellen  se  desequilibrou  um  pouco.  —  Vou  começar  a  pensar  no  que  disse  — 
continuou ele, enfiando as mãos nos bolsos da calça. Olhou-a com insolência. — 
É isso o que eu deveria ter feito há anos atrás: batido em você. 

— Eu o odiaria se você tivesse me batido. Eu o abandonaria. 
— Não vejo a diferença — ele ironizou. — Você me odeia do mesmo jeito! 
— Eu não, oh, você... — Antes de ofendê-lo com nomes impróprios ela se 

interrompeu,  lembrando-se  de  Rowan.  Voltando-se,  ela  encaminhou-se  para  o 
Rolls, puxando a criança. James Blair ainda conservava a porta aberta para ela. 
Entrou  primeiro  e  foi  bem  para  o  canto.  Rowan  sentou-se  ao  seu  lado  e ainda 
chupando  o  polegar,  recostou-se  nela.  Ellen  esperava  que  Dermid  se  sentasse 
na frente com James, mas quando ela olhou ao redor, ele estava se sentando na 
outra ponta do banco enquanto James fechava a porta do carro. 

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O  grande  carro  arrancou  finalmente  e  num  instante deixou  para  trás  o 

porto, penetrando na rua principal da cidade, passando pelas lojas  fechadas  e 
pelo  hotel.  As  pessoas  nas  suas  roupas  domingueiras  encaminhavam-se  para  a 
igreja,  as  mulheres  segurando  os  chapéus  que  o  vento  teimava  em  tirar  e  as 
mocinhas rindo enquanto tentavam segurar saias. 

No topo, o carro passou rápida e suavemente pelas colinas de pedra e as 

ruínas do Castelo Cullin. Terminado o trajeto da colina, o carro pareceu flutuar 
e  de  lá  se  avistava  o  lindo  mar  turquesa-prateado,  onde  o  sol  brilhava  e  as 
nuvens deixavam suas sombras. 

Virando  à  direita  para  a  direção  norte,  o  carro  deslizava  macio.  Com  a 

cabeça encostada no encosto do carro, Ellen sentiu que a tensão decorrente da 
briga com Dermid se amenizava. A ilha mais próxima. baixa e escura era Gigha, 
lembrava-se.  E  aquela  verde  atrás  dela  era  Islay.  E  qual  era  o  nome  daquela 
com três montanhas? Sem pensar ela se voltou para perguntar a Dermid, mas 
hesitou pois ele parecia dormir, as longas pernas estendidas e a cabeça apoiada 
no encosto do carro. 

Ellen estudou sua face. Os anos que viveram separados deixaram marcas 

no marido. Havia linhas ao lado da boca que não existiam antes; talvez porque 
ele sempre gostara muito de rir, mas também alguma coisa a mais. Amargura? 
Havia também alguns fios de cabelos brancos nas têmporas. 

Ele  sempre  foi  diferente,  pensou  ela,  sempre  chamou  atenção,  mas 

agora, além de distinto, ele também tem uma aparência simpática, é bonito. Ele 
parecia o que era, um homem de negócios cheio de sucesso, dinâmico, confiante 
na sua própria capacidade, consciente de sua elegância em qualquer traje e até 
mesmo sem nenhum. 

As  faces  de  Ellen  ruborizarain-se  com  essa  idéia  e  tirou  os  olhos  dele 

depressa, enquanto sentia uma onda de desejo violenta tomando conta de todo 
seu corpo. Procurou se distrair daqueles pensamentos, olhando para o mar. 

Quantas  mulheres  já  haviam  se  sentido  assim  olhando  para  Dermid? 

Quantas  mulheres  ele  teria  tido  em  sua  vida  nesses  três  anos?  Ela  sabia  de 
pelo  menos  uma.  Dermid  não  era  puritano.  Abnegação  não  fazia  parte  de  seu 
estilo de vida. Ele era um tipo realista, como o seu pai também o fora, tirando 
prazer onde pudesse ser encontrado. “Talvez eu me torne como ele se você não 
me amar o suficiente”, disse ele certa vez. E embora Dermid tivesse dito isso 
em tom de brincadeira ela sabia o que o marido realmente queria dizer. 

Quando  e  por  que  ele  dissera  aquilo?  Oh,  ela  se  lembrava  muito  bem. 

Aqueles  pensamentos  voltavam  agora  para  atormentá-la;  aquelas  lembranças 
que ela tanto quisera sufocar, da idílica semana que passaram juntos na casa de 

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verão dos seus pais, nas colinas Gatineau ao norte de Ottawa. Dermid voara da 
Índia para encontrar-se com ela, como Ellen tinha pedido. Aquela semana fora 
de  encantamento  para  os  dois,  de  redescoberta  do  amor  de  um  pelo  outro, 
naquele chalé de madeira, no alto de uma colina, acima das águas tranqüilas de 
um lago. 

Tinha  sido  lá,  na  última  tarde,  enquanto  eles  se  amaram  entre  as 

almofadas, no tapete de pele de urso, em frente a uma lareira, que ele dissera 
a ela: 

—  Aconteça  o  que  acontecer  entre  nós,  já  vivemos  estes  momentos, 

Ellen. Esta semana foi perfeita. 

— O que pode nos afastar? — ela murmurou naquela preguiça sensual que 

a envolvia. 

—  Trabalho,  pessoas  —  ele  respondera.  Dermid  parara  de  falar  e  uma 

sombra parecia toldar sua expressão. — Sua mãe não gosta de mim... 

Ellen  sabia  que  sua  mãe  não  gostava  dele  e descobrira  o  motivo  poucos 

dias depois que ela voltara da Escócia para Ottawa. 

—  Por  que  você  e  papai  não  aprovaram  meu  casamento  com  Dermid?  — 

explodiu  ela,  não  sendo  mais  capaz  de  ignorar  a  frieza  com  que  eles, 
principalmente a mãe, recebiam qualquer alusão a Dermid. 

—  Nós  achamos  que  você  se  casou  muito  depressa  —  Janet  Lister 

respondeu vagarosamente, escolhendo bem as palavras. — E isto talvez porque 
ele a tivesse possuído antes. — As faces de Janet subitamente ruborizaram-se 
ao tocar num assunto tão delicado, que ela preferia ter evitado. 

— Você acredita que Dermid tenha me seduzido e por isso... — Ellen caiu 

na  risada  sem  acreditar  naquele  absurdo.  —  Oh,  mamãe,  você  sabe  que  não 
permitiria que me acontecesse uma coisa dessas. 

—  Algumas  vezes  até  as  mulheres  mais  sensatas  podem  ser  seduzidas, 

especialmente  quando  um  homem  experiente  e  atraente  se  dispõe  a  isso  — 
dissera Janet rigidamente. 

—  Então  você  acha  Dermid  atraente?  —  Ellen  se  apercebeu  disso 

imediatamente. 

—  Tão  atraente  quanto  aquele  diabo  de  cabelos  vermelhos,  Maxwell 

Craig, o pai dele, era. 

— Você conheceu Maxwell Craig? — Ellen perguntou. 
— Conheci sim. Ele se casou com minha prima Bárbara Rose. Eu fui uma 

das damas de honra do casamento deles; e quando penso como ele a tratou logo 
depois  porque  ela  não  podia  ter  filhos,  como  ele  transformou  a  vida  dela  num 
inferno, continuando a andar com aquela cigana... 

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— Você quer dizer a mãe de Dermid, não é? Seu nome é Kate Mackinnon 

agora e ela é casada com um fazendeiro. Não sabia que ela tinha sangue cigano. 

— Você se encontrou com ela? Então você sabe... — Janet interrompeu-

se hesitando em falar abertamente. 

—  Que  ele  nasceu  ilegitimamente?  Sim,  eu  sei.  Dermid  e  eu  não  temos 

segredos um para o outro — ela prosseguiu, orgulhosamente. 

— E penso  que  foi  uma  pena  sua prima Bárbara não ter tido bom senso 

suficiente para divorciar-se do pai de Dermid quando viu que não poderia ficar 
grávida. Então, ele teria se casado com Kate e Dermid não seria filho ilegítimo. 

— Oh, é fácil para você criticar Bárbara — Janet respondeu friamente. 

—  Espere  até  que  aconteça  com  você.  Espere  até  você  saber  o  que  é  ver  o 
homem que você jurou querer e amar correr para outra mulher e ainda sofrer a 
afronta  de  saber  que,  no  dia  em  que  ele  morreu  num  acidente  de  carro,  era 
para  a  outra  mulher  e  não  para  você  que  ele  corria.  Vai  pensar  de  uma  forma 
bem diferente. 

Mas  apesar  de  tudo,  Janet  e  Don  Lister  deram  boas-vindas  a  Dermid 

quando ele chegou a Ottawa. O casal fez de tudo para disfarçar a antipatia que 
sentiam  por  ele  e  se  ofereceram  para  ficar  com  Rowan  para  que  os  dois 
tivessem  uma  semana  de  férias.  E  então  Ellen  defendeu  sua  mãe  quando 
respondeu à insinuação de Dermid que ela não gostava dele. 

—  É  porque  ela  ainda  não  o  conhece  —  ela  respondeu  suavemente, 

sentando no tapete e encostando-se nele. — Mamãe pensa que você pode ser do 
tipo de seu pai. 

Ellen falou brincando mas  se surpreendeu quando as feições de Dermid 

se  endureceram  e  seus  olhos  se  apertaram  perigosamente  enquanto  a  atraía 
para si. 

—  Talvez  eu  me  torne  como  ele  se  você  não  me  amar  o  suficiente  — 

respondeu  roucamente  —  Seja  minha  agora,  Ellen  —  ele  exigiu  com  urgência, 
num sussurro. — Mostre-me que você me quer como eu a quero. 

Ellen  estava  pronta  para  ser  dominada,  sentindo  estranhas  sensações 

percorrendo  todo  seu  corpo,  enquanto  o  fogo  brilhava  lançando  luzes 
alaranjadas  sobre  seus  corpos.  Ela  demonstrou  então  o  quanto  o  amava, 
acrescentando outra dimensão ao ato amoroso que atingiu êxtases nunca antes 
conseguidos. 

No  dia  seguinte,  o  ato  de  amor  foi  rudemente  interrompido.  Um 

telegrama vindo da Escócia exigia o retorno imediato de Dermid ao trabalho e 
ele partiu deixando Ellen e Rowan em Ottawa. 

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— Volte quando você se sentir preparada para deixar seus pais — ele lhe 

disse.  —  Eu  reconheço  que  eles  devem  sentir  saudades  de  você,  pois  foi  o 
último  filhote  a  deixar  o  ninho.  Portanto  dedique-lhes  um  pouco  mais  do  seu 
tempo  e  do  seu  carinho.  Eu  me  ausentarei  novamente,  provavelmente  irei  a 
Chong Kong onde estamos instalando novo maquinário, por isso, volte no começo 
de  dezembro,  eu  voltarei  também  e  passaremos  nosso  primeiro  Natal  com 
Rowan. 

Ellen deveria ter ido com ele. Nunca deveria ter ficado em Ottawa, ela 

entendia  agora.  Mas  naquela  época  não  imaginara  que  quanto  mais  tempo  ela 
ficasse, mais difícil seria partir. Nunca poderia imaginar que o seu pai teria um 
enfarte  repentino,  que  morreria,  e  que  sua  mãe  se  agarraria  a  ela  com 
desespero, pois era a única filha a estar presente ao trágico acontecimento. 

Dermid  foi  maravilhoso  e  escreveu  a  ela  dizendo  para  ficar  com  a  mãe 

até que ela se sentisse mais segura. As semanas correram e de repente já era 
Natal. Foi impossível para Ellen deixar a mãe, e Dermid foi passar o Natal em 
Ottawa, 

Mas  não  foram  momentos  felizes,  Janet  demonstrou  o  ressentimento 

que  tinha  para  com  Dermid  desde  que  ele  chegou  e  no  Ano  Novo  Dermid  já 
estava de péssimo humor. 

—  Não  vou  ficar  mais  aqui  —  ele  disse  a  Ellen  quando  ficaram  uns 

minutos a sós. — Vou para a Escócia hoje. Você vem comigo? 

—  Dermid,  há  uma  coisa  que  estava  querendo  perguntar  para  você. 

Ofereceram-me um emprego aqui que eu gostaria de aceitar. 

— Que espécie de emprego? 
— É no estúdio local da tevê. Um dos produtores é vizinho de mamãe e 

ele me perguntou se eu gostaria de fazer umas entrevistas na programação da 
tarde.  Ele  acha  que  tenho  talento  para  isso.  —  A  voz  dela  elevou-se 
excitadamente enquanto lhe contava os detalhes. — E algo que eu gostaria de 
tentar e pode ser que eu nunca mais venha a ter uma oportunidade igual. 

— Você não encontraria alguma coisa semelhante para fazer na Escócia? 
—  Não,  eu  acho  que  não.  Quer  dizer,  eu  não  sou  escocesa,  sou?  Não 

tenho nenhum contato em tevê comercial por lá. 

— Sua mãe está por trás disso? — ele perguntou, com desconfiança. 
— Não, mas ela acha que é uma boa idéia. 
— Tenho certeza que sim — disse ele secamente. — E agora eu entendo 

aquela  conversinha  dela  comigo  a  respeito  de  como  as  mulheres  vivem  mais 
independentes hoje em dia; de como ela queria que você não tivesse casado sem 
ter  tido  uma  oportunidade  para  se  tornar  uma  mulher  independente.  —  Ele 

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lançou-lhe um olhar furioso. — Sua mãe gostaria de que nós nos separássemos, 
sabia disso? 

— Não gostaria não, tenho certeza que não! Ela sente um respeito muito 

grande  pelo  casamento.  E  eu  não  quero  me  separar.  Quero  continuar  casada 
com você. — Ellen foi para junto dele e o abraçou. — Eu o amo, Dermid, mas eu 
quero este emprego. Quero descobrir se sou capaz de executá-lo, provar a mim 
mesma que consigo ser mais do que esposa e mãe. 

— E Rowan? O que acontecerá com ele? 
— Ele ficará bem. Depois dos seis meses uma criança não necessita mais 

que sua mãe fique com ela o dia todo. Eu o deixarei com mamãe. Ela já disse que 
adorará  ficar  com  Rowan.  Também  posso  encontrar  alguém  que  cuide  dele 
enquanto estiver fora — ela apressou-se a acrescentar quando viu a decepção 
que  cobriu  o seu  rosto  quando  ela  mencionou  Janet. —  Oh,  você  não  entende, 
não é? 

Ela  suspirou  quando  ele  foi  para  a  sala  e  ficou  observando  da  janela  os 

flocos de neve caírem. 

— Estou tentando, Deus sabe como estou tentando entender. Você quer 

se ver livre de mim, não é isso que está querendo me dizer? 

— Só quero ter um trabalho, como você tem o seu. Você desempenha um 

trabalho de que gosta. Você parte e me deixa, portanto não vejo por que eu não 
possa fazer o mesmo. 

— Você já está cansada de estar casada comigo, não é? — ele perguntou 

voltando-se para fitá-la. 

—  Talvez,  Dermid.  Nós  podemos  traçar  um  plano.  Outros  casais 

conseguem  trabalhar  em  lugares  diferentes  e  ainda  assim  permanecerem 
casados. Você poderia vir ver Rowan e eu, quando puder, posso ir vê-lo quando... 

— Não! — A negativa pareceu urna bomba explodindo dentro dele. 
— Por que não?  
—  Eu  não  gosto  de  meias-medidas,  é  isto.  —  Houve  um  longo  silêncio  e 

quando ela já estava capitulando e ia dizer que voltava com ele para a Escócia, 
Dermid disse abruptamente: — Está bem, desempenhe seu trabalho. Fique aqui 
e consiga o emprego. Ficaremos separados um ano. 

— Separados? 
—  E  o  que  se  diz  quando  marido  e  mulher  não  moram  mais  juntos.  —  A 

voz  dele  estava  fria  e  voltando  ao  passado.  Ellen  reconheceu  que  foi  naquele 
momento que os sentimentos dele para com ela mudaram, — No final de um ano, 
no próximo Natal, nós vamos rever a situação. E a única maneira. Ellen. Eu saio 

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da sua vida por um ano e enquanto isso você ensaia seu vôo de liberdade, se isto 
a faz feliz.  

Dermid fez as malas e deixou a casa da mãe. E desde então, nunca mais 

ela o havia visto, até aquele dia. 

Vagarosamente Ellen virou a cabeça. Seu olhar dirigiu-se para as pernas 

longas  e  musculosas  de  Dermid,  que  modulavam  o  tweed  de  suas  calças.  Em 
seguida pousou os olhos em sua mão grande e bonita apoiada em um dos joelhos. 
Fixou-se em seguida no peito, coberto pela camisa de seda bege. Notou então 
que  a  linha  de  seu  maxilar  ainda  estava  firme,  mas,  na  verdade,  seu  rosto 
parecia muito fino, as maçãs do rosto um pouco cavadas e magras... 

Maldição!  Dermid  estava  olhando  para  ela,  com  os  olhos  semicerrados, 

ávidos  de  desejo  como  se  ele  quisesse...  Novamente  ela  olhou  para  o  lado 
oposto, forçando-se a se concentrar na paisagem. A estrada fazia uma curva e 
descia  em  direção  ao  mar.  A  frente,  um  grande  rochedo  sobressaía  contra  o 
azul  brilhante  do  céu.  As  ondas  quebravam  contra  as  rochas,  espirrando 
espuma branquinha para cima. 

— Estou com fome — anunciou Rowan de repente. — Eu “quelo” o almoço. 

Mamãe, eu “quelo” sanduíches de pasta de amendoim e geléia no almoço. 

—  Ellen,  por  que  você  não  fez  nada  para  corrigir  o  fato  de  Rowan 

pronunciar melhor as palavras? — falou Dermid em tom de crítica. 

— Já fiz. O psicólogo disse  que com  o tempo  ele  falará direito  e  que é 

melhor  a  gente  ignorar  quando  ele  falar  assim.  Ele  só  faz  isso  para  chamar 
atenção. 

— Um psicólogo? Você o levou a um psicólogo? 
Olhou-a como se ela tivesse cometido um crime. 
— Sim, num hospital infantil. Você sabe, Rowan tem apresentado alguns 

problemas de comportamento na escola maternal... 

—  Com  os  demônios,  o  que  vem  a  ser  uma  escola  maternal?  — 

interrompeu ele asperamente. 

—  Uma  escola  onde  as  mães  que  trabalham  podem  deixar  os  filhos 

pequenos durante o dia, onde as crianças são cuidadas de maneira especializada 
muito  melhor  do  que  se  fossem  cuidadas  em  casa,  por  empregadas.  Rowan 
adora ir para lá porque há outras crianças para ele brincar. 

—  Se  Rowan  gosta,  por  que  tem  problemas  de  comportamento?  — 

perguntou ele secamente. 

— Não sei. Por isso eu o levei ao psicólogo. 
— E ele disse o porquê? — os olhos escuros estavam menores agora. 

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—  Bem...  de  alguma  forma  sabe.  —  Ellen  não  queria  dizer  a  ele  que  o 

psicólogo  havia  dito  para  ela  parar  de  trabalhar  e  ficar  em  casa  com  Rowan, 
pois o filho precisava de mais atenção. E se possível acabar com a separação de 
modo que a criança pudesse conhecer e receber carinho e atenção também do 
pai.  Ainda  se  sentia  desconfortável  lembrando  das  criticas  e  da  humilhação 
daquela entrevista. 

— O que disse o psicólogo, Ellen? Eu tenho direito de saber. Rowan é tão 

meu quanto seu. 

—  Ninguém  poderia  acreditar  nisso,  considerando  o  tempo  que  esteve 

longe dele — respondeu ela, tendo a satisfação de vê-lo empalidecer. 

— Eu fiquei longe dele, como você me acusa. Várias vezes eu lhe escrevi 

pedindo  que  trouxesse  o  menino  para  me  ver.  Eu  gostaria  de  tê-lo  tirado  de 
você, queria que ele tivesse morado comigo uns tempos... 

— Para alguma outra mulher cuidar dele? 
— E quem está cuidando de Rowan em Ottawa? Não é outra mulher? 
—  Pelo  menos  eu  o  ponho  na  cama  todas  as  noites  e  passo  os  fins  de 

semana com ele. Você poderia fazer isto se ele vivesse com você? — A voz dela 
elevara-se. Rowan choramingou... 

—  Não  vou  discutir  o  assunto  aqui  —  ele  disse  suavemente,  —  E  muito 

menos enquanto você estiver em crise de histeria. 

— Então agora eu sou histérica, não é? — Ellen ferveu de raiva. — Então, 

onde você quer discutir o assunto? Na frente de um advogado ou diante de um 
juiz? 

Por um momento, eles permaneceram olhando um para o outro, por cima 

da  cabeça  da  criança.  Então  Rowan,  sentindo  o  problema,  pulou  no  joelho  de 
Ellen e pôs seus braços ao redor do pescoço da mãe. 

— Mamãe, não chore... 
—  Não,  não  chore  Ellen  —  Dermid  caçoou.  —  Eu  me  sinto  inclinado  a 

confortá-la também e nós dois sabemos o que acontecerá se eu fizer isto. 

Ellen lançou-lhe um olhar de desdém, mas ele já se virara e olhava pela 

janela. Naquele momento, o carro aproximava-se de Inchcullin, seguindo a linha 
da  praia  e  ela  já  podia  avistar  as  torres  da  casa  brilhando  ao  sol,  acima  dos 
pinheiros. 

Já  fora  da  estrada,  o  carro  dirigiu-se  a  um  caminho  todo  ladeado  por 

azaléias.  O  caminho  terminava  num  longo  pátio  em  frente da casa.  Construída 
em  granito  cinza,  com  três  andares,  a  casa  possuía  torres  suficientes  para 
fazer  dela  o  cenário  ideal  para  uma  estória  de  romance  gótico.  O  olhar  de 
Rowan percorreu-a toda. 

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— Esse é ó castelo? — perguntou ele. 
—  Sim,  é  o  castelo  —  respondeu  Dermid  enquanto  descia  do  carro. 

Voltando-se,  ele  deu  a  mão  a  Rowan  para  ajudá-la  a  descer  e  o  menino  pegou 
sem hesitação a mão do pai. 

— Você mora aqui? — ele perguntou olhando para o pai. 
— Não, mas meu avô morava, e eu vinha aqui quando era garoto. 
— Garoto como eu? — Rowan perguntou. 
—  Quase  como  você  —  Dermid  respondeu.  —  Eu  já  era  mais  velho  que 

você.  —  Sua  voz  tomou-se  um  murmúrio  enquanto  ele  caminhava  através  do 
pátio coberto de folhas, em direção à entrada lateral da casa. 

Eu  deveria  estar  contente  por  Rowan  aceitar  o  pai  com  tanta 

naturalidade,  pensou  enquanto  descia  do  carro  e  os  seguia.  Mas  que 
desconfiava  das  intenções  de  Dermid  desconfiava.  Ele  faria  o  máximo  para 
conquistar Rowan e se entrassem com pedido de divórcio, ele ia exigir a tutela 
da  criança.  Diria  o  juiz  que  ela  não  era  capaz  de  cuidar  de  Rowan  porque, 
vivendo  com  ela,  o  menino  tinha  adquirido  um  defeito  de  fala  e  o  hábito  de 
chupar o dedo. 

A  escada  apareceu  na  frente  dela  e  na  ânsia  de  alcançar  Rowan,  Ellen 

tropeçou  no  segundo  degrau,  bateu  o  joelho  na  quina  do  terceiro  e  gemeu 
enquanto  sentia  sua  meia  desfiar-se.  Deus,  que  dia  desastrado  aquele!  Seu 
costume  de  veludo  estava  em  péssimo  estado,  as  meias  desfiadas,  os  pés 
inchados,  seu  filho  prestes  a  ser  seduzido  pelo  pai.  Os  nervos  de  Ellen  quase 
estouravam cada vez que olhava para Dermid ou o surpreendia olhando para ela. 

Quando  Ellen  chegou  a  casa,  Bessie,  esposa  de  James  e  caseira  de 

Inchcullin, estava na porta segurando Rowan nos braços, dando os gritinhos de 
admiração enquanto ele fitava solenemente, piscando os cílios para ela. 

— Ah, que belo menino — Bessie dizia. — O senhor deve estar orgulhoso 

dele, sr. Craig. 

—  Sim  —  respondeu  Dermid  laconicamente  e,  passando  por  Bessie, 

desapareceu dentro de casa. 

Bessie dirigiu as boas-vindas a Ellen. 
— Entre, sra. Craig. Eu a levarei até seu quarto. Acho que a senhora vai 

querer tomar um banho e trocar de roupa antes da refeição. O garoto também 
parece que precisa de um bom banho. 

— Isso  será bom, Bessie. Haverá tempo?  Nós  nos demoramos  no  cais e 

James  temia  que  a  refeição  fosse  esfriar  demais  —  disse  Ellen,  enquanto 
entrava. 

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—  Não  Ligue  para  o  que  ele  fala  —  disse  Bessie.  —  James  pensava  na 

própria fome. A srta. Agnes disse que a refeição deveria estar pronta a uma e 
meia, portanto a senhora tem 40 minutos para se arrumar. 

A casa continua a  mesma, pensou Ellen  enquanto  seguia Bessie  pelo hall 

com  os  painéis  escuros  nos  quais  estavam  pendurados  quadros  a  óleo  dos 
antigos moradores. O forro era alto com desenho intrincado de flores e rosas, 
e o chão, no qual estendiam-se tapetes persas, armadilhas para quem andasse 
descuidadamente, estava brilhando. Ela precisava avisar Rowan a respeito dos 
tapetes ou ele passaria todo o tempo tropeçando neles, como ela. 

— Como está a srta. Craig? — ela perguntou a Bessie, enquanto subiam a 

larga escadaria. Bessie ainda segurava Rowan ao colo e julgando pela expressão 
do garoto ele estava adorando ser paparicado por Bessie. 

— Tão bem quanto as circunstâncias o permitem — Bessie respondeu. — 

Por  mais  que  estivesse  prevenida,  a  morte  do  pai  foi  um  grande  choque  para 
ela. Eles viveram juntos tanto tempo! 

— Ele era um cavalheiro maravilhoso — disse Ellen. Sob sua mão o largo. 

corrimão estava liso e escorregadio e ela lembrou-se de como escorregara nele 
há cinco anos atrás, seguindo Dermid que lhe mostrava como fazê-lo e no final 
caindo em seus braços abertos. Como ela era tola e infantil há cinco anos atrás! 
Mas era feliz, oh, muito feliz! 

— Ele era bondoso — Bessie suspirou acabando de subir a escada. O sol 

filtrava sua luz através dos vidros limpissimos da grande janela. 

— Eu me lembro do dia em que ele trouxe o sr. Dermid aqui pela primeira 

vez.  Não  muito  mais  velho  que  este  garoto,  mas  eu  acho  que  os  cabelos  dele 
eram  mais  escuros,  tinham  um  toque  de  marrom  mais  forte.  —  Este  é  o  meu 
neto, Bessie — o sr. Craig disse e olhou-me firmemente como se esperasse que 
eu dissesse  que  não  era. — Sim, senhor  — eu disse. — E  quanto tempo  ficará 
aqui?  —  E  ele  respondeu:  —  Quanto  tempo  a  mãe  dele  deixar  —  Ele  estava 
muito  pesaroso  pela  morte  do  sr.  Maxwell,  seu  filho  único,  e  foi  difícil 
encontrar a mãe do sr. Dermid e persuadi-la que deixasse trazer o menino para 
cá. 

Bessie chegou em frente a uma porta no primeiro andar e pôs Rowan no 

chão. 

—  Ele  está  pesado  —  ela  disse  ofegante.  —  Ou  então  eu  estou  ficando 

velha.  —  Ela  olhou  diretamente  para  Ellen  e  seus  olhos  azuis  demonstravam 
reprovação. — Eu estou pensando que o velho homem, gostaria de ter visto seu 
bisneto.  Foi  uma  pena  a  senhora  não  poder  vir  visitá-lo.  Mas  isso  agora  não 

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adianta  mais,  não  é?  As  famílias  sempre  acabam  se  espalhando  pelos  quatro 
cantos do mundo. 

Ela sabe, pensou Ellen. Ela sabe sobre mim e Dermid. Mordendo os lábios 

para tentar não chorar, numa reação à reprovação de Bessie, ela entrou com a 
mulher  no  quarto.  A  mobília  era  toda  de  mogno  no  estilo  vitoriano  e  a  cama 
muito larga parecia poder acomodar seis adultos confortavelmente. Um tapete 
indiano,  trabalhado  em  vermelho,  amarelo  e  azul,  cobria  o  assoalho  e  lindas 
cortinas pendiam das duas janelas compridas. 

— Eu os coloquei neste quarto porque tem uma vista muito bonita do lago 

e do mar — disse Bessie, encaminhando-se para uma porta. 

— Aqui é o quarto de vestir. — Ela abriu a porta e acenou para Ellen. — 

Eu acho que a criança pode dormir aqui. 

Ellen  seguiu-a  ao  quarto  de  vestir,  que  era  realmente  grande  como  um 

bom quarto de solteiro de uma casa moderna. Era mobiliado com um toucador, 
um  grande  guarda-roupa  e  um  divã  de  estilo  antigo  no  qual,  ela  imaginou, 
Dermid  já  dormira  uma  vez,  e  seu  pai  antes  dele  e  talvez  até  seu  avô.  Era 
espaçoso o bastante para Rowan, mas será que ele vai dormir ali?, pensou ela. 
Ele  já  dormia  numa  cama  pequena  há  um  ano.  Ela  olhou  para  Bessie. A  mulher 
estava  parada  observando-a  em  expectativa,  obviamente  esperando  que  ela 
fizesse algum gesto ou dissesse alguma coisa em aprovação. 

— Parece muito confortável, Bessie. Você teve bastante trabalho. 
—  Não  foi  trabalho  nenhum...  —  Bessie  começou,  mas  interrompeu-Se 

quando um grito estridente veio do quarto. — O que foi isso? 

— Rowan. — Virando-se, Ellen correu ao grande quarto e olhou ao redor. 

Não havia sinal de Rowan, mas seus gritos de “mamãe, mamãe”, e o barulho de 
sapatos batendo em madeira vinham do grande e ameaçador armário vitoriano 
que ocupava toda a extensão da parede do quarto. 

Ellen correu para ele, segurou a maçaneta da porta com espelho puxou-a 

fortemente, estendendo os braços bem em tempo de segurar Rowan, enquanto 
ele se atirava para fora. 

— Mamãe, mamãe, há um grande morcego lá dentro. Ele voou em cima de 

mim  e  tentou  me  morder  —  gritou  ele,  agarrando-a  com  o  dedos,  seus  olhos 
fechados de pavor, a cabeça apoiada nos ombros da mãe, o corpinho tremendo 
da cabeça aos pés. 

—  Não  era  um  morcego,  garoto  —  disse  Bessie,  rindo  gostosamente.  — 

Era este velho chapéu que pertenceu ao seu avô, o pai do seu pai. Eu acho que o 
esqueci  aí  quando  limpei  o  armário  e  tirei  tudo  que  havia  dentro  dele.  —  Ela 
estava segurando um velho chapéu de tweed com proteção para as orelhas. — 

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Olha garoto — ela acrescentou, estendendo o chapéu para mostrá-lo — foi isto 
que assustou você. 

Rowan  abriu  os  olhos  devagar,  olhou  o  chapéu  e  depois  olhou  para  os 

olhos brilhantes de Bessie. 

— Você tem certeza? — ele perguntou. 
— Sim, tenho. Não há morcegos  nem na casa nem no armário,  mas você 

deve tornar cuidado para não ficar mais fechado lá dentro, está bem? A porta 
se  fecha  facilmente  e  uma  vez  fechada  você  não  poderá  sair.  Agora  venha 
comigo ao banheiro. Vou lhe dar um banho enquanto sua mamãe procura roupas 
limpas  para  você  numa  dessas  malas  que  James  trouxe.  Nós  não  podemos  ir 
encontrar a srta. Agnes com chocolate no cabelo e no rosto, podemos? 

— Quem é a srta. Agnes? — Rowan perguntou, escorregando dos braços 

de Ellen, e com as feições novamente suaves. 

— Bem, ela é tia do seu pai, portanto sua tia-avó, e mora aqui nesta casa. 
— Isto não é casa, é castelo — corrigiu Rowan. — Mamãe me disse. 
—  Castelo,  então  —  respondeu  Bessie  pacientemente  segurando-o  pela 

mão e levando-o na direção da porta. 

—  A  srta.  Agnes  é  o  dragão?  —  perguntou  Rowan  e  Ellen  sorriu 

involuntariamente enquanto a porta se fechava. A gentil srta. Agnes com seus 
olhos sonhadores nada tem de dragão, pensou Ellen enquanto se dirigia para a 
mala que James trouxera e pusera sobre um suporte de madeira ao pé da cama. 

Havia  quatro  malas  não  três,  a  quarta,  de  couro,  e  com  etiquetas  de 

várias  companhias  aéreas.  A  mala  de  Dermid.  Ellen  olhou  ao  redor  do  quarto. 
Bessie  pensou  que  ela e Dermid iam  partilhar um  quarto, mesmo tendo  ouvido 
comentários a respeito do casamento deles. Ou  será que  o  erro tinha sido de 
James? Sim, talvez o engano fosse dele. 

Ellen  deu  de  ombros.  Deixaria  o  problema  para  mais  tarde.  Naquele 

momento  tinha  que  correr  para  que  Rowan  e  ela  ficassem  com  aparência 
apresentável. 

Abrindo  as  malas,  escolheu  um  macacão  azul-marinho  para  Rowan.  Para 

ela, escolheu uma saia de lã xadrez com cores de outono e uma blusa de lã com 
decote  em  V.  Ela  sabia  muito  bem  que  era  a  escolha  mais  apropriada  porque 
estava  frio.  Trocou  as  meias  também,  escolhendo  umas  mais  grossas  e  calçou 
mocassins de couro. 

Já vestida, escovou os cabelos na frente do toucador e colocou um lindo 

camafeu  no  pescoço.  Agora  ela  parecia  bem  melhor,  mais  controlada  e  havia 
uma  centelha  nos  seus  olhos  acinzentados  e  um  toque  rosado  em  suas  faces 

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normalmente  pálidas,  como  se...  como  se,  bem,  ela  tinha  que  aceitar,  como  se 
ela quisesse lutar por Dermid outra vez. 

 
Capítulo III 
 
A refeição foi servida, como sempre, na  grande  sala de jantar. Quando 

Ellen chegou lá com Rowan, Dermid já estava sentado numa das cabeceiras da 
mesa,  cuja  superfície  tinha  um  brilho  avermelhado  como  os  cabelos  dele. 
Dermid trocara de roupa. Ellen notou isso antes de virar-se para Agnes Craig, 
que estava sentada na outra ponta. 

Com  sua  face  estreita,  disforme  e  a  protuberância  no  ombro  direito. 

deformado no parto, mesmo assim Agnes Craig tinha uma aparência agradável. 
Mas  as  roupas  escuras  que  ela  usava  no  momento  não  ajudavam  a  amenizar  a 
tristeza  de  seus  olhos.  Ela  não  se  moveu  enquanto  Ellen  e  Rowan  se 
aproximavam, mas observava-os com um olhar que refletia mágoa. Quando eles 
pararam  do  lado  dela,  Agnes  olhou  para  Rowan  por  alguns  segundos  e  de 
repente sua face enrijeceu-se. 

—  Oh,  Ellen  —  sussurrou  ela  —,  você  deveria  tê-lo  trazido  aqui  antes... 

antes de papai morrer. Ele teria adorado Rowan. 

Um  sentimento de simpatia se despertou dentro de Ellen e se espalhou 

suavizando  a  atitude  defensiva  que  ela  tinha  adotado  desde  que  deixara  o 
avião.  Inclinando-se,  ela  pôs  seus  braços  ao  redor  do  corpo  fino  de  Agnes  e 
beijou-a na face. 

—  Eu  sinto  muito,  Agnes,  realmente  sinto  muito.  Eu  teria  vindo  antes, 

somente...  —  ela  se  interrompeu.  De  que  adiantaria  pedir  desculpas?  Por 
orgulho  ela  nunca  trouxera  Rowan  para  visitar  seus  parentes  escoceses.  Ela 
temia  que  Dermid  concluísse  que  ela  falhara  na  educação  do  filho  e  quisesse 
modificar  sua  vida  e  a  da  criança.  —  Nós  estamos  aqui  agora,  e  talvez  nossa 
presença  traga-lhe  um  pouco  de  conforto.  Rowan,  esta  é  sua  tia  Agnes, 
Cumprimente-a e beije sua mão. 

— Onde você guarda o dragão? — Rowan perguntou, olhando muito sério 

para Agnes enquanto estendia-lhe a mão. 

— No celeiro — Agnes respondeu e um brilho cintilou no fundo dos seus 

olhos. 

—  Mesmo?  —  perguntou  Rowan  com  os  olhos  brilhando  de  excitação.  — 

Posso vê-lo? 

—  Não  agora.  Você  entende,  vai  dormir  durante  todo  o  inverno  como 

todos os outros animais que vivem embaixo da terra — disse Agnes. E olhou na 

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direção de Dermid. — Ele tem o mesmo defeito de fala que você tinha, Dermid 
— ela acrescentou, enquanto Ellen conduzia Rowan para uma cadeira e ajudava-
o a sentar-se. 

— Foi o que pensei — respondeu Dermid. — E talvez pela mesma razão. 

Ellen,  talvez  a  língua  dele  seja  presa.  A  minha  também  era  até  que  o  doutor 
percebeu  o  fato.  É  uma  operaçãozinha  de  nada,  deve  ser  feita  em  crianças 
ainda novas. 

— Você também chupava o dedo? — ela perguntou a Dermid, suavemente, 

sentando-se em frente a Rowan. 

—  Não,  eu  espero  que  esse  vício  ele  tenha  herdado  de  você  —  Dermid 

respondeu com um levantar irônico do lábio. 

— Você pode deixar Ann dar uma olhadinha na língua do garoto, amanhã, 

se  quiser,  quando  ela  vier  aplicar-me  a  injeção  —  disse  Agnes,  sem  perceber 
nenhum atrito entre seu sobrinho e a esposa. 

— Ann? — Ellen perguntou, desdobrando o guardanapo e colocando-o no 

colo,  enquanto  Bessie  colocava  uma  tigela  de  sopa  na  sua  frente.  Era  o  velho 
caldo  escocês,  ela  notou,  grosso,  com  vegetais,  ervas  e  não  podia  deixar  de 
imaginar que Bessie só sabia fazer essa sopa. 

— Sim, dra. Ann Menteigh. Ela é filha de um amigo meu — Agnes disse. 

— Ela é a única médica de toda esta região. 

— Ann estava na balsa — Dermid contou. — Eu conversei um pouco com 

ela no cais. Como sempre estava preocupada com as crianças. 

—  Espero  que  ela  possa  vê-las.  Seus  filhos,  um  menino  e  uma  menina, 

estão num colégio interno — Agnes explicou a Ellen. — Ela é viúva, O marido era 
químico e morreu quando uma experiência em que ele trabalhava resultou numa 
explosão. 

—  Eu  não  quero  sopa  —  Rowan  resmungou.  —  Eu  quero  sanduíche  de 

geléia. 

— Coma! — Dermid ordenou. 
— Eu não gosto — disse Rowan. 
—  Como  você  sabe  que  não  gosta?  —  Dermid  perguntou.  —  Você  ainda 

não experimentou. 

— Não vou comer — Rowan murmurou. 
— Está bem, mas acho que no caminho você disse que estava com fome — 

Dermid argumentou 

— Dermid... — Ellen começou e ele dirigiu-lhe um olhar gelado. 
— Cale-se — ele falou, asperamente. Ellen sentiu uma onda de raiva por 

ele ter falado tão rudemente com ela diante de Agnes e da criança. 

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— Não, não me calo. Ele é apenas um garotinho. 
—  Se  você  ficasse  quieta  e  parasse  de  mimá-lo,  ele  comeria  a  sopa  e 

ficaria  contente.  O  que  você  tenta  fazer?  Compensar  as  horas  que  não  passa 
com  ele  sendo  superatenciosa  quando  está  a  seu  lado,  atendendo  todos  os 
caprichos dele? 

—  Dermid  está  certo,  você  sabe  —  disse  Agnes  calmamente.  —  Não  é 

bom para uma criança ser muito mimada. Ellen, você ficou bem de franja. 

A mão de Ellen foi involuntariamente para seus cabelos loiros, na altura 

dos  ombros.  Há cinco  anos,  ela  os tinha  bem  curtos,  quase  pela  nuca.  Dermid, 
certa vez, pedira que ela os deixasse crescer. 

— Há dois anos e meio uso este corte. 
— Mamãe, você não me escuta? Eu quero... — A voz de Rowan soou alta, 

mas  mesmo  assim  a  voz  de  Dermid,  profunda  e  autoritária,  impediu  que  o 
garoto continuasse. 

— Eu suponho que esse estilo combine com a imagem da entrevistadora 

feminista e liberal — ele disse. — A propósito, como está indo o emprego? 

— Muito bem, obrigada — respondeu ela, enquanto Bessie veio com uma 

bandeja e começou a recolher os pratos de sopa. Já estava pegando o de Rowan 
ainda cheio quando Dermid interveio bruscamente: 

—  “Deixe  aí”,  Bessie,  e  não  traga  mais  nada  para  ele,  enquanto  não 

terminar. 

— Pois não, senhor. — A face de Bessie parecia de pedra, não deixando 

transparecer  nada  do  que  ela  sentia  enquanto  se  virou  e  foi  buscar  o  prato 
seguinte. 

— Apenas  “bem”? —  disse Dermid, encostando a cabeça no  espaldar da 

cadeira e lançando um olhar maldoso para Ellen. 

— Como qualquer emprego tem seus altos e baixos. — Preciso conservar 

minha calma, pensou ela, colocando as  mãos nos joelhos. Não podia deixar que 
ele a dominasse com suas ironias. 

— Realmente? Como ele estava com raiva, como a curva sardônica de sua 

boca  se  acentuara!  Ela  era  fascinada  pelo  jeito  dele  sorrir  e  curvar  o  lábio 
superior. Ela adorava passar o dedo nessa curva. Meu Deus, o que ela ia fazer? 
Ela  queria  beijar  aquela  boca,  afastar  a  zombaria  com  suaves  movimentos  de 
seus lábios, tentar aquele homem até que ele a beijasse em vez de espicaçá-la. 

—  Eu  deveria  imaginar  que,  para  seu  ego  feminino,  seria  um  trabalho 

emocionante  encontrar  todas  essas  pessoas  excitantes,  entrevistar  políticos 
locais e celebridades, artistas e intelectuais, repartir a fama com eles. 

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— E isto ó que você faz, Ellen? Eu sempre imaginei... — A voz inocente de 

Agnes interrompeu o diálogo dos dois. — Eu acho que você deve aparecer muito 
bonita na televisão, querida. — A voz continuou, enquanto Bessie veio e colocou 
pratos  com  rosbife  e  batatas  na  frente  deles.  —  Eu  gosto  de  assistir 
programas  de  entrevista.  Eu  queria  que  seu  programa  passasse  aqui,  então  eu 
poderia  assisti-lo  e  dizer  a  todos  do  condado  para  assistirem  também.  Há 
alguma chance de ser exibido aqui? 

—  Não,  creio  que  não.  Só  vai  para  a  províncias  do  Canadá  —  Ellen 

respondeu gentilmente. 

— Mas você deve gostar desse trabalho se continua a fazê-lo — insistiu 

Agnes. — E como Dermid diz, deve ser excitante encontrar-se e conversar com 
celebridades. 

—  Nem  todas  as  pessoas  que  eu  entrevisto  são  celebridades.  Algumas 

são pessoas comuns que executam trabalhos simples, mas ao mesmo tempo dão 
alguma  contribuição  à  comunidade.  —  Ellen  respondeu.  —  Nem  todos  são 
políticos,  artistas  ou  intelectuais  —  ela  acrescentou,  devolvendo  um  olhar 
vingativo na direção de Dermid. 

— É muito importante para uma mulher ter outro interesse fora do lar, 

algo  que  não  tenha  nada  a  ver  com  crianças  e  marido  —  Agnes  continuou.  — 
Você não acha, Dermid? 

— Oh, muito. Passar o tempo tentando obter informações de alguém que 

não  quer  dá-las  em  frente  da  tevê  deve  ser  sempre  mais  gratificante  do  que 
ficar em casa o dia todo cuidando de um menino ou esperando o marido chegar 
do trabalho. 

Agnes  não  percebeu  a  inflexão  sarcástica,  mas  Ellen  sim.  Olhou  para 

Dermid e quando ele apenas sorriu para ela, teve  vontade de pegar  o copo de 
água e jogar no rosto do marido. 

—  Este  rosbife  está  delicioso,  tia  Agnes  —  Ellen  disse,  determinada  a 

dirigir a conversa para outros assuntos. 

—  Fico  feliz  por  você  gostar,  querida.  Talvez  o  garotinho  queira 

experimentar também, quando ele acabar a sopa. Ele come muito educadamente 
sozinho e é tão novo ainda. 

Ellen olhou rapidamente através da mesa. Para sua alegria Rowan estava 

tomando sopa devagar e com dificuldade porque a colher de prata era grande 
demais  para  sua  boca.  Só  um  pouquinho  escorrera  pelo  queixo  e  caíra  no 
guardanapo. 

De repente, Ellen se sentiu cansada, como que rendida ao inimigo. Rowan 

estava fazendo exatamente o que Dermid disse que faria: no entanto, durante 

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meses  ela  e  sua  mãe  tentaram persuadir  Rowan  a  comer  a  mesma  comida  que 
elas,  usando  promessas  e  castigos,  mas  tudo  em  vão.  E  agora,  depois  de  um 
período  tão  pequeno  com  seu  pai,  ele  obedecia  à  autoridade  calma  e  fria  que 
Dermid sabia muito bem exercer. 

A  colher  bateu  no  prato  vazio,  quando  Rowan  colocou-a  lá.  Olhou  para 

Ellen e pediu: 

— Quero mais. 
— Agora você vai comer carne e batatas — disse Dermid antes que Ellen 

abrisse a boca. 

—  Não!  Quero  mais  sopa.  —  Rowan  transferiu  toda  sua  agressividade 

para o pai. 

— Sinto muito, carne e batatas ou nada. Pense sobre isso e depois me dê 

a resposta. 

— Ele não entende — Ellen disse, tentando proteger Rowan. 
—  Oh,  sim,  ele  entende,  entende  muito  bem.  Ele  parece  bastante 

inteligente, eu garanto. Por isso leva vantagem sobre você. Ele faz o que quer 
com  você.  —  O  olhar  de  Dermid  dirigiu-se  a  ela  de  modo  sugestivamente 
sensual. — Quem dera eu também pudesse! — Dermid acrescentou suavemente 
e  ela  sentiu  novamente  uma  onda  de  desejo  tão  grande  que  por  alguns 
momentos  se  esqueceu  de  tudo  e  de  todos  na  sala,  menos  do  convite  que  os 
olhos escuros e brilhantes dele lhe faziam. 

Agnes  falou  novamente  e  Ellen  acordou  daquele  sonho  momentâneo, 

virando-se rapidamente para a outra, perguntando se ela estava percebendo o 
que se passava. Sua mão bateu desajeitadamente no cabo do garfo e este caiu. 
Com  um  murmúrio  de  desculpas  ela  se  inclinou  para  pegá-lo,  feliz  com  a 
oportunidade de esconder as faces vermelhas. 

Era  ridículo  sentir-se  assim  só  porque  um  homem  lhe  fizera  uma 

proposta. Na verdade fora o que Dermid fizera. Uma proposta. Ele a queria na 
cama, entregando-se a ele, submissa aos seus desejos físicos. 

Ellen  deveria  sempre  se  lembrar  que  uma  simples  atração  física  não 

significava  que  Dermid  a  amasse.  Deveria  lembrar  também  que  se  ela  não 
tivesse cedido aos desejos dele, mas sim aos seus próprios, não teria casado há 
cinco anos atrás. 

Agnes  estava  falando  novamente,  contando  a  ela  a  respeito  do  enterro 

de  Neil  Craig  e  das  pessoas  que  o  acompanharam.  Enquanto  ouvia,  Ellen 
observava  Rowan  comer  o  rosbife  e  as  batatas  que  Bessie  trouxera  para  ele. 
Ele  comia  com  grande  prazer  e  isso  a  irritava  porque  o  filho  sempre  tinha  se 
recusado a comer o que ela lhe servia. 

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Como  sobremesa  havia  pudim  de  laranja  com  creme.  Ellen  só  conseguiu 

comer  um  pouco  do  que  estava  em  seu  prato,  mas  Rowan  comeu  tudo  de  seu 
prato e até repetiu como se aquela fosse a última refeição de sua vida. 

Quando acabou, ele limpou a boca, não no guardanapo, mas nas costas da 

mão,  catou  o  guardanapo  que  caiu  no  chão  e  levantou-se.  Sem  hesitar,  correu 
para Dermid 

— Posso ir brincar agora? 
— Onde? 
— No pátio. 
— No jardim você quer dizer. Sim, claro! Pode ir. 
Ellen decidiu que era hora de intervir. O jardim era muito grande. Rowan 

poderia se perder pela floresta de pinheiros e não conseguiria voltar. Ou talvez 
fosse para a praia. Sua imaginação voava ligeiro, via-o já perdido ou afogado. 

—  Rowan,  acho  que  você  não  deve  ir  agora.  Espere  até  que  a  mamãe 

possa acompanhar você. 

— Por que não posso ir agora? 
—  Sim,  Ellen,  por  que  você  não  pode  ir  agora?  —  Agnes  perguntou, 

levantando-se. — Faria bem aos dois um pouco de ar fresco. 

— Mas eu pensei... — Ellen olhou para Dermid. Ele estava levantando-se. 

— O advogado não vinha esta tarde para ler o testamento? — perguntou ela, e 
apesar de já estar em pé, ele sentou-se outra vez, colhido pela surpresa. 

— De onde você tirou essa idéia? — ele perguntou com a boca curvando-

se ironicamente. — Você esqueceu que é domingo e que por aqui nada acontece 
aos domingos? 

— Quando ele virá então? Eu não tenho muito tempo, só uma semana. 
—  Eu  pensei  que  você  tivesse  tirado  férias  maiores  —  Dermid  disse, 

asperamente, os olhos estreitando-se. 

— Eu já tirei férias este ano. 
— Já? Então por que não trouxe Rowan para me ver? 
— Eu... eu... — Ela pensara em vir, ansiava por isso, mas ficara com medo 

de encontrar uma outra mulher com ele na casa em Kilruddock. — Você não me 
convidou. — Murmurou ela levantando-se. 

—  Ellen  —  Dermid  também  se  levantara  e  estava  rodeando  a  mesa  na 

direção  dela.  Ellen  moveu-se  rapidamente,  passou  pelas  cadeiras  vazias  de 
Agnes e de Rowan e dirigiu-se para a porta por onde Rowan e Agnes já tinham 
saído. Mas não chegou até lá pois Dermid a alcançou antes e estava em pé, na 
sua frente. 

— Eu sempre pedi para você trazê-lo aqui... 

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—  Trazê-lo  sim  —  ela  respondeu  —,  mas  você  não  me convidou  para  vir 

junto. Nunca me convidou... — A voz dela tremeu e Ellen o empurrou para sair 
da sala. Não havia sinal de Agnes e Rowan no hall, mas Bessie vinha vindo com a 
bandeja para retirar a louça da mesa. 

—  O  menino  saiu  com  a  srta.  Agnes  para  ver  onde  mora  o  dragão  — 

Bessie disse com um brilho nos olhos. 

—  Obrigada.  Eu  vou  levá-lo  para  dar  um  passeio.  Antes  vou  até  lá  em 

cima pegar agasalhos para nós — Ellen respondeu. 

— Ah ele precisa usar roupas mais quentes. Apesar do sol, o vento está 

frio. — Bessie comentou. 

No  seu  quarto,  Ellen  levou  algum  tempo  remexendo  nas  malas  e 

pendurando as roupas no guarda-roupa. Levou a mala de Rowan para o quarto de 
vestir  e  acomodou  as  roupas  do  garoto  no  gaveteiro.  Ela  trabalhou  rápida  e 
metodicamente  concentrando-se  no  que  estava  fazendo  para  conservar  o 
pensamento  longe  de  Dermid.  Quando  as  roupas  já  estavam  todas  guardadas, 
ela  fechou  as  malas  e  as  colocou  ao  lado  do  guarda-roupa.  Depois  pegou  uma 
jaqueta  branca  e  verde  que  trouxera  para  os  passeios  pelo  bosque  ou  pela 
praia,  vestiu-a  e  fechou  o  zíper.  Rowan  poderia  usar  sua  japona  de  náilon, 
ficaria aquecido o suficiente. 

Quando Ellen ia sair do quarto, resolveu pegar um lenço de cabeça para 

amarrar  o  cabelo  impedindo-o  de  voar.  Já  estava  fechando  a  gaveta,  quando 
ouviu a porta do quarto abrir-se. Pelo espelho, enxergou Dermid entrar, com o 
suéter na mão desabotoando a camisa. 

Ele  a  olhou  fixamente,  depois  trancou  a  porta  e  encostou-se  nela. 

Enquanto um olhava para o outro, o silêncio era tão grande que Ellen podia ouvir 
o barulho das ondas batendo nos rochedos lá na praia, e percebeu o vento que 
levantou a cortina de renda das janelas parcialmente abertas. 

— Ellen, há uma coisa que eu quero dizer a você. 
—  Há  uma  coisa  que  eu  quero  dizer  a  você  também  —  respondeu  ela 

rapidamente,  virando-se  para  encará-lo,  tomando  a  iniciativa,  enquanto  tinha 
chance,  —  Eu  não  vou  repartir  este  quarto,  enquanto  estiver  aqui.  Não  vou 
dormir naquela cama com você: 

Dermid colocou a blusa na poltrona forrada de cretone, depois continuou 

a desabotoar a camisa. 

— Este quarto é tão bom como qualquer outro na casa — disse atirando a 

camisa sobre o suéter. — E a cama parece bastante grande. Há muito espaço no 
quarto. Será como dormir em camas separadas Eu ficarei de um lado e você do 

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outro. Nada como ter o oceano entre nós. Naturalmente se você não se sentir a 
salvo poderá colocar uma porção de travesseiros no meio. 

— Dermid, pare com isso 
— Parar com o quê? 
—  De  ironizar,  de  fazer  piada.  A  situação  não  é  engraçada  e  eu  estou 

falando a sério. Eu não posso dormir naquela cama com você. 

—  Então  onde  você  vai  dormir?  —  ele  perguntou  mostrando  interesse 

casual. Nu da cintura para cima, ele se insinuava e Ellen. que resolvera não olhar 
para  o  marido,  não  pôde  evitar  de  lançar-lhe  um  olhar,  admirando  sua 
musculatura e o corpo ainda queimado pelo sol do verão. 

—  Você  deve  pedir  a  Bessie  para  arrumar  uma  cama  para  você  em 

qualquer  outro  quarto  —  disse  ela.  E  para  sua  crescente  irritação  faltava 
convicção em sua voz. 

— Oh, não! — De costas para ela, Dermid começou a desafivelar o cinto. 

—  E  você  que  não  quer  dormir  aqui,  portanto  peça  você  a  Bessie  para  lhe 
arrumar uma cama noutro quarto. 

— Mas  eu preciso  ficar e dormir perto de Rowan — ela argumentou, os 

olhos  seguindo  sem  vergonha  alguma  os  movimentos  dele  enquanto  as  calças 
caíam  e  ele  ficava  quase  nu.  Cobertas  de  pêlos  escuros,  suas  pernas  eram 
longas e musculosas e ela as olhava lembrando-se da paixão física e íntima que 
eles  já  tinham  desfrutado  outrora.  Foi  quando  ele  se  voltou  para  encará-la 
vestido somente com a reduzida cueca. 

— Bem, bem. — Sua voz era de puro escárnio. — Olhou bem? Satisfeita? 

Agradou você? Ou quer que eu me tire completamente? — Com os polegares ele 
puxava  o  elástico  da  cueca,  ameaçando  descê-la.  —  Alguns  segundos  mais  e 
talvez  você  mesma  queira  tirá-la  —  continuou  zombando.  —  Na  cama, 
certamente.  —  Ele  caminhou  até  ela  e  a  expressão  sensual  nos  seus  olhos 
hipnotizou-a, conservando-a grudada no chão. — Nós temos tempo, você sabe — 
disse  ele persuasivamente. — A tarde toda, na verdade  porque Rowan  já  está 
bem entretido por duas mulheres. Ele não precisa de você. Mas eu sim. — Ele 
deu  outro  passo  na  direção  dela  e  ficou  tão  próximo  que  Ellen  podia  sentir  o 
calor que emanava daquele corpo viril. 

Ainda  segurando  a  japona  de  Rowan  como  se  fosse  um  escudo  que  a 

protegia do ataque, os lábios entreabertos para respirar, a língua umedecendo 
os lábios secos, o peito arfando como se ansiasse o toque dos dedos dele, Ellen 
deu  um  passo  atrás,  incapaz  de  fugir  do  marido.  E  ele  se  aproximou,  a  pele 
morena  dos  seus  ombros  largos  brilhando  na  luz  do  poente  que  filtrava  pela 

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janela,  os  pêlos  do  peito  brilhando  tão  vermelhos  quanto  a  massa  de  cabelos 
que lhe caíam na testa. 

—  Dermid,  se...  se  você  ousar  me  forçar  a  fazer  isso,  estará  me 

violentando — ameaçou ela. Já com dificuldade de pronunciar aquelas palavras, 
porque seus lábios estavam secos e trêmulos. 

— Será? Eu duvido Ellen, duvido muito — disse ele, dirigindo-se para ela 

novamente, os passos suaves no carpete grosso. — Nós ainda estamos casados 
e... 

—  Mas  isto  não  lhe  dá  o  direito  de  me  forçar,  se  eu  não  o  quiser  — 

protestou ela desesperadamente, com  medo de  sua própria reação, caso  ele a 
tocasse. 

—  Você  tem  entrevistado  alguns  membros  de  movimentos  feministas 

ultimamente? Pois parece que está com as palavras delas na ponta da língua. 

— Não são apenas palavras, é a pura verdade. Eu não quero você. — Não 

foi  essa  a  impressão  que  eu  tive  quando  me  virei  e  vi  você  olhando  para  mim, 
agora  mesmo  —  falou  ele  suavemente,  dando  um  passo  para  perto  dela  e 
tirando a japona de suas mãos. Ele a jogou, não se importando onde caiu. 

—  Venha,  Ellen,  relaxe  um  pouco.  É  muito  natural  que  queiramos  ficar 

juntos depois de tanto tempo separados, talvez isso alivie as tensões e coloque 
as coisas em seus devidos lugares. 

— Não, não  posso,  não  quero. Oh,  você é  muito pretensioso  se  acredita 

que eu quero fazer amor com você, sabendo o que sei sobre você. E se ousar me 
tocar eu vou gritar. 

— Não, você não vai gritar. — Dermid estava rindo, realmente rindo para 

ela. — E mesmo que gritar, ninguém a escutará — continuou ele. — As paredes 
são grossas nessas casas antigas de pedra. — Ele deu mais um passo e segurou-
a pela cintura. — Mas você vai gritar, Ellen, porque vai, ter muito prazer. 

—  Eu  não  vou!  E  nada  do  que  você  fizer  me  fará  corresponder  —

assegurou, tentando se afastar da pressão da mão dele. 

—  Nada,  Ellen?  —  Os  olhos  de  Dermid,  cada  vez  mais  próximos, 

hipnotizaram e imobilizaram Ellen. — Nem mesmo isto? — ele perguntou. 

— Não, Dermid. — Sua negativa saiu num grito, mas num fraco sussurro 

que  foi  cortado  quando  os  lábios  dele,  frios  e  entreabertos,  encontraram  os 
dela num beijo bem suave. Não foi nada parecido com uma luta brutal como ela 
esperava, sua cabeça cheia das histórias que ela ouvia sobre homens forçando 
suas mulheres a submeterem-se a eles, pelo contrário; foi Ellen quem precisou 
manter  o  controle  para  não  dar  uma  resposta  imediata,  beijando-o 
ardorosamente. 

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Ellen  pôs  as  mãos  contra  o  peito  do  marido  para  empurrá-lo,  mas  ao 

tocar  aquela  pele  sensual  com  os  cabelos  crespos,  não  resistiu  e  seus  dedos 
subiram, alisaram os ombros de Dermid, procurando e tocando a parte sensível 
da nuca dele. 

— Oh, Ellen! — ele falou num suspiro e os lábios dela se abriram para o 

beijo. Sua jaqueta fora aberta e a mão dele estava deslizando sob seu suéter, 
os dedos fechando-se possessivamente nos seus seios, pressionando e virando 
os mamilos. Imediatamente pareceu que uma chama passou por ela, derretendo 
toda a  tensão  que  existia  nos  seus  nervos.  A  mente  e  o  corpo  se  fundiram  e, 
sucumbindo  a  deliciosa  sensualidade  que  vagarosamente  a  consumia,  ela 
encostou-se nele com um suspiro de prazer. 

No meio do quarto eles ficaram num abraço apertado, muito absorvidos 

no  êxtase  da  redescoberta  dos  apelos  físicos  de  um  pelo  outro,  que  não 
ouviram o barulho da porta quando foi aberta. 

—  Mamãe,  eu  quero  brincar  agora!  —  A  voz  de  Rowan  era  estridente  e 

insistente. — Mamãe, o que esse homem está fazendo com você? 

— Eu devia ter trancado essa droga de porta! — Soltando-a, ele virou-se 

para  responder  ao  filho,  justamente  quando  Agnes,  que  estava  no  umbral  da 
porta, respondeu à pergunta de Rowan: 

— Esse homem é seu pai, e ele está mostrando à mamãe quanto a ama — 

disse  Agnes  surpreendendo  Ellen  pela  calma  com  que  aceitou  a  situação, 
aparentemente não estranhando ver seu sobrinho vestido somente com a cueca. 

— Ninguém nunca lhe disse que é muito feio entrar num quarto em bater 

na porta antes? — A voz de Dermid era áspera. 

—  Você  vai  nadar?  —  perguntou  Rowan  inocentemente  e  Ellen  não  pode 

deixar  de  sorrir,  passando  a  mão  pelos  cabelos.  Dermid  deu-lhe  um  olhar 
exasperado embora com bom humor. — É por isso que você está com calção de 
banho? 

—  Não  fique  zangado  com  ele,  Dermid  —  Agnes  pediu.  —  Ele  chegou  à 

porta antes de mim, pois consegue subir a escada correndo e eu não. — Agnes 
pôs a mão no peito, que arfava, — Eu vim para dizer-lhe... — Ela se interrompeu 
para respirar, depois continuou: — Eu vim para dizer-lhe que o sr. Anderson, do 
estaleiro de Portcullin, está ao telefone e quer falar com você. 

— Obrigado. Descerei para falar com ele assim que me vestir — Dermid 

respondeu, dirigindo-se  para o lugar onde  estava a sua roupa. — Você deveria 
ter  mandado  Bessie  trazer-me  o  recado  —  ele  continuou.  —  Não  há 
necessidade alguma de você ficar subindo e descendo essas escadas. Você não 
vai fazer sua sesta? 

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—  Acho  que  vou.  —  Agnes  suspirou.  —  Eu  estava  tão  entretida  com  o 

garoto  que  nem  me  lembrei  de  descansar.  —  Ela  dirigiu  o  olhar  para  Ellen  e 
sorriu hesitantemente. — Você não se importa, não e, Ellen? 

— Claro que não, tia Agnes. A senhora vai descansar e nós nos veremos 

mais tarde, na hora do chá, esta bem? 

—  Sim,  na  hora  do  chá.  —  Agnes  sorriu,  parecendo  confortada.  —  Nós 

vamos  tomar  chá  no  estúdio,  em  frente  à lareira. Meu  pai  sempre  gostava  de 
tomá-lo lá nas tardes de domingo. 

Agnes se afastou e Ellen pegou a japona de Rowan do chão. 
—  O  que  há  de  errado  com  tia  Agnes?  —  ela  perguntou,  enquanto  se 

inclinava para vestir a japona em Rowan. 

—  Ela  tem  uma  válvula  doente  no  coração.  —  Dermid  respondeu  — 

Resultado de  uma  febre reumática  quando criança, segundo me disseram. Ann 
sugeriu cirurgia, mas as chances são de cinqüenta por cento. 

Ann. Como o uso casual desse nome a irritava! Como ela se lembrava da 

mulher da balsa. Ann, bonita,  quarentona  e procurando  por  um  homem. Agora, 
Ellen, não seja felina. Sendo felina por causa de outra mulher, vai demonstrar 
que está com ciúmes e isso significa que você... 

— Mamãe, eu a amo também — Rowan murmurou, e rodeou a nuca da mãe 

com seus bracinhos de modo que ela não pôde se levantar. Ela sentiu um cheiro 
forte. provavelmente de alguma fruta que Agnes dera a ele. Rowan a beijou no 
rosto. 

— E eu o amo também — ela murmurou, devolvendo o beijo, mas o filho 

não  estava  muito  interessado.  Com  o  canto  dos  olhos  ele  olhava  Dermid  se 
vestindo. 

— Você o ama? — ele perguntou apontando com o dedo para Dermid, que 

agora colocava um pulôver com decote em V. As roupas mais informais faziam 
com que ele parecesse mais familiar. Mais uma vez ele era o amante do campo, 
o aventureiro do mar, pelo qual ela se apaixonara há cinco anos atrás, o jovem e 
ardente marido que a trouxera àquela casa para encontrar seu avô, porque ele 
queria que ela amasse, tanto quanto ele, o lugar onde tinha crescido. — Mamãe, 
você ama o papai como me ama? 

Eu o amei uma vez, pensou, enquanto subia o zíper da japona de Rowan, 

mas ela procurou outra resposta para dar à criança;  

— Oh, você não tem idéia de quanto eu o amo! 
—  Esta  é  uma  pergunta  importante,  Rowan.  —  A  voz  de  Demid  era  de 

zombaria e ele se dirigia à porta. — E sua mãe é uma mulher que não gosta de 
deixar transparecer seus sentimentos. 

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— Bem — Ellen endireitou-se e fechou novamente o zíper da sua jaqueta, 

colocando  as  mãos  nos  bolsos  —,  você  me  deixa  nervosa,  Dermid  Craig, 
intrometendo-se numa conversa e respondendo a uma pergunta que foi dirigida 
a mim. 

— E tirando as palavras da sua boca? — falou ele, abrindo a porta para 

sair.  —  Mas  você  não  pode  responder  a  essa  pergunta  honestamente,  pode? 
Porque  respondê-la  seria  comprometer-se  de  uma  forma  ou  de  outra.  E 
comprometer-se com alguém, principalmente com um homem, é uma fraqueza a 
seus  olhos,  não  é?  Porque  você  passou  por  uma  lavagem  cerebral  que  a  fez 
acreditar que o amor de uma mulher por um homem ou o contrário é apenas uma 
fantasia de adolescente da  qual é precisa livrar-se para se tomar  uma pessoa 
madura, íntegra e independente. 

— Você... — ela começou. 
— Ellen, tome cuidado com sua linguagem, pense na criança — a reprovou, 

saindo,  sua  risada  ressoando  pelo  patamar  da  escada,  zombando  da  fúria  que 
repentinamente tomou conta dela. 

— Mamãe, mamãe! — Rowan a puxava. — Você ainda não me disse. Você 

ama aquele homem como você me ama? 

— Não, claro que não, — Ellen sibilou entre os dentes. 
— Vamos, vamos brincar no pátio. 
Respirando  profundamente,  num  esforço  para  controlar  sua  raiva,  Ellen 

deixou-se conduzir para fora do quarto, pelo patamar e pelas e escadas abaixo. 
Dirigindo-se  para  a  porta  da  frente,  ela  e  Rowan  iam  passando  pela  porta  do 
estúdio quando Dermid saiu de lá. 

—  Eu  vou  até  Portcullin  dirigindo  o  Rolls.  —  Ele  anunciou,  olhando  para 

Rowan. — Você gostaria de vir comigo, Rowan, para ver alguns barcos? Alguns 
barcos para navegar? — ele acrescentou suavemente, num tom bem persuasivo. 
— Há uma coisa que eu gostaria de mostrar a você... 

— Mamãe. — Na incerteza, a criança virou-se automaticamente para ela 

pedindo ajuda, para ver se receberia aprovação. Mas Ellen achou que ele estava 
inclinado  a  ir  com  o  novo  e  atraente  personagem,  que  em  poucas  horas  se 
tomara  uma  força  magnética  em  sua  vida,  empurrando-o  para  longe  dela  e  de 
tudo que conhecera até então. 

—  Nós  vamos  dar  um  passeio  pela  praia  para procurar  conchas  —  disse 

ela firmemente agarrando a mão de Rowan e virando-se em direção à porta. 

— Você poderá vir também, se quiser — Dermid disse, mas não soou tão 

encorajadoramente. Ele não está usando  seu  poder de persuasão para comigo, 
Ellen pensou com amargura. Deixou de fazer isso há três anos atrás. A menos 

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que ela levasse em conta o que se passara lá no quarto há tão pouco tempo. O 
sangue ferveu em suas veias quando se lembrou do que aconteceu, ou melhor do 
que  quase  aconteceu. Ellen quase cedera a ele. Se Rowan  não  tivesse chegado 
no  quarto,  se  alguém  não  tivesse  telefonado  para  ele,  a  essa  altura  eles  já 
teriam... Oh, eu não suporto pensar nisso! disse Ellen para si mesma. 

—  Não,  obrigada. —  Ela  respondeu  friamente,  refreando a  vontade  que 

tinha de ir com ele a Portcullin. Para que ir junto? Eles iriam brigar durante o 
trajeto  e  isto  não  seria  bom  para a  criança.  — Eu  acho  que  Rowan  deve  ficar 
comigo.  Ele  está  se  sentindo  perdido  aqui.  Tudo  é  tão  novo  para  ele  que  está 
confuso. 

—  Isto  significa  que  eu  sou  um  estranho  para  ele,  suponho.  —  voz  de 

Dermid era seca. — Provavelmente eu continuarei um estranho para ele se você 
conservá-lo longe de mim o tempo todo; posessívamente. 

— Eu não sou possessiva! 
— Não? — retrucou ele. — Então prove, deixando-o vir comigo, Você fica 

aqui e descansa. Parece que precisa de um descanso. — Seu olhar percorreu-a 
de cima a baixo. — Você parece gasta — continuou ele impiedosamente. — Está 
com bolsas nas pálpebras, que não deveria ter, e muito magra. O que você tem 
feito, Ellen, para ter se transformado no que é agora? 

—  Esses  comentários  são  fora  de  propósito  —  retrucou  Ellen 

defendendo-se  para  que  ele  não  percebesse  como  aqueles  comentários  sobre 
sua  aparência  a  perturbavam.  —  O  que  lhe  interessa  saber  como  eu  estou  ou 
como eu estou vivendo? 

—  Você  é  minha  esposa,  Ellen  —  ele  respondeu,  caminhando  para  perto 

dela, com o tom de voz mais suave. 

—  Você  diz  isso  porque  julga  que  o  fato  de  ser  sua  esposa  lhe  dá 

direitos, suponho. O direito de dizer e fazer o que quiser comigo, o direito de... 
tirar Rowan de mim! — Sua voz tremeu repentinamente, incontrolavelmente, e 
ela se voltou para a porta outra vez. — Bem, ele não vai! Eu não estou cansada e 
vou levá-lo para um passeio. Vá você e olhe sozinho os barcos! 

Ellen  atirou-se  de  encontro  à  porta,  puxando  Rowan,  consciente  de  que 

ele  estava  começando  a  choramingar.  A  maçaneta  da  porta  abriu-se  mais 
facilmente  do  que  ela  esperava.  O  vento  empurrou  a  porta,  abrindo-a.  Os 
tapetes  levantaram-se,  as  portas  começaram  a  bater.  De  repente,  tudo  ficou 
cheio de barulho e movimento. 

—  Feche  a  porta!  —  gritou  Dermid  e,  colocando  todo  o  peso  do  seu 

ombro  na  porta.  conseguiu  fechá-la.  Imediatamente  toda  a  casa  tornou-se 
silenciosa novamente. 

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—  Nós  nunca  abrimos  a  porta  com  o  vento  a  oeste  —  ele  falou  com 

irritação. — Você não se lembra da última vez que veio aqui? 

— Não. Eu fiquei aqui muito pouco tempo e isto foi há cinco anos! Como 

poderia lembrar-me? — ela perguntou, voltando-se para olhá-lo. 

—  Está  certo,  esqueça.  Eu  estou  percebendo  as  suas  intenções, 

claramente.  O  que  você  realmente  quer  dizer  é  que  não  quer  se  lembrar  de 
nada que fez comigo, não quer fazer mais nada e nem ir a lugar algum comigo, 
neste momento. Certo? 

— Não... eu... eu não sei. Você me deixa tão confusa! — ela queixou-se. 
— Sim? Isto agora é interessante. Então por certo você quer se ver livre 

de  minha  companhia,  quer  ficar  sozinha.  Vá  então,  vá  dar  o  seu  passeio.  Eu 
segurarei a porta para você passar, mas lembre-se de usar porta lateral quando 
voltar.  

— Dermid, eu... eu... 
—  Se  você  disser  que  sente  muito  eu  lhe  dou  um  tapa —  ele  disse  com 

raiva. E abriu a porta, cuidadosamente, somente a largura suficiente para ela e 
Rowan passarem. Assim que passaram a porta fechou-se. 

— Nós não vamos ver os barcos? 
— Não hoje, querido  — murmurou Ellen. — Um passeio nos  fará bem — 

ela acrescentou num tom de voz mais alto, tentando convencei a si mesma e a 
criança. A despeito do sol brilhando, estava realmente muito frio para se andar 
no passinho miúdo de Rowan. Era uma tarde para movimentos rápidos. 

— Não quero ir passear — Rowan choramingou. — Quero ir ver os barcos! 
Cerrando os dentes, Ellen conduziu-o pela estreita alameda onde a sebe 

de crisântemos ainda estava florida. Quando ela chegou a portão, entre os dois 
pilares de pedra, abriu-o e passou para a pista que separava o jardim da praia. 
Chorando e soluçando, tentando livra sua mão da dela, Rowan atravessou a pista 
para seguir uma outra trilha que descia em curvas por entre os rochedos, até a 
praia. Além da faixa de areia, a água do mar brilhava, cor-de-safira, e as ilha 
distantes eram formas cor-de-púrpura contra o céu azul, tingido de amarelo do 
sol que vagarosamente se punha no horizonte. 

—  Não  quero  ficar  aqui.  Quero  ir  com  o  homem!  —  gemeu  Rowan.  As 

lágrimas  rolavam  pelas  suas  faces  avermelhadas  por  causa  do  vento  frio  que 
vinha do mar. Libertando afinal sua mão da dela Rowan sentou-se abruptamente 
na grama molhada e chorou amargamente. 

Oh,  Deus,  o  que  ela  ia  fazer?  Com  uma  mão  no  bolso  da  jaqueta  Ellen 

passou  a  outra  pelos  olhos  quando  sentiu  que  lágrimas  de  frustração  e 
desapontamento  queriam  rolar  pelas  suas  faces  também.  Como  ela  se  sentia 

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cansada! Muito cansada! Então, por que concordara com a sugestão de Dermid? 
Por que não ficara na casa descansando seus pés inchados, enquanto ele levava 
Rowan  consigo.  Por  que  ela  não  deixara  Dermid  descobrir  como  era  o  filho 
quando estava de mau-humor? 

Insistir  em  conservar  a  criança  consigo  só  tinha  piorado  seu 

relacionamento com Dermid e, agora, com Rowan. 

Rapidamente,  num  impulso,  ela  se  inclinou  e  agarrando  a  mão  Rowan 

colocou-o em pé. 

— Venha então. — Ela o puxou. — Você pode ir com ele olhar barcos. Mas 

apresse-se, ele partirá logo. 

Fungando, Rowan  foi feliz com  ela, as  perninhas apressadas,  os pés  mal 

tocando o chão enquanto ela corria. Já estavam de volta ao portão do jardim, 
virando o canto da casa para entrar no pátio, quando ouviram o barulho do Rolls 
já  alcançando  a  estrada.  O  suave  ronronar  do  motor  parecia  uma  risada  de 
zombaria. 

Rowan soltou um gemido de desapontamento e Ellen também gemeu sem 

querer. Agachando-se em frente a ele, enquanto as folhas cor-de-bronze eram 
varridas pelo vento, Ellen pegou-o no colo. 

— Não chore, querido, por favor. Foi culpa minha. Eu deveria ter deixado 

você ir logo na primeira vez. Mas eu tenho medo dele, medo de que ele roube 
você  de  mim.  —  Percebendo  que  o  menino  não  podia  entender  o  que  ela  dizia, 
Ellen se calou, encostou sua face no rosto  molhado do  filho  e as lágrimas dos 
dois se misturaram. 

Como ele deveria estar confuso, tão confuso como ela própria, ainda não 

ajustado à mudança de lugar e clima; acima de tudo ainda não ajustado àquele 
homem prepotente. autoconfiante, personalíssimo que era o pai dele. 

—  Vou  ver  os  barcos  amanhã  —  Rowan  disse  afastando-se  dela  e 

olhando-a  com  os  olhos  preocupados  como  se  sentisse  que  ela  estava  tão 
aborrecida quanto ele. 

— Vamos passear agora... no bosque. 
— Não é na praia? — ela perguntou enxugando as lágrimas com as costas 

da  mão  e  sorrindo  porque  afinal  de  contas  ele  reagira  a  tão  profundo 
desapontamento 

— Não. 
Dessa  vez  foi  ele  que  pegou  a  mão  da  mãe,  conduzindo-a  através  do 

jardim atrás da casa, ao longo de um pátio forrado de folhas que estalavam sob 
seus  pés,  em  meio  a  arbustos  de  azáleas,  em  direção  ao  bosque  de  pinheiros, 

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cheiroso  de  resina,  e  onde  o  vento  assobiava  nos  ramos  e  um  regato  cantava 
alegremente correndo sobre os rochedos. 

 
Capítulo IV 
 
Mesmo  num  dia  de  vento  de  outono  o  bosque  estava  tranqüilo.  Ela 

lembrou-se  que  anos  atrás  também  estivera  ali  com  Dermid,  passeando,  de 
mãos dadas, parando a cada passo para um beijo, como um casal em lua-de-mel. 
Essas  lembranças  a  deixaram  magoada.  Dermid  tinha  razão.  Ela  não  queria  se 
lembrar  de  nada  que  fizera  com  ele,  porque  sentia-se  profundamente  ferida. 
Era ansiar dolorosamente por aquele tempo perdido quando tudo o que faziam 
juntos,  quando  o  olhar  de  Dermid  pareciam  carícias.  Ela  se  deixava  conduzir, 
nunca questionando nada, nunca duvidando de que, qualquer coisa que fizessem 
seria uma experiência cheia de alegria. 

E enquanto ela se deixou levar, eles foram felizes. Foi só quando ela quis 

seguir uma trilha diferente que a tensão os separou. Por que ele não foi capaz 
de aceitar o fato de que ela podia agir de maneira independente? Não, não fora 
assim. Ele aceitou o fato de ela querer trabalhar, disse que ela devia aceitar o 
emprego oferecido se isso a fizesse feliz. Mas ele não tentou descobrir se isto 
a fizera realmente feliz. Ele não se importou com seu destino. 

Numa  trilha  cheia  de  espinhos  de  pinheiros,  ela  caminhava  com  Rowan, 

parando ocasionalmente na margem do riacho e olhando a água clara para ver se 
havia alguma truta, outras vezes se abaixando para pegar algumas pinhas que ia 
pondo  nos  bolsos  para  jogar  na  lareira  na  hora  do  chá.  Durante  todo  o  tempo 
Ellen  não  parava  de  pensar  no  problema  do  seu  frustrado  casamento  com 
Dermid. 

Ele é quem insistira na separação. Quando ela disse que queria ser algo 

mais que sua parceira na cama, algo mais que sra. Dermid Craig, uma esposa ou 
mãe do seu filho, ele se afastou e permaneceu distante. Por que ele tinha feito 
aquilo?  Por  que nunca foi  visitá-la em Ottawa? Se  ele tivesse voltado no final 
daquele  primeiro  ano  de  separação,  como  ela  teria  ficado  feliz  ao  vê-lo!  Se 
Dermid  tivesse  afogado  seu  orgulho  e  pedido  que  ela  voltasse  com  ele  para  a 
Escócia,  ela  teria  ido  sem  hesitação.  Durante  aquele  ano  já  aprendera  que 
nenhuma realização profissional, qualquer que fosse, seria mais gratificante do 
que o relacionamento com o marido. Sem ele sua vida era vazia, tudo perdia o 
sentido. 

Mas ele não fora para Ottawa nem no Natal e nem para o Ano Novo como 

ela esperava. A prima de sua  mãe, Sheila  Moffatt,  que  já fora Sheila Rose,  é 

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quem  foi.  Viúva  aos  sessenta  anos,  ela  viajava  pelo  mundo  desde  a  morte  do 
marido, visitando os parentes e fora convidada por Janet para passar as festas 
em Ottawa. 

Como o filho de Sheila, Ian, também trabalhava como técnico têxtil para 

a  Craig  &  Rose,  Ellen  achou  que  teria  notícias  de  Dermid.  Mas  Sheila  só 
comentou  vagamente  que  Dermid  estivera  na  América  do  Sul,  ajudando  na 
instalação  de  uma  nova  filial  na  Colômbia  e  que  no  eu  retomo  à  Escócia  fora 
promovido  à  posição  de  diretor-assistente  o  departamento  de  tecnologia  da 
Craig & Rose. Sobre sua vida pessoal ou se mandara algum recado especial por 
Sheila, Ellen não ficou sabendo. Dermid só enviou um cartão postal a Ellen e um 
presente para Rowan. 

Depois  das  festas  Sheila  comentou  mais  coisas  sobre  Dermid,  mas  não 

foi  numa  conversa  direto  com  Ellen.  Um  dia,  como  fazia  sempre  depois  de 
voltar do trabalho, ela ficou com Rowan e depois foi levá-lo ara dormir. Quando 
voltava para a sala de estar, onde Sheila e sua mãe conversavam, ouviu o nome 
de Dermid ser mencionado. 

Imediatamente  encostou-se  na  parede  atrás  do  arco  que  conduzia  sala. 

fora da vista das duas mulheres, para escutar tudo. 

— Eu não entendo por que Neil Craig, o avô de Dermid, tomou o neto sob 

sua proteção, depois da morte de Maxwell — Sheila disse 

— Tenho a impressão de que as últimas palavras que Maxwell disse para 

o pai antes de morrer no hospital, depois do acidente provavelmente foram: — 
“Tome  conta  do  menino..,  do  menino  de  Kate,  ele  é  meu  filho”.  Você  pode 
imaginar quanto Bárbara fico mortificada ao ouvir aquilo? 

— Sim, claro — Janet concordou. — Neil Craig adotou Dermid para poder 

ser legalmente responsável por ele não foi? 

—  Sim,  e  você  pode  ver  que  sempre  tratou  bem  o  avô,  atento  qualquer 

oportunidade.  Ele  é  um  demônio  ambicioso,  não  há  dúvida  de  que  é.  Ian  ficou 
muito  desapontado  quando  Dermid  foi  promovido  a  diretor-assistente,  acima 
dele, pois Dermid é mais jovem do que meu filho. Acredite, querida, a mão de 
Neil Craig está nisso. 

— Eu não  ficaria  surpresa — Janet comentou —, apesar de sempre  ter 

achado  que  Dermid  se  dedicava  muito  ao  trabalho  inclusive  a  ponto  de 
negligenciar a esposa e filho por causa dessa dedicação. 

—  Oh,  eu  não  nego  que  ele  seja  competente  e  que  trabalhe  bastante. 

Mas  o  que  me  parece errado é  que  uma  pessoa de  moral  fraco  como  ele,  seja 
apontado  para  um  cargo  de  tamanha  responsabilidade,  enquanto  que  meu  Ian, 
um  rapaz  correto,  religioso  seja  passado  para  trás.  —  Houve  uma  pausa  e  um 

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ruído  como  se  Sheila  tivesse  mudado  de  posição  na  cadeira.  Depois  o  tom  da 
voz dela diminuiu. — Eu ainda não tinha contado nada para que Ellen não ficasse 
muito mortificada —  ela falou num sussurro —, mas o  jeito  como Dermid tem 
se  comportado  com  uma  das  datilógrafas  da  fábrica  está  provocando 
comentários maldosos. Todos falam sobre isso! 

— O que você quer dizer exatamente com isso? — pergunto Janet. 
—  Bem...  ela  mora  no  mesmo  bairro  que  ele  em  Kilruddock  e  Dermid 

costuma dar carona para ela pela manhã e à noite. 

— Mas isso não significa que tenham um caso — protestou Janet. — Ellen 

sempre  vai de carona para os  estúdios  com Walter Stewart, seu  patrão,  e  eu 
tenho certeza de que não existe nada de íntimo entre eles. 

—  Ah,  mas  Ellen  é  diferente  do  diabo  sobre  o  qual  estou  falando  — 

retrucou Sheila asperamente, ressentida por achar que Janet estava pensando 
que  ela  estava  sendo  exagerada.  —  A  datilógrafa  não  faz  nenhum  segredo  de 
que  há  alguma  coisa  entre  eles,  tem  contado  vantagens  no  banheiro  das 
mulheres  e  já  admitiu  que  dormiu  com  Dermid  várias  vezes.  Mas,  o  que  você 
pode esperar dele com o pai e a mãe que teve? Eu acho é que Ellen foi tola de 
casar com ele. 

— Ela era  muito  jovem na época — disse  Janet com  um suspiro. — Não 

acredito que soubesse bem o que estava fazendo. 

— E pena por causa do menino — continuou Sheila. — Eu sempre acho que 

são as crianças que sofrem mais quando os pais se separam. 

— Rowan não sofre muito. Ele nem conhece o pai — Janet respondeu. 
— Mesmo assim, eu digo... 
Ellen não quis ficar para ouvir mais nada e voltou correndo para o quarto, 

com  as  palavras  de  Sheila  martelando  na  cabeça:  “Uma  das  datilógrafas  da 
fábrica... E a garota já admitiu que dormiu com ele muitas vezes...” 

Depois  da  dor  inicial,  veio  a  desilusão,  como  um  câncer  corroendo  seu 

amor  por  Dermid.  Então  fora  por  causa  da  datilógrafa  que  ele  não  viera  para 
Ottawa para vê-la. Ele a abandonara como Maxwell Craig abandonara a esposa e 
fora  buscar  consolo  nos  braços  de outra  mulher. Por  isso,  nem  se  incomodara 
mais de escrever para ele. 

Mas  chegou  uma  carta  de  Dermid  antes  que  Sheila  fosse  embora.  Era 

uma  carta  fria  dizendo  que  ele  sentia  muito,  mas  que  com  as  novas 
responsabilidades não encontrara tempo para voar até Ottawa para visitá-la e 
ao filho. Ele perguntava sobre sua saúde e se ela estava gostando do emprego. 
Perguntava  por  Rowan  e  dizia  o  quanto  gostaria  de  vê-lo.  Sugeria  que  quando 
ela tivesse algum feriado fosse para a Escócia com Rowan, para deixá-lo ficar 

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lá por uns tempos. Contou ainda que comprara um pequeno iate e que gostaria, 
de passear pelas ilhas com o menino durante o verão. Não havia nenhum toque 
de  amor  na  carta,  nem  o  menor  apelo  para  que  ela  deixasse  o  emprego  e 
voltasse para morar com ele. 

Ellen  sabia  que  era  impossível  que  Dermid  tivesse  sido  fiel  durante 

aquele ano de separação, por isso respondeu-lhe friamente também. Escrevera 
que estava gostando muito do emprego e não tinha a menor intenção de deixá-
lo.  Contou  que  Rowan  estava  bem  e  feliz,  mas  não  poderia  levá-lo  à  Escócia. 
Conseguiu  deixar  claro  que  a  separação  estava  fazendo  muito  bem  a  ela  e 
muitos meses se passaram até que Ellen ouvisse falar do marido outra vez. 

—  Oh,  por  que  nenhum  dos  dois  admitira  que  o  amor  e  o  casamento  já 

tinham  acabado?  Por  que  ainda  tentar  se  apegar  às  recordações  de  um  sonho 
que já terminara’? Por que não admitir que eles haviam casado pensando que um 
relacionamento baseado simplesmente em atração física seria suficiente? Uma 
atração que terminara em menos de dois anos de casamento? 

Mas  terminara  realmente?  Deus,  não,  não  tinha  terminado!  As  mãos  de 

Ellen se crisparam nos bolsos e ela cerrou os dentes tentando controlar a onda 
de  desejo  que  mais  um  vez  tomou  conta  dela,  fazendo-a  tremer  com  a 
lembrança do  que acontecera há  pouco  no  quarto. Dermid ainda tinha  o poder 
de excitá-la, de fazer cada nervo do seu corpo vibrar, todos os seus sentidos 
se  alertarem.  Na  verdade,  ele  era  o  único  homem  que  ela  conhecia  capaz  de 
atrai-la  daquela  forma,  porque  no  trabalho  ela  encontrara  outros,  saíra  com 
eles,  mas  nenhum,  por  mais  simpático  ou  sensual  que  fosse,  tinha  o  poder  de 
excitá-la com um simples olhar como Dermid conseguia. 

— Mamãe, Mamãe! — Rowan a puxava e gritava para chamar atenção. Ele 

gritou  de  novo  e  agarrou  as  pernas  dela.  Olhando  para  baixo,  Ellen  viu  com 
surpresa  um  cachorro  farejando  por  perto,  abanando  o  rabo  alegremente. 
Levantando a cabeça, ele foi mais para perto de Rowan, lambendo seu braço de 
modo que a criança gritou novamente, embora Ellen não soubesse, se ele estava 
com medo ou achando engraçado. 

— Tigre, afaste-se! O garoto não quer que você lamba o braço dele. 
A voz era rude e tinha um forte sotaque escocês. O cachorro obedeceu, 

voltando  para  a  trilha  onde  um  homem  vinha  descendo.  Próximo  de  Ellen  e 
Rowan o homem parou. De estatura média, os cabelos pretos eram mais longos 
que o normal, cobrindo o colarinho da jaqueta de brim que ele usava sobre uma 
camisa de lã. As pernas musculosas estavam moldadas por calças jeans e havia 
um  ar  de  arrogância  naquele  homem  parado  com  uma  espingarda  dependurada 
ombros. 

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— Por que você carrega uma espingarda? — perguntou Rowan, afastando-

se de Ellen e olhando para o homem. 

— Porque tenho a esperança de caçar um ou dois faisões esta tarde. 
—  O  senhor  tem  permissão  para  caçar  nestes  bosques?  —  perguntou 

Ellen, pensando que provavelmente ele fosse um invasor. 

—  Sim,  tenho  permissão  do  próprio  dono  —  respondeu  ele  calmamente. 

Havia alguma coisa  familiar nos seus  olhos  pretos e na boca trigueira  — Você 
não se lembra de mim não é Ellen? 

Uma  outra  recordação  do  tempo  que  ela  passara  em  Inchcullin,  a  cinco 

anos  atrás,  veio-lhe  à  mente  para  juntar-se  as  memórias  dos  tempos 
partilhados  com  Dermid.  Foi  a  lembrança  da  visita  a  uma  casa  da  fazenda  ali 
perto.  Era  muito  branca,  situada  entre  suaves  colinas  e  rodeadas  por  campos 
dourados. Dermid a levará lá para encontrar sua mãe — Kate Mackinnon, como 
ela  passara  a  se  chamar  depois  do  seu  casamento  com  Hector  Mackinnon,  um 
fazendeiro, mais ou menos um ano depois da morte de Maxwell Craig. 

— Você é Ângus, não é? — ela exclamou. — Ângus Mackinnon. Como você 

está  diferente!  —  Nas  recordações  de  Ellen  ele  era  um  garoto  levado  de 
dezessete anos que gostava de atormentá-la. 

—  Você  também  —  respondeu  ele,  com  o  olhar  pousado  nela  com 

insolência —, e para melhor — ele acrescentou, insinuante. Seu olhar voltou-se 
para  Rowan  agora  calado  e  chupando  o  dedo.  —  Por  Deus,  Dermid  teria  um 
trabalhão  para  negar  que  essa  criança  não  é  dele,  não  teria?  Como  são 
parecidos! Como o garoto se chama? 

— Rowan, 
—  Ah,  Ah!  —  A  risada  zombeteira,  irritou-a.  O  homem  agachou-se  em 

frente ao menino num movimento rápido. — Alô, Rowan. Você sabe quem sou eu? 

Rowan negou com a cabeça e continuou a chupar o dedo enquanto olhava 

Ângus meio amedrontado. 

— Sou seu tio. — Ângus riu novamente. — Oh, eu mesmo quase não posso 

acreditar.  Sou  seu  meio-tio.  Seu  pai  e  eu  temos  a  mesma  mãe.  Você  pode  me 
chamar de  Ângus. Você  consegue pronunciar! — Rowan assentiu. — E este  é  o 
Tigre  —  acrescentou  Ângus  segurando  o  cachorro  pela  coleira.  —  Ele  não  vai 
morder  você.  E  novo  como  você  e  quando  lambe  só  quer  mostrar que  é  amigo. 
Dê-lhe um tapinha para mostrar que você é amigo dele também. 

Rowan  obedeceu  e  Ângus  levantou-se  vagarosamente,  seus  olhos 

rodeados de longos cílios pretos, fitando Ellen com aprovação curiosidade. Ellen 
sentiu-se levemente irritada. 

— Então você voltou — Ângus comentou. — Vai ficar muito tempo? 

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— O que você tem a ver com isso? 
—  Nada,  suponho,  mas  é  que  fiquei  surpreso  de  encontrá-la  aqui 

passeando neste bosque. A última vez que ouvi falar em você, estava amarrada 
num  emprego  na  tevê  e  não  tinha  tempo  de  vir  visitar  seus  parentes  aqui  na 
Escócia. 

A  ênfase  zombeteira  que  ele  pôs  na  palavra  parentes,  irritou-a  ainda 

mais. 

—  Você  está  indo  visitar  minha  mãe?  Você  vai  levar  seu  primeiro  neto 

para conhecê-lo? 

—  Não  —  ela  respondeu  asperamente.  Depois,  imaginando  que  ele  podia 

contar  a  Kate  Mackinnon  que  sua  nora  não  estava  disposta  a  ir  visitá-la, 
acrescentou  rapidamente:  —  Não  hoje.  Rowan  e  eu  estamos  apenas  dando  um 
passeio. Nós já estávamos voltando para tomar chá com tia Agnes. — Pegando a 
mão de Rowan ela virou as costas a Ângus e começou a descer a trilha. 

— Então eu caminharei um pouco mais com vocês. Dermid está em casa? 
— Não, no momento não. Ele foi a Portcullin. 
— Eu acho que ele foi ver Alec Anderson, o construtor de barcos, para 

ver como vai a construção do novo iate que Alec está fazendo para ele. 

— Dermid está mandando construir um novo iate? 
—  Você  não  sabia’?  —  Ângus  zombou.  — Eu  pensei  que ele  lhe  contasse 

tudo. 

— Não tivemos tempo suficiente para falar sobre tudo — ela defendeu-

se. — Rowan e eu chegamos hoje de manhã. Que espécie de iate é? 

—  Ah,  tem  mais  de  treze  metros.  O  preço  para  ele  não  importa,  agora 

que tem dinheiro. Mas você sabe tudo a respeito do dinheiro, não sabe, Ellen? 
Foi por isso que você mudou de idéia e veio para este lado do Atlântico, não é? 
E, provavelmente, veio logo que recebeu as notícias sobre o dinheiro, não é? 

— Que notícias? O que você está dizendo? — Ellen perguntou parando e 

olhando  para  ele.  Ele  também  parou  e  virou-se  para  olhá-la  com  a  maldade 
estampada. 

— Ah, venha cá, Ellen, não finja que você não sabe que Dermid herdou a 

maior  parte  da  fortuna  do  avô,  dele.  Não  foi  por  isso  que  você  veio  correndo 
atrás de seu marido, esperando receber algum dinheiro? Mas você perdeu seu 
tempo  se  quer  agarrá-lo  novamente.  Você  não  é  a  única  mulher  na  vida  de 
Dermid, sabe? Você já tem rivais e uma delas aqui mesmo em Portcullin. E acho 
que sei onde seu marido vai depois de ver Alec... 

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—  Você  tem  uma  língua  ferina,  Ângus  Mackinnon!  —  Ellen  acusou 

furiosamente. — O que você está tentando fazer? Criar problemas entre mim e 
Dermid? 

— Não é preciso, é? Já existem muitas dificuldades entre vocês. Dermid 

nunca  disse  nada,  mas  todos  nós  já  tiramos  nossas  conclusões.  Sabemos  que 
vocês  vivem  separados  e  seguem  seus  próprios  caminhos.  Assim,  não  será 
nenhum choque para ninguém, quando ele pedir o divórcio. Eu digo, de que serve 
uma mulher se ela não aquece a cama do homem e não prepara sua sopa quando 
ele volta para casa? A minha fará isso quando eu casar! 

— Oh! Eu sabia que você pensava assim. Mas nenhuma mulher vai querer 

se casar com você quando souber que ainda tem essas idéias antigas. Você está 
fora do tempo! 

— Mas me sinto bem assim. O que foi bom para meu pai, será bom para 

mim também. Eu nunca o vi reclamar da minha mãe nem querer viver longe dela. 
Nem  nunca  ouvi  minha  mãe  dizer  que  estivesse  cansada  de  ser  esposa  de  um 
fazendeiro. — Ele parou e empertigou-se, seus olhos se estreitando, a cabeça 
movendo-se  de  um  lado  para  outro.  —  Eu  a  verei  Ellen  —  ele  sussurrou  e 
movendo-se  silenciosamente.  Com  o  cachorro  nos  seus  calcanhares, 
desapareceu na floresta. 

— Para onde o homem foi? — Rowan perguntou. 
—  Caçar  —  Ellen  respondeu  brevemente,  virando-se  e  continuando  a 

descer a trilha. Poucos segundos mais tarde, um tiro ressoou pelo bosque. 

Durante  todo  o  trajeto  de  volta  as  palavras  de  Ângus  ressoaram  na 

cabeça de Ellen. Como é que ele sabia que Dermid herdara todo o dinheiro do 
avô, se o testamento ainda não fora lido? Ele deveria estar jogando verde para 
colher  maduro.  Ellen  supunha  que  todos  os  interessados  na  herança  estariam 
curiosos para saber quem seria o mais beneficiado pelo testamento de um dos 
homens mais ricos da região. 

Mas  o  que  realmente  a  perturbava  era  a  insinuação  maldosa  que  Ângus 

fizera,  dizendo  que  Dermid  queria  divorciar-se  dela.  Seria  sobre  isso  que 
Dermid queria conversar quando entrou naquela tarde? Ou seria esse o assunto 
que ele queria discutir, quando estava no Rolls, mas que interrompera dizendo 
que  ela  estava  muito  histérica  para  discutir  qualquer  coisa?  Eles  não  haviam 
discutido no quarto, por causa daquela cena perturbadora que ela não imaginava 
que ainda pudesse acontecer entre eles. 

E  contudo,  contudo...  Ellen  gelou  novamente  quando  se  lembrou  das 

palavras amargas que haviam dito um ao outro no hall. Eu entendi a mensagem, 
Dermid falara. Mas que mensagem? A mensagem que ela transmitira a ele pela 

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forma  como  se  comportara?  Ou  seria  pelas  palavras  amargas  ditas 
confusamente? Seria possível que Dermid tivesse entendido que ela não queria 
mais nada com ele? 

— Estou cansado, mamãe — Rowan suspirou. — Me carrega de cavalinho? 
Ellen  se  abaixou  e  ele  acomodou-se  nas  suas  costas  enlaçando  seu 

pescoço.  Colocando  as  mãos  sob  as  pernas  do  filho, ela  se  levantou.  Moveu-se 
desajeitadamente pelo pátio, sentindo a cabeça do filho pesando contra a dela. 
As  árvores  estavam  ficando  cinzentas  assombreadas  por  causa  do  sol  que  se 
punha. Através dela, Ellen enxergou as luzes acesas na casa. 

A  trilha  terminava  nos  arbustos,  entrando  no  pátio,  Ellen  viu  o  mar 

brilhando ao longe. O vento parara  e por entre  os ramos, a lua  cheia cintilava 
cor-de-laranja. 

Ellen lembrou-se de repente que era véspera do dia de todos os Santos e 

teve vontade de ser criança novamente para ir de casa em casa, no subúrbio de 
Ottawa,  onde  ela  crescera,  brincar  de  “enganar  e  vender”!  Talvez  no  próximo 
ano  Rowan  já  fosse  grande  o  suficiente  para  entrar  na  brincadeira  e  ela  o 
acompanharia.  Havia  tantas  brincadeiras  que  mãe  e  filho  poderiam  fazer...  A 
menos  que...  Oh,  não,  ela  não  deveria  permitir  que  isso  acontecesse.  Ela  não 
deveria permitir que Dermid pedisse o divórcio e exigisse a custódia de Rowan. 
Ela não poderia permitir que ele fosse tão cruel assim. 

Estava surpreendenternente quente dentro da casa e o fogo no estúdio 

crepitava  na  lareira.  Tia  Agnes  estava  lá  para  saudá-la  com  seu  suave  e  vago 
sorriso  e  por  um  instante,  enquanto  as  duas  bebiam  chá  quente  e  comiam 
bolinhos amanteigados com geléia de morango feita em casa, Ellen foi capaz de 
fingir que tudo estava bem. Que não havia nenhum desentendimento entre ela e 
Dermid, que logo ele voltaria de Portcullin para juntar-se a elas e contar tudo a 
respeito do seu iate novo. 

Depois da refeição, Ellen subiu com Rowan para que ele tomasse banho. 

Quando ele já estava de pijama, segurando seu ursinho, Ellen tentou convencê-
lo  a  deitar-se  no  divã  do  quarto  de  vestir.  Mas  ele  não  queria  e  insistiu  em 
dormir na cama grande que fora preparada no outro quarto para ela e Dermid. 
Então Ellen capitulou e colocou-o sob os lençóis e cobertores já aquecidos pelo 
cobertor  elétrico  que  Bessie  havia  providenciado.  Sentou-se  na  cama  para 
contar-lhe uma história e, em poucos minutos, ele adormeceu. 

Sem  saber  o  que  fazer  para  ocupar  o  tempo,  ela  se  perguntava  quando 

Dermid  retomaria,  tentando  não  pensar  naquilo  que  tanto  a  preocupava.  E  se 
Ângus falou a verdade e Dermid foi visitar outra mulher em Portcullin? Então, 
decidiu  trocar  de  roupa  para  estar  com  a  melhor  aparência  possível  caso 

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Dermid  voltasse.  Resolveu-se  por  uma  roupa  exótica.  Ainda  bem  que  decidi 
trazer  meu  robe  comprido  de  veludo  vermelho-escuro,  pensou  mais  tarde, 
olhando-se no espelho. De estilo, justo, decotado, com saia evasé, deixava-a de 
cintura fina e busto exuberante, a cor escura ressaltava sua pele clara e seus 
cabelos loiros ficavam mais brilhantes. 

—  Como  você  está  bonita,  querida  —  disse  Agnes,  quando  ela  voltou  ao 

estúdio. — Rowan já dormiu? 

— Sim. Ele praticamente desmaiou de sono. 
— Imagino! Hoje foi um dia cheio de emoções fortes para ele. 
— Dermid já voltou de Portcullin? — perguntou Ellen, afundando-se numa 

poltrona de couro do outro lado da lareira. 

—  Não.  Ele  telefonou  enquanto  você  estava  lá  em  cima  e  disse  que  não 

chegaria  antes  das  dez.  Disse  também  que  você  não  precisa  esperá-lo  se 
estiver Cansada. 

— Ele disse o que o atrasou? — Ellen tentou não deixar transparecer o 

desapontamento que sentia. 

— Não, mas ele nunca explica. Dermid sempre fez o que quis e de nada 

adianta  perguntar  por  que  ele  atrasa  —  Agnes  disse  com  um  suspiro.  —  Mas 
você  deveria  saber  disso,  querida.  Você  já  está  casada  com  ele..,  há  quatro 
anos? Tenho medo de que minha memória esteja ficando fraca. 

—  Não,  já  faz  mais  tempo  —,  Ellen  disse,  olhando  para  o  fogo.  —  Tia 

Agnes, a senhora tem alguma idéia do que está escrito no testamento de vovô 
Craig? 

— Claro, querida. Todos tem. 
— Todos? Mas como podem todos saber se ele ainda não foi lido? 
— Ainda não foi lido? — Agnes parecia divertida e preocupada ao mesmo 

tempo.  —  Mas  eu  tenho  certeza...  —  ela  começou,  depois  se  interrompeu  e 
começou  em tom confidencial: — Sim, eu  tenho certeza de  que ele foi lido na 
última terça, depois dos funerais. Meu pai deixou tudo para Dermid. As ações 
da Companhia, esta casa e todas as terras que possuía. 

— Mas ele não deixou nada para a senhora? 
—  Sim,  por  certo.  Eu  tenho  uma  anuidade  que  me  permitirá  viver  com 

muito  conforto  durante  anos  e  Dermid  só  ficará  com  a  casa  se  me  permitir 
morar aqui. Oh, e ele deixou muitos outros bens. Meu pai era muito generoso. 
Ele não se esqueceu de ninguém, nem mesmo do seu bisneto apesar de não tê-lo 
conhecido.  —  Os  olhos  de  Agnés  revelavam  tristeza  e  reprovação  quando 
olharam  para  Ellen.  —  Mas  foi  para  isso  que  vocês  veio,  não  foi,  para  ouvir  a 

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leitura  dessa  parte  do  testamento.  Papai  insistiu  em  que  você  e  a  criança 
deveriam estar aqui presentes antes que essa parte fosse lida. 

—  Sim,  mas...  —  Ellen  cerrou  os  lábios.  Ângus  não  mentira!  E  não  havia 

por  que  não  contar  a  Agnes  que  Dermid  não  lhe  dissera  nada  sobre  o 
testamento  do  avô.  Tudo  que  ela  sabia  sobre  o  assunto  era  o  que  estava 
relatado na carta que recebera do advogado, solicitando sua presença na casa 
no  dia  em  que  o  testamento  fosse  lido.  Ela  não  sabia  que  havia  uma  parte 
separada que dizia respeito somente a Rowan. 

Mas não fora lido naquela dia porque era domingo. Então, quando seria? 

Ellen  deveria  esperar  até  que  Dermid  voltasse  para  perguntar  a  ele.  Pela 
felicidade  de  Rowan.  Os  dois  precisavam  sentar  e  se  entender  calma  e 
friamente como duas pessoas civilizadas... Pela felicidade de Rowan, as palavras 
se repetiam como uma canção. Fora pela felicidade de Rowan que ela havia sido 
convidada  a  ir  até  aquele  lugar.  Precisava  se  lembrar  disso  sempre  que 
estivesse junto com Dermid. 

—  É  bom  ter  você  aqui.  —  A  doce  voz  de  Agnes  quebrou  aqueles 

pensamentos. — Você vai ficar muito tempo? 

—  Somente  até  saber  o  que  diz  o  testamento  com  relação  a  Rowan. 

Depois  eu  acho  que  vou  até  Ayr  ficar  alguns  dias  com  a  prima  de  minha  mãe, 
Sheila Moffat, e no próximo sábado vou voltar para o Canadá. 

—  Oh!  —  Agnes  expressou  seu  desapontamento.  —  Eu  pensei  que  você 

fosse ficar mais tempo. — Ela pareceu muito preocupada por alguns momentos, 
os  lábios  tremendo,  suas  mãos  finas  segurando  firmemente  o  robe  na  altura 
dos joelhos. — Ellen, eu não gosto de interferir na vida de ninguém... mas você 
acha prudente viver  assim tão longe de Dermid? — Ela suspirou de repente  e 
ergueu  os  ombros.  —  Eu  nunca  tive  namorado  —  confessou  com  um  sorriso 
nervoso —, portanto tenho muito pouca experiência nesses assuntos. Mas, meu 
pai sempre dizia que ele achava estranho o modo como você e Dermid vivem e 
não estava nada feliz com essa situação. 

— Não, provavelmente não estava mesmo... 
—  Meu  pai  sempre  foi  um  homem  correto  e  ficou  desapontado  com  o 

comportamento de meu irmão Maxwell. — Agnes se apressou como se estivesse 
com medo de se arrepender, agora que criara coragem de dizer o que pensava. 
— Quando Dermid casou com você, ele esperava que vocês e o menino ficassem 
juntos aqui. — A boca de Agnes começou a tremer e lágrimas caíram dos seus 
olhos.  —  Oh,  Ellen  —  ela  suspirou  —,  você  não  tem  idéia  de  como  os 
comentários  maldosos  sobre  os  possíveis  envolvimentos  amorosos  dele  com 
outras  mulheres  feriam  Dermid.  Ele  ignorou  aquele  boato  que  a  prima  de  sua 

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mãe espalhou a respeito da moça do escritório, mas quando o boato se espalhou 
por  aqui,  a  respeito  de  Dermid  e  da  dra.  Menteith  e  logo  em  seguida  sobre 
Dermid e a filha de Ann, Morag... — 

— Filha? A doutora tem filha com idade suficiente para... 
—  Morag  tem  dezessete.  E  ela  e  Ann  foram  com  Dermid  fazer  um 

cruzeiro  neste  último  verão  para  Skye  e  Stornoway  e...  bem,  todo  mundo  por 
aqui comentou. 

—  Claro,  sempre  comentam  —  falou  Ellen,  secamente.  Então  Ann 

Menteith  e  sua  filha  eram  as  rivais  que  Ângus  se  referira.  Bem,  tendo 
conhecido a bela Ann, Ellen sabia que não precisava temer a competição, mas à 
respeito da filha ela não tinha certeza. Um homem com a idade de Dermid pode 
muitas vezes se apaixonar por mocinhas saindo do internato... 

—  Você  acha  então  que  são  apenas  comentários?  —  perguntou  Agnes, 

esperançosamente.  —  Espero  que  você  esteja  certa,  Ellen.  Papai  achava  que 
eram  falsos  e  maldosos,  mas  sempre  culpava  você  por  isso.  Ele  achava  que  se 
você  morasse  aqui  com  seu  marido  ninguém  se  atreveria  a  fazer  tais 
comentários. 

—  Ele  alguma  vez  disse  a  Dermid  o  que  pensava,  a  respeito  dos 

comentários? 

— Sim. Foi a única vez que Dermid perdeu a paciência com o avô. Dermid 

ficou  muito zangado  e  ficou  sem nos  visitar várias  semanas. Coitado do  papai, 
ficou muito aborrecido. 

— E a dra. Menteith? Como ela reagiu às fofocas? 
— Não sei, querida, nunca perguntei a ela — Agnes falou afetadamente. 

—  Veja,  Ellen,  não  fica  bem  falar  sobre  coisas  como  essas  com  a  dra.  Ann. 
Quando  ela  vem  me  ver  só  tratamos  de  assuntos  relacionados  com  a  minha 
doença. 

— Onde ela mora? 
— Em Portcullin. Ellen, querida, você ficou pálida — Agnes comentou com 

ansiedade.  —  Eu  a  aborreci.  Não  deveria  ter  mencionado  sobre  esses 
comentários maldosos. Mas se... se papai estivesse vivo teria falado sobre isso 
com você. Ele gostava tanto de Dermid e... 

Naquele momento houve uma batida na porta do estúdio e Bessie entrou. 
— Acho que já é hora de ir descansar, srta. Agnes. O sr. Dermid avisou 

que  a  doutora  virá  amanhã  bem  cedo  para  vê-la.  E  a  srta.  quer  estar  em  boa 
forma, não quer? 

—  Está  bem,  Bessie,  já  vou.  —  Agnes  levantou-se  vagarosamente  da 

cadeira.  —  Você  não  se  importa,  Ellen  se  eu  subir?  Você  parece  cansada 

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também,  portanto  não  fique  aqui  muito  tempo.  Tenha  uma  boa  noite  de 
descanso  e  amanhã  você  se  sentirá  muito  melhor  para  enfrentar  essas 
dificuldades. 

Depois  de  desejar  boa  noite  para  Agnes,  beijando-a,  Ellen  afundou-se 

novamente  na  poltrona  olhando  o  fogo  e  ouvindo  as  vozes  das  duas  outras 
mulheres tomarem-se um sussurro enquanto se afastavam, 

Já  eram  nove  horas,  outra  hora  esperando  por  Dermid,  talvez  ele  nem 

viesse. O que estaria fazendo? Não era difícil imaginar depois do que ela ouvira 
sobre Ann Menteith. Nervosa, Ellen levantou-se e começou a passear pela sala. 

Como cheguei a esta posição humilhante? Ela se perguntava, esfregando 

as mãos e depois enlaçando-as e levando-as até o peito. Ali estava ela, sozinha 
e  esperando  seu  marido  voltar  para  casa,  provavelmente  depois  de  visitar  a 
amante.  Não,  ela  não  passaria  por  tal  humilhação.  Ela  não  permitiria.  Não  iria 
dar  o  gosto  a  Dermid  de  encontrá-la  esperando  por  ele,  quando  voltasse  da 
casa da amante. Iria dormir naquele mesmo instante, mesmo sendo muito cedo. 

Ellen deixara uma lâmpada acesa na cabeceira da cama, perto de Rowan. 

Entrando  no  quarto  viu  que  ele  dormia  profundamente,  com  os  cabelos 
brilhando  contra  o  travesseiro.  Ela  foi  ao  banheiro.  Quando  voltou,  tirou  o 
robe, jogou-o sobre uma cadeira, perto da cama, apagou a luz e deitou-se. 

Como  Dermid  tinha  comentado,  o  quarto  era  grande,  muito  grande, 

grande o bastante para eles três. Mas provavelmente ele não dormiria lá. Sua 
mala fora retirada e Ellen achava que ele tinha pedido a Bessie para preparar 
outro quarto para ele. A menos que... o pensamento cortou-a como uma faca... a 
menos que ele tenha levado a mala para Portcullin porque está com a intenção 
de não voltar esta noite, com a intenção de ficar com Ann Menteith. 

Pensando  em  Dermid  junto  com  Ann,  Ellen  sentiu  uma  pontada  no 

estômago. Não podia pensar nisso senão ficaria louca. Precisava manter a calma 
e dormir como uma criança, exatamente como Rowan, isto é, como se no tivesse 
nenhuma preocupação no mundo. Fechou os olhos e felizmente adormeceu. 

Somente  duas  horas  mais  tarde,  Ellen  despertou  com  o  som  de  duas 

vozes.  Uma  era  profunda  e  masculina,  falando  suavemente,  mesmo  que  fosse 
com  autoridade.  A  outra  era  a  voz  trêmula  de  uma  criança.  Ellen  dormira  tão 
profundamente  que  agora  tinha  dificuldade  em  manter  os  olhos  abertos. 
Finalmente viu uma luz brilhando pela fresta da porta do quarto. 

Instintivamente  virou  a  cabeça  no  travesseiro  e  tateou  à  procura  de 

Rowan.  Levou  um  susto.  Ele  não  estava  lá.  Alguém  o  raptara  enquanto  estava 
dormindo.  Semi-acordada,  Ellen  pulou  da  cama  e  correu  em  direção  à  porta 

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aberta  e  já  a  estava  alcançando  quando  a  luz  foi  apagada  e  o  quarto  ficou 
completamente às escuras. 

Incapaz  de  ver  qualquer  coisa,  porque  seus  olhos  ainda  não  tinham  se 

habituado à escuridão, estendeu os braços para frente e se moveu achando que 
encontraria a porta de saída do quarto, mas só encontrou a do quarto de vestir. 

Talvez  fosse  apenas  um  sonho  e  Rowan  estivesse  ao  lado  dela  na  cama. 

Sim, ela sonhou que alguém o tinha raptado. 

—  Ah  —  Seu  suspiro  de  pavor  foi  espontâneo quando  ela  tocou  numa  lã 

macia.  Foi  quando  ouviu  a  imprecação  predileta  de  Dermid,  que  tanto 
escandalizava sua mãe. 

— Com os diabos, Ellen, o que você está fazendo? Você me tira do sério. 
Suas mãos caíram ao longo do corpo e ela as esfregava nervosamente nos 

quadris. Agora percebia o luar que se filtrava por entre as cortinas de renda e 
iluminava a face de Dermid. 

—  Eu...  Eu  sonhei  que  alguém  tinha  raptado  Rowan  —  falou,  virando  as 

costas para ele. — Onde ele está? O que você fez com ele? 

—  Bem,  eu  não  o  raptei  —  Dermid  disse,  encaminhando-se  para  o 

gaveteiro, abrindo uma gaveta para ver o que havia dentro. — Apenas o coloquei 
no  divã  —  acrescentou,  fechando  a  primeira  e  abrindo  uma  segunda.  —  Tem 
idéia de onde está o meu pijama? — perguntou, acendendo a lâmpada. 

— Não, é claro, não,desmanchei sua mala. 
— Então foi Bessie, porque toda minha roupa de baixo está nesta gaveta. 

— Ele fechou aquela e abriu a terceira. — Maldição, onde está? 

—  Talvez  ainda  na  sua  mala.  Por  que  você  pôs  Rowan  no  divã?  Ele  não 

gosta. Não vai ficar muito tempo lá. 

— Não? — Para surpresa de Ellen, Dermid achou a mala. — Pois ele está 

lá e não reclamou. A calça não está aqui. Acho que esqueci de trazê-la. Fechou a 
mala, colocou-a onde a encontrara e voltou-se para Ellen: — Está certa de que 
foi ele quem não quis dormir lá? 

— Claro. Por isso eu o pus na cama junto comigo. 
— Eu pensei que você o tivesse colocado a seu lado para me impedir de 

dormir com você — explicou com um tom de ironia. 

— Mas... você vai dormir em outro quarto. Pelo menos foi o que eu pensei, 

porque  sua  mala  não  estava aqui... eu  não  a  tinha  visto  em  lugar  algum.  Pensei 
que  você  tivesse  pedido  a  Bessie  para  preparar  outro  quarto  para  você,  — 
Dermid  estava  tirando  o  suéter.  —  Pensei  que  você  tivesse  decidido  passar  a 
noite com sua amante. 

Dermid parou de desabotoar a camisa e lançou-lhe um olhar irônico: 

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—  Que  amante?  Você  é  minha  amante.  Você  é  a  “amante  de  Dermid 

Craig”, para usar o antigo título escocês de esposa. 

—  Oh,  pare  de  fingir,  Dermid  —  disse  ela.  Mas  sua  voz  quase  não  saiu 

porque ela começou a tremer incontrolavelmente e ele percebeu. 

— Volte para a cama. — Dermid ordenou. 
— Não. 
—  Ellen!  —  Ele  se  encaminhou  em  sua  direção.  Pensando  que  ele  fosse 

agarrá-la para colocá-la na cama. Ellen se virou rapidamente, e esbarrou no pé 
da  cama,  machucando  a  unha.  Cerrando  os  lábios  para  não  soltar  um  grito  de 
dor ela ficou num pé  só ao lado da cama, depois deitou sob as cobertas ainda 
quentes e cobriu a cabeça para não ver Dermid se despir. 

A  luz  se  apagou  e  ela  percebeu  que  ele  se  dirigia  para  o  outro  lado  da 

cama. 

— Para onde você vai? 
—  Para  a  cama,  é  claro!  Só  um homem  vai  repartir  esta  cama  com você 

esta noite: eu. Nosso filho encontrará uma mulher para dormir com ele quando 
crescer. 

Ellen  sentiu  frio  quando  ele  levantou  as  cobertas  e  se  deitou  do  outro 

lado.  Ele  se  ajeitou  por  alguns  segundos,  arrumou  o  travesseiro,  ajeitou-se 
novamente, deu uma espécie de suspiro e depois tudo ficou em silêncio. 

Ellen permaneceu tensa, com a proximidade daquele homem que a atiçava 

tanto! Ah, que saudades dos tempos em que faziam amor com tanta paixão. 

Ellen  não  podia  ficar  na  cama  sem  resistir  aos  apelos  daquele  corpo 

másculo tão próximo. Então era melhor levantar e procurar um outro lugar para 
dormir. 

— Onde você vai? — Dermid sentou-se na cama antes que ela pudesse se 

mover, segurando-a pelo braço. 

— Não posso dormir aqui com você. 
— Vai começar tudo de novo? 
—  Deixe-me  ir  —  insistiu  ela.  —  Não  posso  ficar  na  mesma  cama, 

sabendo que você esteve com aquela mulher esta noite. 

— Que mulher? 
— Você sabe bem que mulher! 
—  Eu  não  estive  com  mulher  alguma.  Por  que  eu  iria  encontrar  outra 

mulher  se  você  está  aqui,  onde  eu  quero  que  esteja,  na  minha  cama?  — 
murmurou  ele,  sua  mão  acariciando  o  ombro  de  Ellen,  seus  dedos  deslizando 
suavemente pelo seu corpo. Carinhosamente a perna dele movia-se sobre a dela. 
Dali a pouco ele a subjugaria totalmente! 

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—  Dermid,  pare  com  isso!  Oh,  o  que você  pensa  que  eu  sou?  Como  você 

pode me humilhar assim? 

— Humilhar você? — A voz soava incrédula e Dermid afastou a cabeça da 

dela  mas  não  lhe  deu  chance  de  fugir.  —  Por  Deus,  Ellen  isto  está  indo  longe 
demais! 

—  Oh!  Deixe-me  ir.  —  O  grito  acabou  de  repente  quando  a  boca  dele 

colou-se  na  dela  num  longo  beijo,  tão  arrebatador  e  selvagem  que  feriu  os 
lábios de Ellen, até que ela sentiu gosto de sangue na boca. Não mais gentil, os 
dedos arrancaram a camisola dos seus ombros e ela ouviu o ruído do pano que 
se  rasgava.  Então  os  dedos  de  Dermid  acariciaram  seus  mamilos,  enviando 
sensações  indescritíveis  ao  corpo  de  Ellen,  que  no  fundo  ansiava  por  aquele 
momento de prazer. 

Com  medo  da  paixão  que  ainda  sentia  por  ele,  Ellen  tentou  escapar. 

contorcendo-se  desesperadamente.  Mas  seus  movimentos  só  despertaram 
ainda  mais  o  fogo  da  paixão  que  tomava  conta  do  corpo  de  Dermid.  Ellen 
finalmente capitulou. 

Mas  nada  havia  de  carinhoso  naquele  reencontro,  para  Ellen  era  como 

estar numa batalha com um estranho, porque o Dermid com o qual ela se casara 
não  era  tão  bruto,  mas  ela  correspondia...  aumentando  seu  próprio  desejo.  O 
desejo aumentava para os dois que se arranhavam e beliscavam, mordiam e se 
beijavam numa volúpia desesperada. 

— Agora me acuse novamente de ter estado com outra mulher esta noite 

—  suspirou  Dermid  fracamente,  quando  tudo  terminou.  —  Você  acredita 
honestamente  que  eu  poderia  agir  com  você  como  agi,  se  tivesse  estado  com 
outra? Acredita, Ellen, acredita? 

—  Não  sei.  Já  não  o  conheço  mais.  Você  está  diferente  —  Ellen 

respondeu, pressionando seu corpo contra o dele. 

— Você também está mudada — disse ele suavemente. — Também depois 

de quase três anos. Mas não seremos estranhos por muito tempo mais... 

—  Dermid...  por  favor  —  suspirou  ela  e  cedendo  aos  seus  próprios 

desejos  Ellen  puxou-o  pelos  cabelos  e  ofereceu-lhe  os  lábios  com  ternura  e 
prazer. 

 
Capítulo V 
 
Ellen  acordou  sentindo  frio.  Sem  abrir  os  olhos,  procurou 

instintivamente  com  os  braços  e  pernas  o  calor  que  a  envolvera  a  noite  toda. 
Mas não havia ninguém na cama com ela. 

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Abriu os olhos e sentou-se. Os espelhos do toucador e do guarda-roupa 

refletiam a imagem de uma mulher nua, descabelada, as cobertas no chão. Ellen 
cobriu  a  face  com  as  mãos.  Sim,  foi  verdade,  pensou.  Depois  de  três  anos, 
alguém dormira com ela. Oh, sim, Dermid estivera com ela. O inchaço dos seus 
lábios não era imaginação nem as marcas em sua pele. As mãos escorregaram da 
face para o pescoço e os seios, e ela sorriu de satisfação. Ellen podia jurar que 
Dermid também estava todo arranhado. Havia sido um ato violento, complicado, 
caloroso... 

Ato?  Ela  estremeceu  repentinamente.  Mais  uma  vez  levou  as  mãos  à 

face,  enquanto  fitava  seu  reflexo  no  espelho,  vendo  seus  olhos  que  refletiam 
apreensão.  Como  fora  louca!  E  se  ficasse  grávida?  Como  ela  fora  tão  louca  a 
ponto  de  permitir  que  o  desejo  vencesse  a  razão’?  Como  pudera  se  entregar 
com tanto abandono e sem pensar nas possíveis conseqüências? 

Bem,  o  que  estava  feito,  estava  feito  e  se  tivesse  engravidado,  como 

resultado  daquela  noite  de  paixão,  daquela  relação  amor-ódio  com  Dermid,  o 
que iria fazer? Tudo dependeria de Dermid. Dependeria da decisão de querer o 
divórcio para casar com outra. Com Ann ou sua filha Morag... 

Ellen  sentiu-se  arrebatada  pelo  ciúme.  Levantou-se,  pegou  seu  robe  e 

colocou-o.  Calçou  seus  chinelos  e  olhou  para  o  relógio  sobre  a  mesa-de-
cabeceira.  Ficou  surpresa  quando  viu  as  horas.  Segurou  o  relógio,  balançou-o, 
certa de que havia engano. Não, eram dez horas e vinte e cinco minutos. Onde 
estaria Rowan? Por que ele não estava por ali? 

Tomada pelo medo do que pudesse ter acontecido a Rowan, correu até o 

quarto  de  vestir  com  toda  a  idéia  de  morte  por  asfixia  em  sua  mente.  Mas 
Rowan  já  era  grande  e  muito  saudável  para  morrer  daquela  maneira.  Por  que 
tinha pensado em tal barbaridade? 

Respirou aliviada quando viu que o divã estava vazio. O pijama de Rowan 

estava  no  chão  e  a  roupa  que  ele  usara  na  véspera  não  estava  mais  lá. 
Provavelmente ele já se levantara, se vestira e descera, à procura de alimento. 
Mas por que ele não a acordara? 

Ellen descobriu o porquê quando voltava para o quarto e percebeu que a 

roupa de Dermid também não estava lá. Dermid tinha acordado com o chamado 
de  Rowan,  tinha  vestido  e  levado  o  menino  para  baixo,  sem  acordá-la,  numa 
atitude deliberada que fazia parte do plano dele para afastá-la da criança. 

Ellen parou  no toucador  e  passou  um pente pelos cabelos, depois  vestiu 

calcinhas sob o robe. No caminho para a porta, ela pegou sua camisola e sentiu 
um arrepio, misto de pavor e deleite, percorrê-la quando se lembrou de como a 
camisola fora rasgada. 

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Enquanto descia, pensava no quanto Dermid tinha mudado. Ele não era o 

jovem pelo qual se apaixonara, o homem cheio de ternura e amor que sempre se 
mostrara gentil e meigo quando fazia amor. Agora ele era um homem de olhar 
duro, um diabo zombeteiro desejando apenas sua própria satisfação e prazer, 
não se importando com o que ela pudesse sentir, deixando-a com a sensação de 
ter sido usada. Mas, no fundo, Ellen sabia que também sentira prazer naquele 
ato. 

A sala estava vazia e fria, o estúdio também e na sala de jantar a mesa 

polida não estava posta para refeição. 

No hall, Ellen parou e ficou atenta, mas não ouviu barulho de vozes, nem 

altas nem baixas. Então ela foi em direção da cozinha, abriu a porta e entrou na 
atmosfera  quente  e  cheirosa  de  comida,  certa  de  que  encontraria  Rowan  lá. 
Bessie era a única pessoa presente, preparando massa para tortas. 

—  Ah,  levei  um  susto—  disse  Bessie.  —  Eu  pensei  que  a  senhora  ainda 

estivesse dormindo. 

—  Bessie,  onde  está  Rowan?  —  perguntou  Ellen,  interrompendo-a.  — 

Você o viu? 

—  Sim,  ele  foi  a  Auchinshaws  com  o  pai  —  Bessie  respondeu,  enquanto 

mexia  na  massa  da  torta.  —  Não  fique  preocupada  com  o  garoto.  Ele  comeu 
muito bem: mingau, ovos com bacon e tomou leite. 

—  Mas  ele  não  gosta  de  mingau...  —  Ellen  se  interrompeu  e  deu  de 

ombros. De que adiantava dizer que Rowan não gostava de mingau, se ele tinha 
comido?  Isto era a prova de que ele  gostava. Ou será  que não ousara recusar 
diante da autoridade do pai? 

—  Auchinshaws  é  a  fazenda  Mackinnon,  não  é?  —  Ellen  perguntou, 

andando ao redor da mesa com as mãos enfiadas nos bolsos do robe. 

— É. Ele foi ver a avó. — Bessie foi colocar as tortas no forno. 
— Eles foram no Rolls? 
— Acho que não. Para que iriam no Rolls? — Bessie perguntou indo até a 

pia para pôr água na chaleira. 

— É longe daqui? 
— Três ou quatro quilômetros pelo bosque e hoje está um dia bom para 

caminhar,  fresco,  se  bem  que  eu  ache  que  vai  chover  mais  tarde.  Por  que  a 
senhora  não  se  senta,  sra.  Craig?  Vou  preparar  seu  café.  Eu  ia  levá-lo  para  a 
senhora daqui a uma hora. 

—  Só  café  e  torradas  —  pediu  Ellen.  —  E  eu  mesma  preparo,  se  você 

estiver ocupada. 

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— A sra. não vai fazer nada — respondeu Bessie, com os olhos brilhando. 

—  Ninguém  vai  mexer  na  minha  cozinha.  Café  e  torradas  —  Seu  rosto 
demonstrou  desgosto.  —  Que  espécie  de  refeição  é  essa?  E  por  isso  que  a 
senhora  está  magra  como  um  palito.  A  senhora  vai  comer  mingau  e  ovos  com 
bacon como seu filho... 

—  Não,  não...  eu  não  posso.  Por  favor,  não  quero.  E  não  há  tempo.  Eu 

também tenho de ir  a Auchinshaws. A que horas  eles foram? Talvez  eu possa 
alcançá-los. E muito longe para Rowan ir caminhando e o pai dele não vai levar 
em consideração que ele é apenas um garotinho... 

—  O  menino  estará  muito  bem.  O  pai  saberá  cuidar  dele  —  garantiu 

Bessie. — Se  ele se  cansar, garanto  que o sr. Dermid vai levá-lo de cavalinho. 
Eles  já  saíram  há  uma  hora  e  é  melhor  não  ir  atrás  deles.  Devem  voltar  logo 
para o almoço... 

Mas  Ellen  não  esperou.  Saiu  pela  porta  da  cozinha  e  apressou-se  pelo 

hall. Precisava ir atrás de Rowan. Não ia permitir que Dermid o roubasse dela. E 
que  tal  encontrar  o  advogado?  Dermid  se  esquecera  de  que  ele  viera 
unicamente  para  ouvir  a  leitura  da  parte  do  testamento  que  dizia  respeito  a 
Rowan. Ela precisava encontrar aquela carta e lê-la novamente, mostrá-la para 
Dermid  quando  o  alcançasse  no  bosque,  perguntar  por  que  ele  não  lhe  dissera 
que a parte principal do testamento já fora lida e tantas outras coisas... 

Apressando-se  pela  escada.  Ellen  parou  porque  alguém  vinha  descendo. 

Uma  mulher  alta,  vestida  num  costume  de  tweed  e  com  os  cabelos  loiros 
brilhando na suave claridade do ambiente. 

—  Sra.  Craig.  Eu  sou  a  dra.  Menteith.  Estava  conversando  com  Dermid 

ontem no cais. — A voz era suave, mas os olhos azuis pousaram cinicamente no 
robe de Ellen, Não havia dúvida, a dra. Ann a considerava uma relaxada porque 
àquela hora ainda usava roupas de dormir. O que ela pensaria se soubesse que 
não  estava  usando  camisola  sob  o  robe?  E  se  ela  soubesse  o  que  tinha 
acontecido com aquela camisola? Ellen deixou-se enlevar pelas lembranças dos 
últimos  acontecimentos,  mas  rapidamente  correspondeu  aquele  olhar 
firmemente. 

— Sim, eu lembro — Ellen disse, friamente. 
— O seu garoto está por aqui? Eu gostaria de dar uma olhada na língua 

dele  —  disse  a  doutora.  —  Fui  informada  de  que  ele  pronuncia  mal  algumas 
sílabas e que talvez... 

—  Quem  lhe  disse?  —  perguntou  Ellen.  E  uma  suspeita  tomou  conta  de 

seus  pensamentos.  Será  que  afinal  de  contas  Dermid  estivera  mesmo  com 
aquela  mulher  na  noite  anterior?  Será  que ele  tinha  mentido  quando  afirmara 

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que não estivera com outra mulher? Dermid com aquela mulher fria, velha, de 
olhos azuis? Ellen não podia acreditar! 

— A srta. Craig me disse exatamente agora. A língua do pai dele também 

era presa quando ele era criança e talvez seja um problema hereditário. 

— Oh, sim, por certo. — Mas novamente a suspeita tomou conta de Ellen. 

Talvez Dermid estivesse interessado na filha daquela mulher. Será que Morag 
também  era  alta,  loira,  adorável  na  sua  adolescência,  como  um  botão  de  rosa 
esperando  para  ser  colhido? Dizem  que  as  adolescentes são  doces  e  por  essa 
razão é que homens mais velhos se apaixonam por elas. Ellen percebeu que Ann 
Menteith estava olhando para ela com ar divertido e mais uma vez teve que pôr 
em  ordem  seus  pensamentos.  —  Eu  acho  que  Rowan  não  está  agora.  Ele  saiu 
com...  com  meu  marido  —  ela  usou  a  palavra  marido  como  num  desafio.  Ann 
deveria  saber  que  ela  ainda  estava  casada  com  Dermid  e  ainda  o  considerava 
seu marido. 

— Foram ao jardim? Ou talvez na praia? 
— Não. Eles foram para Auchinshaws. E só voltarão à uma hora. 
— Então eu encontro com eles lá — Ann disse com um sorriso. — Estou 

indo  para  lá.  O  velho  sr.  Mackinnon  não  está  se  sentindo  muito  bem  hoje. 
Enquanto estiver lá eu examinarei a língua do garoto e conversarei com Dermid 
a respeito da saúde de sua tia. Sem dúvida, quando voltar, ele conversará com 
você  sobre  o  problema  do  garoto.  Bom  dia,  sra.  Craig.  Eu  sairei  pela  porta 
lateral. Conheço bem a casa. 

Ellen  estava  profundamente  irritada!  Que  tolice  contar  à  doutora  onde 

Dermid e Rowan estavam. Agora ela iria imediatamente a Auchinshaws. Correu 
para o quarto. Se tivesse bom senso teria pedido uma carona a doutora para ir 
também até a fazenda. 

Pegando  sua  frasqueira  no  quarto  de  vestir,  Ellen  correu  ao  banheiro, 

arrumou-se rapidamente e voltou ao quarto. Tirou o robe e vestiu uma camiseta 
de  algodão.  Tirou  do  guarda-roupa  calças  de  veludo  verde  e  vestiu-as.  Vestiu 
também  uma  blusa  verde  de  lã  e  calçou  tênis.  Caminharia  rapidamente  pelos 
bosques como fazia em Ottawa. O exercício lhe faria bem, iria acalmá-la, Calma 
era exatamente o que precisava para seu próximo confronto com Dermid. 

Quando  já  estava  pronta  penteou-se  novamente  e  maquilou-se  pondo 

mais batom do que de costume, para esconder os ferimentos nos lábios. Depois 
pegou sua bolsa, abriu-a e tirou o envelope com a carta do advogado. 

Leu a carta mais cuidadosamente do que quando a recebera e percebeu 

que  realmente  dera  pouca  atenção  a  algumas  palavras.  Ela  deveria  estar 
presente em Inchcullin na primeira semana após o dia trinta e um de outubro e 

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não precisamente no dia trinta e um de outubro como ela tinha entendido. Isso 
significava que Ellen poderia ter chegado em qualquer dia daquela semana e não 
precisamente no dia anterior. A carta continuava e dizia que sua presença era 
necessária,  de  acordo  com  o  desejo  de  Neil  Craig,  para  a  leitura  da  parte  do 
seu testamento relacionada com Rowan Maxwell Craig. 

Aliviada  por  ter  esclarecido  aquele  pequeno  mistério,  Ellen  estudou  o 

cabeçalho  da  carta.  Os  advogados  Scott,  Murray  e  MacCleggan  tinham  seus 
escritórios  em  Portcullin  e  a  carta  era  assinada  por  Wallace  Scott.  Talvez 
fosse uma boa idéia telefonar para o sr. Scott e dizer-lhe que já tinha chegado 
e  marcar  hora  para  vê-lo.  Sim,  era  isso  que  faria  enquanto  Dermid  estava  na 
fazenda.  Não  havia  necessidade  de  esperar  que  ele  tomasse  a  iniciativa.  Ela 
poderia resolver aquele assunto sozinha... pelo bem de Rowan. 

Em  poucos  minutos,  Ellen  estava  no  estúdio  com  a  lista  telefônica  nas 

mãos.  Encontrou  facilmente  o  número  dos  advogados  e  logo  falou  com  a 
secretária, que lhe informou numa voz suave que o sr. Scott teria muito prazer 
de falar com ela. 

—  Sr.  Scott,  aqui  é  Ellen  Craig.  O  senhor  me  escreveu  a  respeito  do 

testamento de Neil Craig e pediu a minha presença em Inchcullin qualquer dia 
desta semana. 

— Ah, sim, sim, sra. Craig. — Pelo tom de voz, Ellen o imaginou um homem 

gordo. — Fez boa viagem? 

Ellen  apertou  os  dentes,  forçando-se  a  ter  paciência  com  aquelas 

amenidades. 

—  Sim,  obrigada  —  disse  ela,  polidamente.  —  Sr.  Scott,  eu  não  tenho 

muito tempo e gostaria de encontrá-lo o mais rapidamente possível para ouvir a 
parte do testamento de Neil Craig que se refere a meu filho. 

—  Bem,  a  senhora  já  discutiu  o  assunto  com  seu  marido,  o  sr.  Dermid 

Craig? 

— Eu... eu... ainda não. 
—  Então  eu  acho  melhor  fazer  isso,  sra.  Craig,  e  que  depois  ambos 

venham  me  procurar.  Seu  marido poderá  falar-lhe  a  respeito  dos  detalhes  do 
testamento, pois tem uma cópia. 

— Mas na carta o senhor disse que minha presença era necessária para a 

leitura  dessa  parte  do  testamento  e  eu  pensei  que  o  senhor  fosse  ler  o 
testamento ou em Inchcullin ou em seu escritório. 

— Assim é. — O sr. Scott respirou profundamente. — Entretanto não fui 

eu  quem  redigiu  a  carta  e  acho  melhor  a  sra.  discutir  o  assunto  primeiro  com 

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seu  marido  e,  se  houver  alguma  dificuldade  legal  para  se  executar  o 
testamento, os dois que venham me procurar. 

— Mas... 
— Sinto muito, sra. Craig, mas preciso desligar. Há um outro cliente me 

esperando.  Não  se  esqueça,  venha  me  ver  com  seu  marido  se  houver  algum 
problema e faremos o possível para resolvê-lo. Bom dia para a senhora. 

Ellen não entendia por quê. Não fui eu quem redigiu a carta, ele dissera. 

Então  quem  redigira?  Quem  tinha  o  direito  de  ditar  uma  carta  e  enviá-la  em 
nome do advogado? Somente alguém intimamente relacionado com o andamento 
do testamento de Neil Craig e era fácil imaginar quem era essa pessoa. Dermid 
redigira aquela carta. Ele sabia o conteúdo do testamento a respeito de Rowan. 
Ele era um dos testamenteiros, portanto Ellen não podia fazer nada até falar 
com o marido. 

Então quanto mais cedo ela o encontrasse, melhor. Ellen saiu do estúdio. 

Em  vez  de  andar  até  Auchinshaws  resolveu  pedir  a  James  para  levá-la  até  lá 
com o Rolls. Dirigiu-se à cozinha. 

— Oh! Está aqui outra vez — Bessie disse. — Fiz café e bolinhos fritos 

para a senhora. Coma-os com geléia. Está tudo sobre a mesa. 

O cheiro do café e dos bolinhos fez bem a Ellen. Estava com muita fome, 

por isso sentou-se no canto da mesa que Bessie arrumara para ela e pegou um 
bolinho da cesta. 

— Agora sim, está  sendo sensata — disse  Bessie, com ar de aprovação, 

aproximando-se com o bule e despejando café na xícara. 

—  Se  eu  tivesse  deixado  a  senhora  sair  sem  comer  nada  o  sr.  Dermid 

ficaria  furioso  comigo.  Prepare  um  bom  café  da  manhã  para  a  sra.  Craig,  ele 
pediu,  e  leve-o  lá para  cima.  Ele  já  não  vai  gostar  de  a  sra.  não  ter  tomado  o 
café na cama. — Bessie sentou-se e serviu-se também de café e lançou a Ellen 
um olhar penetrante. — A sra. não poderia ter agido de forma pior. 

— Como?! O que você quer dizer? 
—  Agiu  mal  com  seu  marido.  Não  é  qualquer  homem  que  deixaria  sua 

mulher  ter  um  emprego  tão  longe  do  lar.  Considere-se  feliz  por  ele  não  ter 
pedido o divórcio. 

— Isto não é de sua conta — Ellen falou e levantou-se. 
—  Não,  não  é,  mas  eu  nunca  fui  capaz  de  guardar  o  que  Sinto  —  disse 

Bessie honestamente. 

— James está? — Ellen perguntou friamente. 
— O que a senhora quer com ele? 
— Que ele me leve a Auchinshaws. 

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— A senhora está sem sorte. Ele foi a Portcullin trocar o óleo do carro e 

só  voltará  à  tarde.  Mas  não  há  necessidade  de  a  senhora  ir  à  fazenda,  o  sr. 
Dermid voltará logo... 

— Bessie, quando eu quiser seu conselho eu o peço. Obrigada pelo café e 

pelos  bolinhos.  Estavam  deliciosos.  E  agora  vou  caminhar  até  Auchinshaws. 
Certo? 

— Faça o que quiser — disse Bessie, dando de ombros —, mas não vá se 

perder, sim? Cuidado! 

Como  ela  poderia  se  perder  naqueles  bosques?  Ellen  se  perguntava 

enquanto  se  dirigia  para  a  trilha  por  entre  as  árvores.  Aqueles  bosques  eram 
espessos como os do Canadá. Tudo o que ela tinha a fazer era seguir a trilha e 
mais  cedo  ou  mais  tarde  sairia  do  outro  lado  da  floresta.  Olharia  o  vale  e 
encontraria a fazenda. 

O ar  estava  úmido e  parado com jeito de  que ia chover. Nada  se  movia 

entre  as  árvores.  Ellen  sentia  o  cheiro  da  vegetação  e  o  silêncio  parecia 
palpável, pesado e intenso que estava. Não havia aves cantando e até o riacho 
estava silencioso. 

Depois  de  uma  caminhada,  a  trilha  se  estreitava  e  a  descida  ficou 

íngreme. Pontas de rocha apareciam por  entre a  vegetação  e  folhas caídas no 
chão faziam Ellen escorregar pelo caminho. Então ela continuou mais devagar e 
cuidadosamente,  pensando  no  que  diria  a  Dermid  quando  o  encontrasse, 
percebendo que a chuva começara, mas feliz por ter a proteção das copas das 
árvores. 

A trilha se alargou novamente, desembocando numa clareira. Ellen parou 

e  olhou  ao  redor  ouvindo  o  barulho  da  chuva.  Havia  duas  trilhas  saindo  da 
clareira.  Qual  ia  a  Auchinshaws?  Sua  mente  fazia  um  esforço  tremendo  para 
lembrar  qual  das  duas  ela  seguira  com  Dermid  há  cinco  anos  atrás.  Mas  não 
conseguiu lembrar-se. 

Olhou  para  o  relógio.  Já  era  meio-dia  e  quinze.  Se  Dermid  tencionasse 

estar de  volta a  Inchcullin à  uma, ele já deveria  estar  saindo da casa da  mãe 
dele.  Coitado  de  Rowan!  Como  suas  perninhas  deviam  estar  doloridas  por  ter 
percorrido todo aquele caminho só para ir e depois outra vez para voltar, sem 
muito descanso entre a ida e a volta! 

Voltaria  para  Inchcullin  ou  escolheria  uma  das  duas  trilhas  e  iria  ao 

encontro deles? Ela decidiu ir e escolheu a trilha da direita porque achou que a 
outra ia em direção ao mar. Ellen enfiou as mãos nos bolsos e seguiu em frente. 

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Já  tinha  caminhado  por  uns  quinze  minutos,  quando  notou  que  a  trilha 

começava a descer. Avistou Dermid dobrando uma curva e caminhando em sua 
direção. 

— Ei — chamou —, onde está Rowan? 
Dermid parecia surpreso e em poucos segundos estava a seu lado. A água 

da chuva escorria dos seus cabelos e sua malha estava encharcada. 

— O que você está fazendo aqui nesse aguaceiro? 
— Indo a Auchinshaws para pegar Rowan. Onde ele está? 
— Ele vai passar o resto do dia com minha mãe. 
— Você não tinha esse direito. 
Dermid  a  puxou  para  perto  e  disse  com  um  tom  de  voz  suave,  mas 

ameaçador: 

—  Eu  tenho  tanto  direito  de  deixá-lo  com  minha  mãe  quanto  você  de 

deixá-lo com a  sua,  e você não vai buscá-lo. Vai voltar comigo  para  Inchcullin. 
Só  tenho  dois  dias  livres,  hoje  e  amanhã,  sem  trabalho;  quero  aproveitá-los 
para esclarecer algumas questões entre nós. Ellen, nós não podemos continuar 
como estamos. 

— O que... o que você quer dizer? 
—  Eu  quero  dizer  que  precisamos  resolver  se  queremos  continuar 

casados. 

Será que tudo terminaria ali?, pensou Ellen, naquele dia triste? Será que 

aquele sonho que começara tão alegremente num dia dourado de verão, há cinco 
anos  atrás,  terminaria  ali?  Não,  não,  não  ainda,  algo  dentro  dela  sussurrava, 
Peça tempo para pensar. 

— Há... há alguém mais? Alguém com quem você preferiria estar casado? 
Dermid soltou o braço de Ellen e virou-se. 
— Está começando a chover bem forte. Vamos voltar para casa.  
Dermid começou a andar e Ellen ficou parada, indecisa, sem saber se ia 

com  ele  ou  para  Auchinshaws  para  resgatar  seu  filho...  resgatar  a  criança  de 
quê? Da má influência de Kate Mackinnon? 

—  Ellen  —  Dermid  falou  baixo,  mas  em  tom  autoritário.  —  Nosso  filho 

estará bem, eu asseguro. Vai recolher ovos com a avó esta tarde e conhecer os 
animais.  Nós  vamos  buscá-lo  mais  tarde  quando  James  chegar  com  o  Rolls,  e 
talvez  fiquemos  para  o  chá.  Mamãe  gostaria  de  vê-la.  Precisamos  passar 
algumas horas, nós dois sozinhos, sem as interferências de Rowan. 

— A sugestão foi de sua mãe? 
— Não, foi idéia minha. 

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—  Como  a  redação  da  carta  que  o  sr.  Scott.  o  advogado,  mandou  para 

mim? 

— O que é isso agora? 
— Eu telefonei para o sr. Scott esta manhã para marcar uma hora para a 

leitura do testamento. Ele me contou que aquela carta não foi redigida por ele. 

— Então? 
—  Então  imaginei  que  fosse  de  sua  autoria.  E  eu  acho  que  você  usou 

desse ardil para eu vir com Rowan, quando mandou o sr. Scott me escrever em 
vez de me escrever você mesmo! 

— Certo, eu admito isso. Eu tinha que achar um jeito de ficar um pouco 

com Rowan. Escrever a você pedindo para trazê-lo não adiantaria. Tudo que eu 
recebi de você foram aqueles bilhetes estúpidos, contando que ele estava feliz, 
que  você  estava  gostando  do  emprego  e  que  estava  ocupada,  muito  ocupada. 
para  viajar  e  me  fazer  uma  visita.  Deus  sabe  que  eu  tenho  sido  paciente  com 
você,  esperando  e  desejando  que  você  viesse  passar  uns  tempos  em 
Kilruddock... 

— Eu não poderia, não poderia. Eu não poderia vir e ficar naquela casa. 
—  Diabos,  por  que  não?  O  que  existe  de  errado  com  a  casa?  Você  a 

mobiliou. Eu não mudei um objeto sequer de lugar! 

— Não podia... não depois de ter ouvido os comentários sobre... a garota 

do  escritório.  Não  depois  de  ter  ouvido  falar  que  você  tinha  sido  infiel.  — 
Finalmente  Ellen  tinha  conseguido  falar  o  que  queria.  Esperou  tensa  pela 
resposta. 

— Você ouviu o quê? Quem lhe disse isso? 
— Sheila Moffatt, a prima de minha mãe. 
— Quando? 
— Quando ela foi nos visitar em Ottawa, há dois anos, no Natal. 
— E você acreditou naquela intrigueira... 
—  Foi  impossível  não  acreditar,  uma  vez  que  não  passou  o  Natal  com  a 

gente e nem ao menos escreveu. 

— Meu Deus, você ouviu aquela fofoqueira e acreditou no que ela disse? 

Você  não  sabe  que  ela  sempre  me  odiou  porque  pensa  que  eu  prejudiquei  o 
filhinho dela? E que, sempre que podia, espalhava mentiras a meu respeito? 

— Ela contou que você dava carona para uma garota do escritório todos 

os dias... 

— Para Nancy Cowan, é certo. Mas que mal há nisso? Eu só dava carona 

quando ela perdia o ônibus e eu a via esperando no ponto. Parecia uma ofensa eu 

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passar direto sabendo que ela ia para o mesmo lugar que eu. Não me diga que 
nunca pegou carona no carro de seu patrão, porque eu sei que é mentira... 

— Mas Sheila disse que sabia muito mais do que isso. Sheila disse que a 

garota  conversava  sobre  o  relacionamento  entre  vocês  nos  banheiros  e  que 
todos sabiam que ela já tinha passado algumas noites... na nossa... na casa com 
você. Ela foi vista saindo da casa com você várias manhãs. 

Dermid tentava controlar a raiva que sentia. 
— Deus sabe que eu não sou santo, nunca fui, mas você realmente pensa 

que  eu  iria  levar  avante  um  caso  com  uma  datilógrafa  na  minha  casa, 
despertando  a  curiosidade  dos  vizinhos,  parentes  e  empregados?  Pense  bem, 
Ellen, sou bem mais sutil! Nancy nunca esteve em casa e não tenho nada a ver 
com  o  fato  dela  ter  espalhado  histórias  a  nosso  respeito  nos  banheiros.  Dei 
carona  a  ela  somente  algumas  vezes  e  depois  fui  para  a  Colômbia  por  três 
meses. — E achei as senhoritas de lá muito mais fascinantes. 

Ellen  enfiou  as  mãos  nos  bolsos  e  virou-se  para  o  outro  lado.  Seria 

possível  que  ele  estivesse  falando  a  verdade?  Que  a  prima  de  sua  mãe 
espalhara mentiras sobre ele só porque Dermid tinha galgado a posição que ela 
almejava para seu próprio filho? 

— Olhe, Dermid, onde há fumaça há fogo... 
— Isso só confirma que você não confia em mim. 
— Pelo menos, tenho tentado. 
— Não por muito tempo. — Dermid lançou um olhar cheio de amargura. — 

E difícil acreditar que a única razão pela qual você não trouxe Rowan para me 
visitar seja essa fofoca da prima de sua mãe. Você está usando isto como uma 
desculpa para algo mais sério, não é? 

— O quê? 
— Outro homem. Um caso com outro homem! Uma esposa é tão capaz de 

ser infiel quanto um marido. E você teve muitas oportunidades nesses dois anos 
e meio. 

— Eu nunca tive! 
— Acha que vou acreditar em você? 
—  Oh!  —  Por  um  momento  ela  ficou  sem  fala,  sentindo-se  ofendida. 

Dermid  não  negara  que  fora infiel.  Ele  negara  apenas  o  relacionamento  com  a 
datilógrafa. — Se  você  quisesse  ver Rowan, teria ido  a  Ottawa. Mas você  não 
foi. Não se importou com nós dois o suficiente para negligenciar seu trabalho e 
ir nos ver. Então por que queria que eu abandonasse o meu e trouxesse o garoto 
para vê-lo? 

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—  Eu  senti  que  você  não  me  amava  mais,  que  tinha  descoberto  que  o 

casamento  não  era  aquilo  que  realmente  queria,  preferindo  ser  livre.  Você 
tentou me descartar, Ellen, quando me escreveu aqueles bilhetes frios, Para o 
inferno  com  você,  eu  não  ia  correr  atrás  de  uma  mulher  que  fez  tudo  o  que 
podia para demonstrar que podia viver bem sem mim. 

— Bem, e o que diz a respeito de suas cartas? 
Percebendo a expressão desesperada de Ellen, Dermid perguntou: 
— O que está acontecendo com você, Ellen? Você está doente? 
— Não. Eu... estou com frio. 
—  Isto  não  é  novidade.  Nós  estamos  nos  encharcando,  parados  aqui.  — 

Ele ergueu a mão e tocou os lábios dela justamente onde estavam machucados. 
— Eu machuquei você? — perguntou ele suavemente, ainda fitando sua boca. — 
Eu machuquei seus lábios ontem à noite? 

— Quem mais poderia ter sido? 
— Estou feliz por isto — falou ele suavemente. — Venha — acrescentou 

olhando o relógio —, vamos voltar para casa... 

Sem esperar para ver se Ellen o seguia ou não, ele começou a caminhar 

pela trilha e ela observou que ele ia se distanciando na chuva, por entre o verde 
das  árvores.  Agora  que  Dermid  se  fora  ela  podia  ir  a  Auchinshaws  buscar 
Rowan, mas um sexto sentido fez com que ela se recusasse a enfrentar a mãe 
de  Dermid.  Tinha  o  pressentimento  de  que  Kate  Mackinnon  a  criticaria  como 
esposa  e  como  mãe.  Além  disso,  estava  encharcada.  Seria  mais  fácil  e  mais 
sensato voltar a Inchcullin, vestir roupas secas e mais tarde voltar à fazenda 
de  carro,  junto  com  Dermid.  Ellen  queria  que  Dermid  lhe  contasse 
imediatamente o que havia para Rowan no testamento do seu avô. 

Tentava  se  convencer  de  que  esse  era  o  motivo  pelo  qual  estava 

voltando,  e  não  porque  Dermid  tivesse  insistido  para  que  voltasse.  Ela  estava 
voltando  pelo  bem  de  Rowan  como  tinha  vindo  pelo  bem  de  Rowan.  Logo  que 
soubesse sobre o testamento, arrumaria as malas e iria com Rowan para a casa 
de Sheila Moffatt. 

Não  conseguiu  alcançar  Dermid  e  não  o  encontrou  quando  chegou  em 

casa.  Quando  entrava  pela  porta  lateral,  ouviu  o  telefone tocando  no  estúdio. 
Não  havia  ninguém  por  lá  e  ela  hesitou,  ouvindo  o  chamado  insistente  da 
campainha. 

Resolveu atender. 
— Alô, aqui é de Inchcullin. 
— Oh... alô... — A voz era feminina e jovem. — Bessie? 
— Não. Quer falar com ela? 

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— Não. Dermid está, o sr. Dermid Craig? 
— Vou chamá-lo. Posso dizer a ele quem quer falar? 
— É Morag. Morag Menteith. 
Ellen  pôs  o  telefone  na  mesa.  Estava  tentada  a  desligá-lo,  mas  naquele 

momento  a  porta  do  estúdio  abriu-se  e  Dermid  entrou.  Ele  tinha  trocado  de 
roupa e agora usava calças claras e camisa listrada em marrom e amarelo. 

—  É  para  mim?  —  perguntou  ele,  estendendo  a  mão  para  o  telefone.  — 

Estou esperando uma chamada. 

Vagarosamente, Ellen entregou o telefone, esperando que o ciúme que a 

corroia não estivesse estampado em seu rosto. 

— Sim, é para você — disse e saiu da sala. 
Fechou  a  porta  do  estúdio  firmemente  quando  saiu,  resistindo  à 

tentação de ficar escutando. 

Subiu  para  trocar  de  roupa.  O  quarto  estava  em  perfeita  ordem,  mas 

Dermid  deixara  suas  roupas  encharcadas  no  chão.  Automaticamente  ela  as 
apanhou e colocou no cesto de roupa suja. 

Tirou  suas  roupas,  fez  o  mesmo.  Em  seguida,  procurou  o  que  ia  usar.  A 

saia  de  tecido  escocês  rosa,  cinza  e  vermelho-escuro,  longa,  até  o  tornozelo, 
ficaria  bem  com  uma  camisa  de  lã  fina,  cor-de-morango,  drapeada  num  dos 
ombros. Sandálias pretas de salto alto completariam o conjunto e ela achou que 
estava com aparência elegante e sofisticada. Muito sofisticada para se deixar 
perturbar pelo som da voz de uma jovem pedindo para falar com seu marido. 

Mas ela estava perturbada e desejou não ter ouvido aquela voz suave e 

sussurrante,  desejou  não  te-lo  ouvido  dizer,  com  tom  de  satisfação,  que 
esperava por uma chamada àquela hora. Ele estava esperando Morag telefonar! 
Por  isso  se  apressara  para  voltar  a  Inchcullin,  deixando-a  sozinha  no  bosque 
depois de dizer a ela que não a amava mais. 

Afinal, ele tinha dito exatamente isso quando a acusara de tê-lo passado 

para  trás,  não  seria  isso?  E  ficara  mais  profundamente  ferida,  mas  já 
suspeitava de que ele não a amava mais há algum tempo. Por quê? Será que ela 
estava apaixonada novamente por ele? Será possível que nunca tivesse deixado 
de amar Dermid? 

 
Capítulo VI 
 
Quando desceu para o almoço, Agnes estava no hall e pediu para que ela 

a acompanhasse à sala de refeições. 

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A  mesa  de  mogno  estava  arrumada  com  a  mesma  elegância.  Toalhas  de 

renda guarneciam a mesa e os talheres de prata brilhavam na semi-obscuridade 
da sala. Dermid não estava lá e Bessie já colocara as tigelas com a sopa. 

Demid  entrou  com  expressão  de  mau  humor  e,  enquanto  desdobrava  o 

guardanapo, lançou a Ellen um olhar acusador. Afinal do que ela era culpada? 

Agnes estava muito falante e bem-humorada, o que é bom, pensou Ellen, 

que  tendo  tomado apenas  algumas  colheres  de  sopa  brincava  com  os  vegetais. 
Ela  e  Dermid  pouco  falavam.  De  vez  em  quando,  ele  resmungava  para  marcar 
sua presença, mas estava silencioso e preocupado. 

Seus  pensamentos  talvez  estivessem  voltados  para  a  jovem  que  tinha 

telefonado. Outra vez Ellen sentiu ciúmes e seu talher bateu no prato. Ela não 
conseguia comer. Precisava ir embora daquela casa logo que pudesse. Não Podia 
ficar mais, sabendo que Dermid estava envolvido com a filha de Ann Menteith. 

— Ellen — Agnes estava falando bem alto —, eu já perguntei três vezes: 

— A dra. Menteith viu a língua de Rowan? 

—  Oh!  —  Ellen  enxugou  a  boca  no  guardanapo  rapidamente,  mais  para 

esconder  sua  expressão  perplexa  do  que  por  qualquer  outra  razão.  —  Eu...  eu 
sinto  muito,  tia  Agnes,  mas  estava  distraída.  Rowan  tinha  ido  com  Dermid  a 
Auchinshaws.  Quando  eu  encontrei  a  doutora,  ela  disse  que  estava  indo  à 
fazenda também. — Depôs seus talheres e empurrou o prato semi-vazio para o 
lado. Não parecia  muito interessada na comida — A doutora chegou, enquanto 
você ainda estava lá? 

— Sim, Ann disse que realmente o garoto tem a língua presa na parte de 

baixo; se quisermos levar Rowan à cirurgia ela o atenderá amanhã. 

—  Mas  certamente  terá  que  ser  atendido  num  hospital.  —  Ellen  de 

repente  se  tornou  novamente  agressiva.  Afinal,  se  qualquer  coisa  devia  ser 
feita na língua de Rowan era ela e ninguém mais quem iria decidir. 

—  Aparentemente  não  precisa  ser  atendido  num  hospital.  Pode  ser 

operado só com anestesia local e não vai doer muito. Ele só não poderá comer 
alimentos sólidos por algum tempo. Só líquidos. 

—  Eu  prefiro  que  seja  operado  por  outra  pessoa  —  Ellen  disse  com 

determinação. 

— Pelo amor de Deus, por quê? — perguntou Dermid, ríspido. 
— Dermid! — Agnes protestou. 
—  Sinto  muito,  Agnes  —  disse  ele,  mas  não  soou  em  tom  de  desculpas, 

enquanto lançava outro olhar furioso para Ellen. — Mas, eu não posso entender 
a  atitude  de  Ellen.  Ann,  como  você  sabe,  é  ótima  cirurgiã  e  com  muitos 

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conhecimentos  a respeito  de  doenças  de  crianças.  E como  não  existe  hospital 
aqui perto, essas operações pequenas são feitas no consultório dela. 

— Dermid tem razão, querida — disse Agnes. — Ann é ótima cirurgiã. 
— Eu não me importo que ela seja ou não — respondeu Ellen. 
Dermid praguejou exasperadamente. Agnes suspirou e Bessie entrou na 

sala para tirar os pratos, resmungando com desgosto ao ver que ninguém tinha 
comido muito. 

— Então onde você vai ouvir uma segunda opinião? — perguntou Dermid 

depois que Bessie saiu. 

—  Em  Ottawa,  é  claro,  quando  voltarmos  pra  lá  —  respondeu  Ellen 

friamente,  recusando-se  a  olhar  para  ele.  No  silêncio  que  se  seguiu  Bessie 
reapareceu com pratos e torta de maçã e colocou-os diante deles. 

— Se é uma segunda opinião o que você quer, não precisa levar Rowan até 

Ottawa  para  isso  —  disse  Dermid.  —  O  dr.  Mackay  em  Kilruddock  poderá 
examiná-lo. 

—  Sim,  é  uma  boa  idéia.  Ele  é  ótimo  pediatra  —  disse  Agnes  doce  e 

esperançosamente. Ellen já estava se cansando de ver Agnes sempre concordar 
com Dermid. 

— Mas Rowan  e  eu não  vamos  a Kilruddock  — disse ela tão suavemente 

quanto  conseguiu.  —  Logo  que  você  me  disser  o  que  há  no  testamento  para 
Rowan  nós  vamos  até  Ayr  ficar  alguns  dias  com  Sheila  Moffat.  Depois  vamos 
voltar para casa. 

—  Meu  filho  não  vai  ficar  na  casa  daquela  mulher.  Você  pode  ir  e  ficar 

com  ela  se  quiser  e  gostar,  mas  Rowan  vai  ficar  comigo  em  Kilruddock.  Eu  o 
levarei lá amanhã e o dr. Mackay olhará sua língua. 

— Não. 
—  Com  os  diabos,  por  que  não?  —  Sua  voz  era  dura  e  Ellen  percebeu 

Agnes tremer de revolta. — Eu sou o pai dele, seu guardião legalmente e tenho 
todo direito de cuidar dele. Você está se esquecendo disso? 

— Não. Eu não esqueci... 
— Então por que não me deixa fazer nada por ele? Eu acho que sei por 

que você quer uma segunda opinião. E porque você não, gosta de Ann Menteith e 
não porque esteja realmente preocupada com Rowan... 

—  Isso  não  é  verdade.  Eu  estou  preocupada  —  respondeu  ela 

defendendo-se. 

— Realmente? Então, por que você não o levou ao médico antes? 
—  Eu  já  disse.  Eu  tentei...  —  Muito  irritada,  Ellen  sentiu  desejo  de 

chorar,  chorar  de  frustração  e  raiva  porque  ele  estava  criticando  seu 

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comportamento na frente de Agnes. — O que você sabe sobre isso? Você não 
sabe  o  que  é  ser  sozinha  e  lutar  para  fazer  o  melhor  por  uma  criança  sem  a 
ajuda do... do... 

—  Do  pai,  não  é  isso  que  você  ia  dizer?  Ellen,  você  não  precisava  lutar 

sozinha e nunca precisou. Eu quero que Rowan venha morar comigo. Eu sempre 
quis, mas  você  sempre  foi  muito egoísta  e  nunca  quis  repartir  essa  felicidade 
comigo. 

— Mas... Mas se ele vier morar com você, como posso ter certeza de que 

você  vai  levá-lo  de  volta?  Como  vou  saber  se  você  não  vai  querer  conservá-lo 
aqui para sempre? — gritou ela, expressando seu temor. 

—  Você  só  precisa  confiar  em  mim  —  respondeu  ele,  olhando 

amargamente  para  ela.  —  Como  eu  sempre  confiei  em  você  nesses  dois  anos, 
inutilmente, pelo que me parece agora. 

—  Dermid,  Ellen  —  Agnes  chamou  e  não  sendo  mais  capaz  de  controlar 

seus  sentimentos,  Ellen  levantou-se,  murmurou  uma  desculpa,  e  saiu 
apressadamente da sala. 

No hall ela parou por um momento, lutando para conter as emoções que 

pareciam destruí-la. O  que faria?  Iria buscar Rowan? E depois? Ela não podia 
ficar  ali,  não  poderia  passar  outra  noite  sob  o  mesmo  teto  que  Dermid, 
possivelmente  na  mesma  cama.  Precisava  partir,  ir  para  algum  lugar,  nem  que 
fosse para o hotel em Portcullin onde ficaria até a chegada da balsa. 

Percebeu  os  passos  de  Dermid  que  ressoaram  alto  no  chão  polido,  em 

pânico  se  dirigiu  para  a  escada.  Seu  pé  estava  no  primeiro  degrau,  sua  mão 
estendendo-se  para  o  corrimão,  quando  ele  agarrou  seu  braço  e  virou-a 
rudemente para encará-la. Ellen desprendeu o braço e procurou o corrimão. 

— Tire as mãos de mim. Não ouse tocar em mim novamente! 
—  Com  medo,  Ellen?  Com  medo  de  que  eu  deixe  minha  marca  em  você, 

como  na  noite  passada?  Ou  com  medo  de  seus  próprios  sentimentos?  Você 
gostou da noite passada, não gostou? E talvez esteja agressiva justamente por 
isso. Você procura uma briga comigo porque você quer... 

— Eu não procuro briga! É você quem está sempre me criticando. Eu não 

podia continuar naquela sala sendo julgada por você! 

— Sinto muito — Dermid disse suavemente. — Eu não quis criticá-la, só 

estou preocupado com o futuro de Rowan. Quero que ele tenha a oportunidade 
de  crescer  num  lar  onde  haja  amor  e  harmonia.  Precisamos  encontrar  uma 
solução para o problema de vivermos separados, e não vamos conseguir se você 
perder a cabeça e discordar de tudo o que eu digo. 

— Você nunca perde a calma, suponho... 

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—  Só  quando  sou  provocado.  E  você  tem  que  admitir  que  me  provocou 

várias vezes. 

—  Mas  por  que  eu  teria  que  concordar  com  tudo  que  você  sugere?  Por 

que você não aceita nada que eu sugiro? 

— O que você acha que eu tenho feito nestes anos? 
— Eu não sugeri separação. Você sim — Ellen acusou. 
—  Mas  foi  você  quem  quis  trabalhar  no  Canadá,  e  eu  concordei  para 

deixá-la  seguir  seu  caminho.  Você  nunca  mostrou  nenhum  desejo  de  voltar, 
então eu aceitei. Chama isso separação? — respondeu ele calmamente. E ficou 
de costas para ela quando ouviu os passos de Bessie, que vinha da cozinha. 

— Vamos para o estúdio — ele sugeriu. 
— Porquê? 
—  Para  ver  o  testamento  do  meu  avô,  Você  quer  saber  o  que  diz  a 

respeito  de  Rowan,  não  é?  E  depois  poderemos  discutir  o  que  fazer  — 
respondeu dirigindo-se para o estúdio. 

Da sala de jantar, veio o som da voz de Bessie reclamando que ninguém 

tinha comido a torta de maçã, e dos pedidos de desculpas de Agnes. 

Vagarosamente Ellen seguiu Dermid. Fora para isso que ela viera, para a 

leitura da parte do testamento que se referia a Rowan, e tão logo resolvesse o 
assunto  poderia  ir  embora.  Oh,  de  que  adiantava  planejar  o  que  faria  mais 
tarde? Tudo dependeria da discussão entre eles. Só precisava manter a calma. 
Devia escutar o que Dermid tinha para dizer e responder com ponderação. Não 
deveria deixar que suas emoções interferissem. 

No estúdio, as chamas crepitavam contra o fundo negro da lareira. 
A  sala  estava  quente  e  aconchegante.  Um  paraíso  cheio  de  paz  e 

confortável para se passar uma tarde úmida, folheando os livros da coleção de 
Neil  Craig  ou  ouvindo  seus  discos,  Como  ela  queria  sentar-se  no  grande  sofá 
coberto de cretone, bem junto ao  fogo, e esquecer os problemas daquele dia, 
fingir que aquele momento era o mesmo de cinco anos atrás e que ela e Dermid 
estavam  casados  há  apenas  alguns  dias,  perdidamente  apaixonados,  tão 
apaixonados que estavam sentados juntos, abraçados e... 

Determinada  a  não  deixar  que  a  nostalgia  a  invadisse,  Ellen  virou  as 

costas  para  o  sofá  e  sentou-se  na  ponta  de  uma  cadeira  de  encosto  reto  e 
assento duro, perto de uma das janelas com cortinas de renda, longe do fogo. 
No frio  talvez consiga manter-me gelada,  pensou, enquanto observava Dermid 
destrancar  uma  gaveta  na  parte inferior  da  velha  escrivaninha.  Da  gaveta  ele 
tirou  um  envelope  grande  e  cheio  que  abriu,  separou  várias  folhas  de  papel 
almaço que estavam grampeadas e olhou para ela. 

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—  Por  que  não  se  senta  perto  da  lareira?  —  perguntou  Dermid, 

apontando o sofá. 

—  Estou  bem  aqui,  obrigada.  —  Encolheu  os  ombros  com  indiferença  e 

sentou-se  no  sofá,  esticando  as  pernas  e  acomodando  os  ombros  no  encosto 
macio.  Dermid  parecia  relaxado,  bem  à  vontade,  enquanto  que  ela  se  sentia 
tensa. 

—  Em  primeiro  lugar,  eu  preciso  dizer  que  vovô  deixou  esta  casa,  as 

terras  que a  circundam  e as ações da Craig  & Rose para  mim  — disse Dermid 
virando uma folha de papel almaço. 

— Eu sei — Ellen respondeu e ele pareceu surpreso. 
— Você sabe? Quem lhe disse? 
— Tia Agnes, ontem à noite. — Percebeu que ele tinha ficado irritado e 

acrescentou  rapidamente  em  defesa  de  Agnes:  —  Oh,  ela  não  estava 
fofocando.  Apenas  respondeu  quando  eu  lhe  perguntei  se  sabia  o  que  o 
testamento dizia. Eu pensei que todo o testamento só pudesse ser lido depois 
que  Rowan  e  eu  estivéssemos  presentes.  —  Ela  parou  e  lançou-lhe  um  olhar 
indagador..— Você quis me dar essa impressão não quis? Por quê? 

—  Porque  queria  que  você  viesse  aqui  —  respondeu  ele,  friamente, 

parecendo interessado no que estava escrito numa das páginas que segurava. — 
Você quer que eu o leia todo? — sugeriu ele. 

— Não, obrigada. Só me interessa a parte referente a Rowan. 
—  Venha  sentar-se  aqui  enquanto  eu  leio  o  testamento  para  você  — 

sugeriu ele. 

— Prefiro ficar aqui. Leia logo o testamento — exclamou Ellen numa voz 

estrangulada. — Assim Rowan e eu podemos partir. 

O  curto  silêncio  que  se  seguiu  àquela  explosão  só  foi  quebrado  pelo 

crepitar  do  fogo  e  o  tique-taque  do  relógio.  Ellen  olhou  pela  janela.  Afinal, 
Dermid  começou  a  ler  o  testamento.  A  linguagem  era  surpreendentemente 
simples  e  ela  não  encontrou  dificuldade  para  entender  o  legado  de  Neil  Craig 
para seu bisneto. Ele tinha deixado urna grande quantia em dinheiro, que Rowan 
herdaria  quando  fizesse  vinte  e  um  anos.  Até  aquela  data  uma  parte  do 
dinheiro podia ser usada, se isso fosse aprovado pelos três tutores nomeados 
na educação de Rowan e desde que ele morasse e estudasse na Escócia. 

Dermid parou a leitura e Ellen se voltou na cadeira para olhá-lo. 
— Isso é tudo? 
— Sim. 
— Mas... mas eu poderia saber disso por carta. Quem são os tutores? 

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— Scott, você e eu — ele respondeu. — Por isso eu quis que você viesse, 

assim poderíamos discutir sobre o futuro de Rowan. 

—  Eu  não  acredito!  —  ela  exclamou,  levantando-se  e  parando  na  frente 

dele. — Não acredito que ele tenha que morar e estudar neste país para poder 
usar  o  dinheiro  destinado  à  sua  educação.  Não  acredito  que  seu  avô  imporia 
essa condição. 

— Também achei que você não fosse acreditar. 
—  Foi  sua  idéia,  não  foi?  —  acusou  ela.  —  Você  sugeriu  isso  a  seu  avô 

para que pudesse controlar a educação de Rowan, para tomá-lo de mim e... 

— Não foi idéia minha — interrompeu ele. — Eu não tive nada a ver com 

isso. Meu avô estava lúcido até a hora da morte. Ele tinha suas próprias idéias 
a respeito de como  queria  que  seu dinheiro fosse usado. — Dermid lançou-lhe 
um  olhar  cheio  de  amargura.  —  Ele  tinha  suas  próprias  idéias  sobre  o 
casamento  também,  e  eu  posso  dizer  a  você  que  não  gostava  do  modo  como 
conduzíamos  o  nosso.  Desde  que  você  não  acredita  no  que  li,  é  melhor  ler  e 
depois talvez acredite na cláusula. 

— Está bem. 
—  Sente-se  aqui  e  eu  lhe  mostrarei  onde  começar  a  leitura  —  sugeriu 

ele. 

— Não, não quero me sentar aí. Dê-me o testamento. 
— Não vai nem dizer por favor? 
— Dermid, deixe de tolices. 
Dermid  então  se  moveu,  mas  não  para  lhe  oferecer  o  testamento. 

Agarrou com força a mão de Ellen. 

— Solte-me! — gritou ela, tentando libertar-se, mas com um movimento 

brusco, Dermid puxou-a e, perdendo o equilíbrio, ela caiu em cima dele, no sofá, 
sentindo  a  pressão  do  joelho  dele  entre  os  seus.  A  respiração  saiu 
entrecortada enquanto ela sentia o contato do corpo do marido e tentava, sem 
sucesso, agarrar-se ao encosto do sofá para levantar-se novamente. 

— Que cheiro gostoso, suave — disse Dermid e ela sentiu um arrepio de 

prazer quando ele tocou em seus seios. 

—  Não,  Dermid,  não!  —  ela  falou  empurrando-o,  sabendo  que  não 

conseguiria resistir àquele apelo. 

— Sim, Ellen, sim — sussurrou ele, sensualmente. 
— Mas eu não quero, eu não quero — murmurou ela, mesmo sabendo que 

no  íntimo  desejava  aquele  homem  com  uma  intensidade  arrebatadora. 
Novamente  Ellen  tentou  empurrá-lo.  Mas  foi  em  vão.  Quanto  mais  ela  lutava 
mais forte ele a segurava, até que repentinamente rolaram do sofá, caindo no 

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chão. Depois, a boca de Dermid encontrou a dela, ficaram deitados, abraçados, 
sobre o tapete macio de pele de ovelha. 

—  Assim  é  melhor.  Agora  estamos  caminhando  juntos  outra  vez  — 

Dermid murmurou contra sua face e ela ouviu o ruído de papel amassado entre 
seus corpos, que se moviam sensualmente. 

— O testamento — ela murmurou. 
— Para o inferno com o testamento — respondeu ele, pegando o maço de 

papéis  e  atirando-o  longe.  —  Nós  temos  assuntos  mais  importantes  agora  — 
acrescentou  Dermid.  Os  olhos  brilhando  de  paixão,  os  lábios  abertos 
sensualmente. 

— Você não pensava assim. 
— Mas  estávamos sozinhos  então — disse ela, percebendo  que  perdia  o 

controle e que suas mãos já estavam desafivelando o cinto de Dermid. — Não 
agora, não aqui. Alguém pode entrar. 

—  Eu  tranquei  a  porta  depois  que  você  entrou.  Você  não  percebeu? 

Vamos Ellen, não pare. 

— Mas nós temos que discutir sobre o testamento. Você disse e... 
— Mais tarde, Ellen, por favor... 
Seus  lábios  estavam  tão  quentes  quanto  o  fogo  enquanto  a  beijava.  Ela 

estava  incandescente,  também  queimando  de  desejo.  Tempo  e  espaço  se 
confundiram.  Ela  estava  de  volta  à  casa  de  seus  pais  na  montanha há  mais  de 
três  anos  junto  com  Dermid,  que  ela  amava  com  todas  as  fibras  do  seu  ser. 
Dermid, seu marido, de olhos escuros e cabelos vermelhos, seu tormento e seu 
amor, sem ele a vida era nada, mas com ele ela alcançara o êxtase e agora podia 
alcançar  novamente  aquela  maravilhosa, alegre  sensação.  Aquilo  era  o  paraíso, 
pensou,  ficar  perto  dele,  sentindo  os  seus  dedos  acariciando-lhe  os  cabelos, 
ficar  deitada,  em  silêncio,  porque  as  palavras  eram  inúteis.  Eles  estavam  em 
perfeita harmonia. 

O telefone tocou e Dermid suspirou. 
— Esqueça — ele ordenou e os dedos dele tocaram seus seios. 
— Não posso — murmurou ela enquanto o telefone continuava a tocar. — 

E  se  for  sua  mãe  pedindo  para  irmos  buscar  Rowan?  Ele  pode  ser  um  diabo 
quando quer e deve estar dando trabalho para ela. 

— Não para minha mãe. Lembre-se de que ela está acostumada comigo e 

com  Ângus.  —  Ele  beijou-a  suavemente  nos  lábios.  Mas  o  telefone  continuou 
tocando, perturbando aqueles momentos de harmonia e prazer. Depois ouviram 
batidas na porta e a maçaneta foi forçada. 

— O senhor está aí, sr. Craig? — perguntou Bessie. 

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Finalmente Dermid levantou-se, passando as mãos pelos cabelos. 
— Veja o que Bessie quer enquanto eu atendo o telefone — ele ordenou e 

começou a abotoar o cinto enquanto se dirigia à mesa. 

Ellen levantou-se, ajeitou a blusa, calçou os sapatos e, caminhando até a 

porta, tentava ajeitar os cabelos. Ela girou a chave tão silenciosamente quanto 
possível e entreabriu a porta, ouvindo Dermid falar alto e autoritariamente ao 
telefone. 

— Ah, vocês estavam cochilando? — Bessie perguntou, seus olhos pálidos 

fixados nos cabelos desalinhados de Ellen. 

— Bem... quase isso — murmurou Ellen, semiconsciente e sentiu as faces 

vermelhas.  Céus,  ela  deveria  se  controlar  melhor  para  não  ruborizar  por 
qualquer  motivo.  Era  uma  mulher  do  século  XX,  casada,  e  não  uma  senhorita 
vitoriana. — O que você quer? — perguntou, falando mais calmamente. 

— O sr. Craig está aí? — Bessie perguntou, tentando entrar na sala. 
—  Ele  está  ao  telefone  agora  —  Ellen  respondeu,  recusando-se  a  abrir 

totalmente a porta. — Por que você quer vê-lo? 

— Ah, sabe, James voltou com  o carro  e  o  sr. Craig disse  que  era  para 

avisá-lo. 

— Pois bem, eu aviso — Ellen começou a fechar a porta. 
— Mas não é só isso — Bessie continuou. — Aquela filha da dra. Menteith 

está aqui e quer vê-lo. 

—  Morag  Menteith?  —  Ellen  exclamou  e  em  vez  de  fechar  a  porta  na 

cara de Bessie, saiu para o hall e fechou-a atrás de si. 

—  E,  aquela  chata com cabelos  que  parecem  uma vassoura,  isto  é  o  que 

ela é — Bessie disse, furiosa. — Ela pegou uma carona com James. Ah, eu não 
gosto dessas mocinhas aproveitadoras, e ele não devia tê-la trazido aqui. 

— Por que ela veio? 
— Como vou saber? Eu perguntei, mas ela não me contou, só me olhou e 

disse que precisava ver o sr. Craig, que já tinha telefonado para ele avisando. 
Ela está na cozinha, porque eu disse que ficasse lá. Ela queria vir comigo, para o 
estúdio, sem dúvida alguma. Mas eu logo coloquei um ponto final na estória. Ah, 
esses  jovens  de  hoje!  Mas  a  senhora  não  acha  que  ela  devia  agir  com  mais 
discrição  sendo  filha  de  uma  pessoa  educada  como  a  dra.  Menteith?  Eu  acho 
que ela se meteu em alguma confusão — Bessie acrescentou. 

— Então é melhor que eu vá vê-la — Ellen disse. 
—  É  uma  boa  idéia  —  Bessie  concordou.  —  É  melhor  para  uma  garota 

como  ela  conversar  com  a  senhora  do  que  aborrecer  o  sr.  Craig  com  seus 

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problemas. E é bom que ela saiba que a senhora é a dona desta casa e que não 
pode vir aqui quando quiser. 

—  Ela  já  veio  aqui  outras  vezes?  —  Ellen  perguntou,  tomada  pela 

suspeita. 

— Sim, e já é hora dessa garota ser colocada em seu devido lugar. Acho 

que  a  senhora  é  a  pessoa  mais  indicada  para  fazer  isso.  Ela  está  se 
intrometendo muito por aqui só porque a mãe dela é amiga da srta. Agnes. 

— E amiga do sr. Craig também — acrescentou Ellen. 
— Ah, também — Bessie concordou, seus olhos se estreitando enquanto 

caminhava e sussurrava: — A senhora agora precisa se impor, sra. Craig, já que 
está aqui. Deixe que todos vejam como é capaz de agir, e todas essas fofocas a 
respeito  da  senhora  e  do  sr.  Craig  vão  terminar.  Digo  a  garota  para  vir 
encontrá-la aqui na sala? 

— Sim — concordou Ellen, fracamente, e Bessie foi para a cozinha. 
Na sala, Ellen sentou-se junto à  janela e  olhou  para  fora. Nos  arbustos 

do  jardim  pingos  de  chuva  brilhavam  como diamantes.  As  nuvens  cinzentas  se 
espalhavam deixando transparecer o azul do céu, e além do jardim, a areia da 
praia  mudava  a  cor  de  cinza  para  dourado,  enquanto  a  água  do  mar  cintilava, 
cor-de-prata e turquesa. 

— Mas eu quero ver Dermid, não ela. — A voz era a mesma que Ellen já 

ouvira ao telefone, suave e sussurrante, num tom um pouco lamentoso e ela se 
voltou para ver a garota loira, vestida de jeans e um casaco azul de marinheiro, 
sendo praticamente empurrada para dentro da sala por Bessie. 

— Esta é srta. Menteith, sra. Craig. Eu disse que a senhora falaria com 

ela uma vez que o sr. Craig está ocupado. 

Ellen levantou-se e, forçando um sorriso, foi ao encontro da garota. 
— Entre... Morag, não é? Eu sou Ellen Craig. Meu marido está ocupado e 

eu pensei que esta seria urna boa oportunidade de conhecê-la. Ouvi falar muito 
de você. 

Atrás da silenciosa e espantada garota, Bessie olhou aprovadoramente e 

saiu da sala, fechando a porta. 

— Você ouviu falar de mim? Quem lhe falou a meu respeito? Ela? — Com 

as mãos nos bolsos do casaco a garota apontou a porta pela qual Bessie saíra. 

— Não. A tia do meu marido me falou a seu respeito — respondeu Ellen 

suavemente,  agradecida  pelo  treinamento  que  Walter  Stewart  lhe  dera  de 
como tratar com pessoas difíceis durante as entrevistas. — Ela gosta muito de 
sua mãe e me contou que você e a dra. Menteith fizeram um cruzeiro de verão 
com Dermid. Você gostou do cruzeiro? 

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— Sim, foi muito bom, só... — A garota se interrompeu e mordeu o lábio 

inferior. Estava muito pálida, notou Ellen, e seus olhos azuis estavam vermelhos 
como se tivesse chorado. 

— Não quer tirar o casaco? — Ellen perguntou, tentando ser cordial. 
—  Não,  eu...  não  quero.  —  Os  olhos  de  Morag  percorriam  a  sala 

ansiosamente como se estivesse numa armadilha. 

—  Bem,  pelo  menos  sente-se  aqui  por  alguns  minutos,  perto  da  janela. 

Parece  que o tempo vai melhorar, graças a Deus. O tempo estava bom  quando 
vocês fizeram o cruzeiro? 

— Só uma vez fomos apanhados por uma tempestade. 
— E só estavam vocês três? — Ellen sentou-se junto à janela. 
— Oh, não, meu irmãozinho estava com a gente e... e... Ângus também. — 

Morag  sentou-se  abruptamente  do  lado  oposto  de  Ellen,  as  mãos  ainda  nos 
bolsos, chupando seu lábio inferior, os olhos úmidos de lágrimas. 

— Ângus Mackinnon? — Ellen perguntou. 
— Sim. 
— Não imaginava que Ângus entendesse de navegação, — comentou Ellen. 

— Pensei que só entendesse de fazendas e caçadas. 

—  Ele  não  entende  muito,  mas  é  forte  e  corajoso.  Foi  por  isso  que 

Dermid convidou-o para o cruzeiro, para ajudá-lo com as velas e com a âncora 
—  disse  Morag.  —  Você  sabe,  mamãe  e  eu  nunca  tivemos  experiências  com 
essas coisas e não podíamos ajudar. 

— Talvez Dermid tivesse convidado vocês para ajudar na cozinha... coisas 

de mulher — sugeriu Ellen, secamente. 

— Oh não, eu não acho. Dermid nos convidou... porque... oh, eu acho que 

ele queria ser gentil e estava tentando ajudar minha mãe com os problemas de 
meu irmão. Sabe, ele tornou-se muito desajustado depois que papai morreu no 
ano  passado.  Ele  só  tem  catorze  anos  e  sente  muito  a  falta  de  papai  e...  — 
Novamente Morag se interrompeu e sua voz tremeu. 

— Eu entendo — disse Ellen, com simpatia. 
— Você... Você é diferente do que eu imaginei, mais jovem, mais bonita e 

mais gentil — concluiu Morag. 

— Oh, sou? — Ellen respondeu com uma risada. — Parece que Dermid lhe 

transmitiu uma péssima impressão sobre mim. 

— Não — Morag disse, balançando a cabeça —, ele nunca fala sobre você. 

Na verdade eu não sabia que era casado. Só soube quando Ângus me contou. 

— Eu sei. Bem, devo dizer que você também é diferente do que imaginei 

—  comentou  Ellen,  pensativa.  Como  tinha  feito  uma  imagem  errada  daquela 

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garota!  Nada  da  loira  alta,  nem  botão  de  rosa  desabrochado  para  o  amor.  A 
garota  era  desajeitada,  os  cabelos  escorridos  e  era  tão  magra  que  parecia 
subnutrida.  Era  difícil  imaginar  Dermid,  que  apreciava  mulheres  suaves  e 
graciosas, sentir-se atraído por aquela. Difícil também de acreditar que Morag 
fosse filha da mulher alta e graciosa que era Ann. A mão de Ellen segurou com 
força o encosto da cadeira quando a imagem da beleza madura de Ann lhe veio 
à mente. Será que ela tinha se enganado e que era pela fria doutora de olhos 
azuis que Dermid se sentia atraído e não por Morag? 

— Você voltou para viver com Dermid novamente? — A pergunta direta 

atingiu Ellen em cheio e ela se enrijeceu. 

— Você não tem nada com isso — respondeu com firmeza. 
—  Eu  deveria  imaginar  que  você  responderia  assim  —  Morag  disse  com 

um suspiro. — Mamãe respondeu o mesmo quando eu perguntei, a ela se gostava 
de  Dermid  o  suficiente  para  casar  com  ele.  Como  minha  mãe,  você  também 
pensa que eu não posso ter curiosidade a respeito dos sentimentos dos adultos. 
Eu  fico  pensando  por  que  vocês  todos  parecem  ter  prazer  em  fazer  a 
infelicidade  dos  outros.  Quando  eu  sei  de  pessoas  casadas  que  moram 
separadas  eu  me  pergunto  se  existe  uma  coisa  chamada  amor.  —  A  voz  de 
Morag tremeu novamente e ela olhou para o chão. 

Ellen  olhou  para  a  garota.  Se  Morag  tinha  feito  aquela  pergunta  à  mãe 

era porque a amizade entre Ann e Dermid devia ser forte. 

— Todos diziam que você voltaria para Dermid quando soubesse que ele 

tinha herdado todo o dinheiro do avô — falou Morag. 

—  Realmente!  Parece  que  todos  se  divertiam  falando a  meu  respeito  — 

Ellen disse, irritada. 

— Não é verdade, então? — Morag levantou os olhos, aqueles olhos azuis 

brilhando de interesse. 

—  Não,  não  é  —  respondeu  Ellen,  com  firmeza.  Ali  estava  sua  chance 

para pôr um ponto final nos comentários a respeito de seu relacionamento com 
Dermid. — E se quiser, pode dizer a todos que Dermid me pediu para vir aqui — 
acrescentou  ela,  pensando,  surpresa,  que  era  verdade,  porque  afinal  fora  ele 
quem ditara aquela carta. — E eu vim porque estava cansada de viver longe dele 
— continuou  ela, pensativamente, tentando explicar  seu comportamento  muito 
mais para ela mesma do que para Morag. — Eu vim porque quero viver com ele 
e... 

Ellen se interrompeu e se levantou, espantadíssima quando percebeu que 

a porta se abrira e Dermid estava lá ouvindo uma parte da conversa. 

— Oh — murmurou ela e correu até ele —, você está aí? 

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— Sim, estou — respondeu ele sorrindo, de bom humor. — Era a chamada 

que eu estava esperando da fábrica. 

Ouvindo a voz de Dermid, Morag levantou-se e correu até ele. Atirando-

se em seus braços, ela rompeu em lágrimas. 

— Morag, o que você está fazendo aqui? Eu lhe disse ao telefone que sua 

mãe não estava aqui, que estava atendendo um paciente, que logo ela voltaria e 
que você deveria esperar lá na sua casa. Ann não vai gostar quando souber que 
você fugiu da escola. — Com as mãos nos ombros da garota, Dermid afastou-a. 
Ainda soluçando, esfregando os olhos, ela tentava falar, mas não conseguia. 

—  Você  sabe  o  que  está  acontecendo  com  essa  garota?  —  Dermid 

perguntou a Ellen. 

—  Não.  Eu...  eu  estava  tentando  ganhar  a  confiança  dela  para  que 

contasse,  quando  você...  —  exclamou  Ellen.  evitando  seu  olhar  intenso  e 
brilhante. 

— Eu gostei de ouvir o que você estava falando, Ellen. 
— Não devia estar surpreso — respondeu ela, já na defensiva. — É o tipo 

de coisa que você esperava que sua esposa dissesse. 

—  O  que  me  desgosta,  Ellen,  é  que  você  disse  a  ela  e  não  a  mim  — 

comentou  ele,  seus  lábios  se  apertando,  enquanto  se  voltava  para  Morag,  que 
continuava chorando. — Vamos lá, Morag, pare com isso — ordenou ele. — O que 
é  que  você  inventou  agora  para  difamar  o  nome  Menteith  e  aumentar  as 
preocupações de sua mãe? 

—  Eu...  eu..  Oh,  Dermid,  você  tem  que  me  ajudar,  tem  de...  —  Morag 

encostou-se em Dermid novamente e dessa vez ele a abraçou para confortá-la. 
— Eu acho... eu tenho quase certeza... eu vou ter um filho. — Ela soluçou. 

Ellen ficou chocadíssima. Por quê?, perguntou-se. Afinal, não via nada de 

mais uma garota confessando estar grávida. Então por que estava chocada? Por 
que a garota estava confessando o fato e pedindo a ele que a ajudasse? Dermid 
olhava muito interessado, enquanto a afastava  gentilmente, segurando-a pelos 
ombros e observando o rosto molhado pelas lágrimas. 

— Quando vai nascer? 
— Eu... não sei. Acho que na próxima primavera — a garota murmurou. 
— Eu não estou perguntando quando seu filho vai nascer. Eu quero saber 

quando aconteceu — Dermid perguntou. 

— Quando estávamos no cruzeiro. Você se lembra quando nós... — Morag 

começou. 

— Ellen, onde você vai? 

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—  Buscar  Rowan.  Ele  deve  estar  pensando  que  eu  o  abandonei  —  Ellen 

respondeu. enquanto abria a porta. 

— Você não pode esperar um pouco? Eu vou com você. Não posso deixar 

Morag sozinha triste como está. 

—  Não,  você  não  pode,  não  é?  Mas  não  se  preocupe,  eu  sei  fazer  tudo 

sozinha. Estou acostumada a isso. 

Ellen fechou a porta não com uma batida, mas com calma só para mostrar 

que não queria ser seguida e foi em direção das escadas. Bessie vinha descendo 
e Ellen esperou que chegasse ao hall para começar a subir. 

— A sra. conversou com a garota? — Os olhos de Bessie demonstravam a 

curiosidade que sentia. 

— Sim. Você tem razão. Ela está com problemas. 
— Que espécie de problemas? 
—  Problemas  típicos  de  adolescentes.  Bessie,  preciso  ir  a  Auchinshaws 

buscar  Rowan.  Será  que  James  me  leva  até  lá?  —  Ellen  continuou  a  falar 
depressa para que Bessie não fizesse mais perguntas. 

— Claro! Para isso ele trabalha aqui. Quando a senhora quer ir? 
— Dentro de cinco minutos. 
— Ele vai esperar pela senhora na porta lateral. 
Ellen  correu  para  cima.  Cinco  minutos  não  seriam  suficientes  para  ela 

fazer  as  três  malas  que  trouxera.  Mas  queria  partir  antes  que  Dermid  a 
encontrasse  e  insistisse  em  acompanhá-la  a  Auchinshaws.  Por  isso  só  pôs  na 
mala grande tudo que ela e Rowan precisariam para uns poucos dias. Mais tarde, 
quando estivesse em Ayr, na casa de Sheila Moffatt, telefonaria para Bessie e 
pediria que ela lhe enviasse as outras coisas. 

Precisou sentar em cima da mala para fechá-la, de tão cheia que estava. 

Quando  finalmente  conseguiu,  vestiu  o  casaco  comprido  de  pele  de  camelo, 
agarrou  sua  bolsa  que  continha  os  passaportes  e  as  passagens  de  volta  e, 
pegando  a  mala,  saiu  do  quarto.  Descendo  a  escada,  viu  que  a  porta  da  sala 
ainda estava fechada e, portanto, Dermid ainda deveria estar lá, confortando 
Morag. Seus lábios  se apertaram e  ela caminhou na  ponta dos  pés  em direção 
da porta lateral. 

James estava esperando e não pareceu surpreso quando ela lhe entregou 

a  mala.  Ele  colocou-a  no  porta-malas  e  Ellen  sentou-se  no  banco  traseiro  do 
luxuoso  Rolls.  James  entrou  no  carro,  que  partiu  silenciosamente  através  do 
pátio, em direção ao portão, e depois virou para pegar a estrada principal. 

Ellen se inclinou  para a frente  para ter  certeza de  que James,  que  era 

um pouco surdo, a escutaria. 

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— Existe uma balsa saindo de Portcullin para a baía Wemyss esta tarde? 
— Sim, mas já partiu há uma hora. 
— Quando é a próxima? 
—  Amanhã  cedo,  às  sete  horas.  A  que  chega  às  cinco  horas  permanece 

aqui durante a noite e sai amanhã as sete. 

— Existe outra forma de se chegar a Ayr? 
—  Bem,  a  senhora  pode  pegar  o  ônibus  para  Glasgow  e  lá  fazer  uma 

baldeação.  Mas  não  hoje.  Existe  somente  um  ônibus  por  dia  e  ele  sai  às  dez 
horas. Só se a senhora pegar o avião em Macrahanish. 

— Onde fica? 
— A distância é de mais ou menos cinqüenta quilômetros. 
— Mas você sabe alguma coisa a respeito dos horários de vôo daqui para 

Glasgow? 

— Não. A senhora devia ter perguntado ao sr. Craig. Ele sabe. 
— Mas eu não vou voltar a Inchcullin. 
— Não? Então onde a senhora vai? 
—  Depois  de  pegar  Rowan  na  fazenda,  gostaria  que  me  levasse  para  o 

aeroporto. 

— Não posso fazer isso. 
— Por que não? Não é longe e não demoraria muito com este carro, que é 

veloz. 

—  Levaria  duas  horas  e  meia  e  tenho  que  pedir  permissão  ao  sr.  Craig 

para  levá-la.  Por  favor,  entenda.  Talvez  ele  precise  do  carro  para  sair  hoje  à 
noite. 

—  Está  bem,  então,  depois  de  pegar  Rowan,  você  me  leva  a  Portcullin? 

Talvez eu alugue um carro lá. 

— Isto eu acho que posso fazer. Fergus Morrison, no hotel, sabe todos 

os horários dos aviões e tem um carro para levar as pessoas até lá ou trazê-las 
aqui. 

— Obrigada. — Ellen encostou-se e fechou os olhos. Sentia-se exausta. 

Na verdade, deveria ter ignorado os protestos de Dermid e alugado um carro 
só  para  ela,  quando  chegara.  Se  tivesse  feito  isso  não  dependeria  da 
cooperação de James naquele momento. E estaria indo para Glasgow com Rowan 
para  não  voltar  mais  a  Inchcullin,  nunca  mais  voltar  para  a  companhia  de 
Dermid. 

 
Capítulo VII 
 

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Auchinshaws continuava do  mesmo jeito  que Ellen lembrava:  os;  campos 

cultivados,  dourados,  brilhando  à  luz  do  sol;  os  pinheiros  altos,  as  ovelhas 
passeavam  no  pasto.  Ela  ouviu  o  mugido  de  um  touro  Ayrshire.  Enquanto 
caminhava cuidadosamente pela trilha lamacenta por causa da chuva da manhã, 
um cão pastor preto e branco caminhou até ela, abanando o rabo, latindo alto, 
sujando de lama seus sapatos de salto e suas roupas. 

— Calma, Flash, calma! — uma voz ordenou e Ellen viu Kate Mackinnon à 

porta  da  casa,  alta  e  magra,  vestida  com  uma  saia  escocesa  e  uma  malha  de 
tricô, seus cabelos pretos presos num coque na nuca. — Alô, Ellen — ela disse, 
sorrindo, olhando para a nora e em seguida para o Rolls. 

— Dermid veio com você? 
—  Não.  Ele  estava  com  visitas,  por  isso  achei  melhor  vir  sozinha  pegar 

Rowan. Espero que ele não lhe tenha dado muito trabalho, sra. Mackinnon. 

— Uma criança nunca me dá trabalho, e ele é um menino muito alegre — 

Kate respondeu. — Por favor, tome uma xícara de chá comigo, já que está aqui. 
Entre, vamos para a cozinha. 

— Eu... eu... realmente não posso demorar muito — Ellen disse enquanto 

seguia Kate pelo hall. A primeira vez que Ellen encontrara sua sogra, ela tinha 
se perguntado qual seria a idade de Kate; agora tomava a pensar a mesma coisa. 
Kate era muito mais jovem que sua própria mãe, muito jovem para ser mãe de 
Dermid.  Ela  deveria  ter  apenas  dezessete  ou  dezoito  anos  na  época  do 
nascimento de Dermid. Exatamente como Morag, tão jovem e já estava grávida. 
Oh, ela precisava parar de pensar no problema de Morag. 

— Mamãe, mamãe, olhe. Eu ganhei um cachorrinho. — Na cozinha, Rowan 

correu  ao  seu  encontro  mostrando  o  cãozinho  que  lambia  seu  rosto  com  uma 
língua cor-de-rosa. — O tio Ângus me deu. Ele disse que eu posso ficar com o 
cachorro. Posso, não é, mamãe? 

Ellen  olhou  para  a  expressão  de  felicidade  no  rosto  do  filho,  mas  ela 

própria sentia-se infeliz. Como poderia deixá-lo levar o cachorro se nem sabia 
onde  iriam  passar  a  noite?  Por  isso  detestou  Ângus  por  ter  criado  mais  um 
problema para ela resolver. 

—  Ele  é  adorável,  querido  —  concordou  ela,  ajoelhando-se  em  frente  a 

Rowan e alisando a cabeça do cachorrinho —, mas eu acho que ele vai ter que 
ficar aqui. 

— Não, não! Eu quero levar o cachorro para casa! Eu quero! — Os olhos 

de Rowan encheram-se de lágrimas. — o tio Ângus disse que eu posso levar, não 
foi  vovó?  —  Rowan  virou-se  apelando  para  Kate  que  enchera  a  chaleira  com 
água e a estava colocando no fogão. 

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—  Foi  sim.  —  Ela  se  virou  e  olhou  para  Ellen.  Como  são  escuros  seus 

olhos,  pensou  Ellen,  como  é  morena  sua  pele.  Por  isso  Janet  a  chamara  de 
cigana! — Deixe-o ficar com o cachorro, Ellen — Kate pediu. 

— Mas eu não posso. — Ellen parou e pôs as mãos no bolso do casaco. — 

Não  é  que  eu  não  goste  dele  ou  não  queira  ficar  com  ele,  mas...  —  Ela  se 
interrompeu e deu um suspiro profundo. — Eu não posso deixar que ele o leve, 
porque  vou  ficar  com  a  prima  de  minha  mãe,  em  Ayr,  até  sábado,  quando 
pretendo  voltar  para  Ottawa,  e  eu  sei  que  ela  não  gosta  de  cachorros  — 
acrescentou  com  voz  dura  e  fitou  Kate  desafiadoramente.  Kate,  por  sua  vez 
não desviou seus olhos negros que demonstravam um sentimento de piedade. 

— Eu sei. — Kate suspirou e seu olhar dirigiu-se para Rowan, que estava 

sentado  no  chão  com  o  cachorrinho,  agradando-o  e  conversando  com  ele.  — 
Sinto  muito  que  você  não  possa  ficar  mais  tempo  em  Inchcullin.  Eu  gostaria 
muito que você ficasse um pouco comigo — Kate continuou. — Ellen, por que vai 
voltar tão depressa para o Canadá? 

— Preciso voltar ao meu trabalho — Ellen disse em tom de desafio. 
— Então, para você o trabalho é mais importante do que seu marido? — 

perguntou Kate, enquanto punha as xícaras e os pires sobre a mesa da cozinha. 

—  Sra.  Mackinnon,  por  favor,  não  faça  chá  por  minha  causa  —  disse 

Ellen, ignorando a pergunta porque não sabia como respondê-la. — Eu preciso ir 
agora. James Blair está nos esperando para levar-nos a Portcullin. Eu quero ir 
para Ayr ainda esta noite, se possível. 

Kate  ficou  em  pé  ao  lado  da  mesa  olhando  pensativamente  para  as 

xícaras de chá. Depois olhou para Ellen. 

— Você pode deixar o menino aqui. Eu cuidarei dele. É uma pena afastá-lo 

do cachorrinho que ele ganhou. — Ela parou, depois continuou: — E do pai dele. 

— Mas eu tenho que levá-lo comigo para o Canadá — Ellen falou. — Ele é 

meu... 

—  E  de  Dermid  —  Kate  disse  suavemente.  virando-se  para  abrir  a 

geladeira. 

—  Eu  tenho  que  ir  agora.  Não  posso  mais  ficar.  Onde  está  a  japona  de 

Rowan, por favor? 

—  Pendurada  na  sala.  —  Kate  voltou-se  para  a  mesa  onde  colocou  um 

jarro  de  leite.  Ellen  abriu  a  porta  para  ir  à  sala  justamente  quando  alguém 
abriu a outra porta. Era Ângus, e seus olhos escuros brilharam de surpresa por 
ver Ellen ali. 

— Alô — Ellen disse e voltou para a cozinha para pegar Rowan que ainda 

estava agradando o cachorrinho, — Vamos, querido — ela disse firmemente. — 

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Vamos pôr o cachorrinho na cesta. — Ela tentou tirar o cãozinho dos braços do 
filho mas Rowan protestou. 

— Não, não. Ele é meu, ele é meu. Quero levar o cachorro para casa! 
— Mas não vamos para casa agora. 
—  Algum  problema,  Ellen?  —  O  tom  da  voz  de  Ângus  era  irônico.  Ele 

tirara  as  botas  sujas  de  lama,  a  jaqueta,  e  estava  arregaçando  as  mangas  da 
camisa, enquanto se dirigia para a pia. 

—  Sim,  graças  a  você  —  ela  respondeu.  —  Rowan  não  pode  ficar  com  o 

cachorro.  Nós  não  vamos  voltar  a  Inchcullin.  Rowan,  por  favor,  solte  o 
cachorrinho. Ele é apenas um bebê e você vai acabar machucando o pobrezinho. 

—  Você  vai  para  Kilruddock?  —  Ângus  perguntou,  enquanto  abria  a 

torneira e começava a lavar as mãos. — Bem, o cãozinho poderá ir na balsa. Eu 
tenho uma cesta de viagem e nós podemos colocá-lo dentro. Será fácil levá-lo 
assim. Eu vou pegar a cesta, enquanto você toma seu chá. 

Ellen  permaneceu  de  pé,  contrariada  com  aquele  imprevisto.  A  cozinha 

estava  aquecida  e  ela  sentiu  muito  calor  com  seu  casaco  grosso.  Kate  tinha 
preparado o chá e estava cobrindo o bule  com um abafador tricotado. Por um 
momento, Ellen desejou sentar-se naquela cozinha aconchegante, beber o chá e 
esquecer  seus  problemas.  fingindo  que  tudo  estava  bem  entre  ela  e  Dermid. 
Mas não estava, não estava e talvez nunca mais estivesse... 

— Não, nós.., digo, Rowan e eu não vamos para Kilruddock. Nós não vamos 

ficar...  oh,  eu  preciso  dizer  a  vocês  dois.  Eu  estou  deixando  Dermid  para 
sempre.  Ele  pode  pedir  divórcio,  se  quiser.  Vou  levar  Rowan  para  o  Canadá  e 
nunca mais voltaremos. 

Kate  Mackinnon  sentou-se  rapidamente  numa  cadeira,  parecendo  muito 

cansada. Ângus virou-se e encostou-se na pia. 

—  Oh,  Ellen,  eu  acho  que  você  não  tentou  o  bastante  —  disse  Kate, 

suspirando. 

— O que você quer dizer? — exclamou Ellen, já na defensiva, pois sentiu-

se criticada. 

—  Eu  quero  dizer  que  parece  que  nem  você  nem  Dermid  tentaram 

firmemente  fazer  esse  casamento  dar  certo.  Vocês  estão  separados  há  três 
anos,  isto  é  mais  tempo  do  o  que  permaneceram  juntos.  E  agora,  depois  de 
apenas dois dias juntos, você diz que quer se separar dele para sempre. Acho 
que  você  não  deu  a  Dermid  oportunidade  suficiente.  Não  ficou  muito  tempo 
junto com ele — disse Kate com brandura. 

— Não posso fazer nada — respondeu Ellen. — Preciso ir. Eu não posso 

viver com ele, não depois de... não depois de... — Ela se interrompeu e virou-se 

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para que nem Kate nem Ângus pudessem ver a angústia que sentia. Ellen pensou 
que deveria ter ficado lá fora e pedido a Kate que chamasse Rowan. Ela deveria 
ter se recusado a entrar. 

— Então a competição foi demais para você? — Ângus zombou. — Nunca 

pensei que você capitulasse tão facilmente.  

Ellen se virou para fitá-lo. 
— Não é o caso de capitulação. É caso de encarar a realidade. 
—  Competição,  que  competição?  Do  que  vocês  estão  falando?  — 

perguntou Kate. 

— Ellen sabe — Ângus falou, enquanto enxugava as mãos. 
—  Bem,  mas  eu  não  sei  —  Kate  disse  com  irritação  e,  pegando  o  bule, 

começou a servir o chá. 

—  Não  venha  com  essa,  mamãe  —  falou  Ângus,  pegando  uma  cadeira  e 

sentando-se. — A senhora sabe tudo a respeito de Dermid e da dra. Ann. 

— Eu tenho ouvido várias intrigas a respeito deles, é verdade, desde que 

você e Dermid levaram a doutora e os filhos dela no cruzeiro de verão. Mas eu 
tenho  ouvido  a  seu  respeito  também.  —  Kate  lançou  um  olhar  acusador  para 
Ângus  e  depois  voltou-se  para  Ellen.  —  Naturalmente  você  não  acredita  que 
Dermid e a doutora... Como eu digo, tudo não passa de boato. Ann é velha, um 
pouco  mais nova  do  que  eu.  Dermid  não  poderia  se  interessar por  uma  mulher 
muito mais velha do que ele. Eu o conheço bem! 

— Não se trata da doutora — Ellen respondeu. — Trata-se da filha dela. 
—  Morag?  —  A  voz  profunda  de  Ângus  soou  como  um  trovão,  enquanto 

ele  se  levantava.  Parou  na  frente  de  Ellen,  com  as  mãos  nos  quadris,  e  olhou 
firmemente para ela. — Com os diabos, onde você arrumou essa idéia? 

— Ângus, por favor! — protestou Kate. — Não precisa ser tão rude! 
De repente todos ouviram uma batida forte no forro e Kate também se 

levantou. 

— E o vovô Mackinnon, querendo seu chá — ela anunciou pegando uma das 

xícaras  —  Com  licença,  Ellen.  Ele  esta  de  cama,  você  sabe.  Não  vá  embora 
ainda. Eu volto em um minuto. 

Kate  saiu da sala e aproveitando  que Rowan, assustado pelo tom de  voz 

de  Ângus,  largara  o  cachorrinho  e  viera  para  perto  dela,  segurando  sua  saia, 
chupando o dedo, enquanto olhava apreensivamente para Ângus, Ellen começou 
a vestir o agasalho na criança. 

— Vamos, querido. Temos que ir agora. 
— Eu quero o cachorrinho. 

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— Calma, Rowan — Ângus disse com o tom de sua voz bem mais amigável. 

—  Eu  fico  com  o  cachorrinho  aqui  por  alguns  dias  até  que  ele  esteja  bem 
ensinado. Você não gostaria de vê-lo molhar todo o chão da casa da mamãe, não 
é? 

Rowan balançou a cabeça de um lado para o outro e enquanto ela puxava 

o zíper do agasalho, lançou a Ângus um olhar de gratidão. 

— Agora, você pode me dizer de onde tirou a idéia de que existe alguma 

coisa entre Morag e Dermid? — Ângus perguntou. 

— Morag. Quem mais poderia dizer? 
— Você encontrou Morag? — ele gritou, seguindo-a até a porta que dava 

para a varanda. 

— Oh sim, eu a vi esta tarde em Inchcullin. Nós conversamos bastante — 

Ellen disse, abrindo a porta e saindo para a varanda —, até que Dermid entrou 
na  sala e  ela  então  perdeu o interesse em mim. Na verdade, pulou nos braços 
dele, soluçando e chorando, para contar que vai ter um bebê. 

— Você tem certeza? Você tem certeza que foi isso que ela disse? 
—  Claro  que  sim.  Eu  não  sou  surda,  não  se  trata  de  nenhuma  fofoca, 

Ângus. Por que você acha que eu estou partindo? 

— Porque você acredita que Dermid é... Ah, diabos, não. Ellen! 
— Que Dermid é o pai? Era isto que você ia dizer? Sim, eu acredito que 

seja ele. 

—  Mas  por  que,  em  nome  de  Deus,  por  quê?  —  Ellen  não  conseguia 

entender por que Ângus estava tão interessado no problema. 

—  Porque  quando  uma  mulher  vai  ter  um  filho  o  mais  lógico  é  que  ela 

conte primeiro ao pai de seu filho. 

— Mas neste caso você pode estar enganada.. 
— Eu não acho. Adeus, Ângus. Por favor, diga até logo para sua mãe. 
Ellen  correu  pelo  pátio  cheio  de  lama,  puxando  Rowan,  sabendo  que 

Ângus não poderia segui-la pois estava só de meias e teria que calçar as botas 
antes  de  se  aventurar  a  pisar  na  lama.  Vendo  que  ela  se  aproximava,  James 
Blair  saiu  do  carro  e  abriu  a  porta.  Ela  lhe  agradeceu,  ofegante,  enquanto 
empurrava Rowan para dentro. 

Enquanto o Rolls seguia para a estrada principal o céu escureceu e gotas 

de  chuva  batiam  nas  janelas.  Mas  o  sol  ainda  não  se  pusera  completamente. 
Ainda iluminava a superfície úmida da estrada para Portcullin e brilhava sobre a 
superfície prateada do mar. Durante todo o percurso, o sol sumia e reaparecia 
entre as nuvens. E assim foi minha visita a Inchcullin, Ellen pensou; como o sol, 
algumas vezes brilhante de alegria, outras sombreada de infelicidade. 

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O  carro acabava de  virar  uma colina  e descia para a cidade,  quando  um 

arco-íris  apareceu  no  céu  azul,  cheio  de  nuvens,  passando  sobre  as  colinas  e 
parecendo mergulhar no mar. 

— Olhe, Rowan — Ellen exclamou. — Não é lindo? 
— O que é isso? 
—  Um  arco-íris.  Ele  aparece  só  quando  chove  e  o  sol  brilha  ao  mesmo 

tempo.  É  como  uma  promessa.  uma  promessa  de  que  tudo  vai  dar  certo...  — 
Entretanto, pensou com amargura, nada mais dará certo para mim. Pensando no 
que  tinha  acontecido  no  estúdio,  em  Inchcullin,  Ellen  concluiu  que  aqueles 
momentos de amor e prazer físico tinham sido uma loucura, mas talvez fossem 
uma  promessa  que  fora  quebrada  pelo  impacto  da  notícia  de  Morag,  como  o 
arco-íris que agora se esvanecia. 

— A senhora disse que gostaria de ir para o hotel, sra. Craig? — A voz 

de  James  Blair  interrompeu  seus  pensamentos  e  ela  verificou  que  o  carro 
passava vagarosamente pela rua principal da cidade, em direção ao cais, onde as 
luzes já estavam acesas. 

— Sim, por favor — respondeu ela, e o Rolls parou na frente da entrada 

de uma hospedaria do século XVIII, o único hotel em Portcullin. 

— Papai está aqui? — Rowan perguntou, enquanto entravam no saguão, e 

Ellen  sentiu  um  impacto.  Não  podia  imaginar  que  as  poucas  horas  que  Rowan 
passara  com  Dermid  fossem  tão  importantes  para  o  filho,  a  ponto  de  ele 
perguntar pelo pai, querer a companhia dele. Rowan vai sofrer, ela concluiu, até 
que se esqueça do pai. 

— Não, não está — Ellen respondeu virando-se para James que trouxera 

a mala pesada até a entrada da hospedaria. — Muito obrigada, James. Você não 
precisa esperar mais. 

— Pois não — murmurou ele. — Então vou voltar para casa. 
Ergueu  o  boné  polidamente  em  despedida  e  saiu.  Ellen  dirigiu-se  à 

recepção. Não havia ninguém lá e todo o lugar parecia deserto. Sobre o balcão 
havia  uma  campainha  prateada  com  um  bilhete  sugerindo  que  a  tocassem  se 
quisessem ser atendidos. Então ela a apertou. 

— Mamãe, quero ir para o castelo — choramingou Rowan. — Quero ver o 

papai! 

Ellen  não  respondeu.  Percebeu  imediatamente  que  Rowan  ficaria 

insistindo  que  queria  voltar  e  sentiu-se  desanimada.  Precisaria  ser  forte  e 
paciente para ignorar aqueles pedidos insistentes e distrair  o filho de alguma 
forma. Ellen tocou a campainha pela segunda vez e ouviu, com alívio, uma porta 
abrir-se e fechar-se e depois som de passos no assoalho de madeira. 

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—  Mamãe,  por  que  não  posso  voltar  para  o  castelo?  Quero  ir  de  carro 

para o castelo! 

— Fique quieto, querido, vem vindo alguém. 
Luzes  atrás  do  balcão  se  acenderam.  Uma  mulher  pequena  de 

aproximadamente uns trinta anos apareceu. 

— Em que posso servi-los? — perguntou ela, cerimoniosamente. 
—  Será  que  o  sr.  Morrison  está?  Fui  informada  de  que  ele  poderia  me 

dar informações a respeito dos vôos para Glasgow. 

—  Fergus  está  fora  hoje  e  a  senhora  não  chegará  ao  aeroporto  para  o 

próximo e último vôo do dia, a não ser que tenha carro — a mulher respondeu. 
Seus  olhos  castanhos  brilhavam  de  curiosidade  enquanto  olhava  para  Ellen  e 
para Rowan. 

— Mas eu pensei que o hotel providenciasse transporte até o aeroporto. 
— Só no verão. 
—  Existe  então  algum  lugar  onde  eu  possa  alugar  um  carro  e  dirigir  eu 

mesma até Glasgow? 

— Não em Portcullin. Acho que a senhora terá que esperar pela balsa, ou 

pelo ônibus amanhã. 

— Certo. A senhora tem um quarto para mim e para o menino? 
— Nós não recebemos hóspedes nesta época do ano. A estação acaba no 

princípio de outubro. — Os olhos brilhantes dirigiram-se para Rowan. — Mas se 
vocês  não  têm  onde  ficar  eu  arrumarei  as  camas  no  quarto  da  frente,  no 
primeiro andar. 

— Tem uma refeição? 
— Só carne fria e picles e posso cozinhar ovos para o garoto. Está bem 

assim? 

— Sim, obrigada. 
A mulher pegou um livro sob o balcão. Ela ofereceu uma caneta a Ellen e 

disse: 

— Por favor, escreva seu nome e endereço no registro 
Ellen escreveu seu nome e o de Rowan e colocou o endereço de sua mãe 

em Ottawa. A mulher pegou o livro para conferir. 

—  Vocês  têm  algum  parentesco  com  os  Craig  de  Inchcullin?  —  ela 

perguntou. 

— Sim — Ellen se preparou para as inevitáveis perguntas, mas a mulher 

apenas  lhe  lançou  um  olhar  estranho  antes  de  guardar  o  livro  e  pegar  uma 
chave no quadro na parede. 

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Meia hora mais tarde, Ellen e Rowan estavam sentados numa das mesas 

da  sala  de  jantar  e  esperavam  pela  mulher  que  se  apresentara  como  Mary 
Momson, esposa de Fergus. Quando a mulher voltou para perguntar se eles já 
tinham terminado a refeição, trouxe junto uma menina de mais ou menos doze 
anos. 

— Talvez o menino queira ver televisão junto com Fiona — ela sugeriu. — 

Há um programa infantil e talvez isto distraia o garoto até que ele fique com 
sono. 

Para alívio de Ellen, Rowan gostou da idéia e foi com Fiona ver televisão. 

Ellen se serviu de mais uma xícara de chá. 

—  Ele  é  muito  parecido  com  o  pai  —  Mary  falou,  enquanto  recolhia  os 

pratos. 

— A senhora conhece Dermid... meu marido? 
— Sim, eu estudava na escola primária e ele também, aqui em Portcullin. 

Depois o avô o mandou para o colégio, só para meninos, em Glasgow. 

Ellen  colocou  sua  xícara  vazia  sobre  a  mesa  e  levantou-se.  Não  queria 

mais se envolver em nenhuma conversa a respeito de Dermid. 

—  Há  um  telefone  que  eu  possa  usar?  Preciso  ligar  para  uma  prima  em 

Ayr  e  pedir  a  ela  para  me  esperar  amanhã.  A  senhora  pode  me  dizer  a  que 
horas a balsa chega? 

—  Se  o  tempo  estiver  bom,  a  balsa  deverá  chegar  às dez  e  quarenta  e 

cinco. O telefone está no hall, perto da escada. 

Ellen  encontrou  facilmente  o  número  do  telefone  de  Sheila  Moffatt. 

Uma voz de homem atendeu. 

— A sra. Moffatt está? 
— Não. Quer deixar algum recado para ela? 
— Aqui é Ellen Craig. É Ian? 
— Sim, é. Ellen, onde você está? E uma ligação internacional? 
—  Não,  eu  estou  em  Portcullin.  Eu  estou  aqui  em  visita  e  gostaria  de 

saber se posso ficar com sua mãe até sábado que vem, quando pretendo voltar 
para Ottawa. 

—  Oh,  sinto  muito  Ellen,  mas  não  vai  ser  possível.  Mamãe  não  está.  Ela 

está  fazendo  um  cruzeiro  e  só  vai  voltar  no  fim  de  março.  E  amanhã  também 
saio  em  viagem  para  supervisionar  a  instalação  de  um  novo  maquinário; 
portanto, sinto, mas não posso convidá-la para hospedar-se aqui. Você pretende 
ficar em Inchcullin? 

— Sim. Foi bom falar com você, Ian, mas preciso desligar agora. 

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—  Mamãe  vai  ficar  triste  de  não  ter  visto  você.  Da  próxima  vez  Ellen, 

avise antes. Nós vamos ter o maior prazer em recebi sua visita. 

— Está certo! Obrigada e adeus. 
Ellen desligou o telefone e ficou ali parada pensando. O que iria fazer? 

Onde  poderia  ir  nos  próximos  dias?  A  única  pessoa  que  teria  condições  de 
hospedá-la  era  Molly  MacIntyre,  sua  prima  em  Kilruddock,  mas  não  podia  ir 
para lá, pois Dermid também iria. Precisava encontrar um hotel onde ficar. Ou 
talvez conseguisse voltar para Ottawa antes de sábado. 

Abriu  sua  bolsa  e  pegou  as  passagens  de  avião.  Lá  ela  encontrou  o 

número do telefone do escritório local da companhia aérea. Logo estava falando 
com  um  funcionário  que,  sem  maiores  dificuldades,  transferiu  as  reservas 
feitas para ela e Rowan no vôo de sábado para um vôo no dia seguinte, que saía 
ao  meio-dia.  Agora,  a  única  dificuldade  seria  encontrar  um  táxi  que  a  levasse 
até o aeroporto. 

Com tudo resolvido, Ellen sentiu-se mais relaxada e voltou à sala do hotel 

onde Rowan assistia tevê junto com Fiona. Ela esperou ali até que o programa 
terminasse  e  depois  Convenceu  o  filho  a  subir  e  tomar  banho,  Rowan  estava 
contente,  porque  no  momento  parecia  ter  esquecido  o  castelo  e  o  pai.  Só 
quando  ele  já  estava  deitado,  quase  dormindo,  foi  que  falou  sobre  Dermid 
novamente. 

— O papai vem dormir naquela cama com você? 
— Hoje não. 
— Nós vamos encontrar o papai amanhã? 
—  Talvez  —  ela  respondeu  diplomaticamente  não  querendo  perturbá-lo. 

— Você quer que eu conte uma história? 

— Sim. 
Ellen contou uma de suas favoritas e ele a ouvia com atenção embora já 

soubesse a história. Finalmente adormeceu. 

Ellen  deixou  a  porta  aberta  e  a  luz  da  cabeceira  acesa  e  desceu 

novamente  para  a  sala.  Fiona  tinha  ido  embora,  mas  a  televisão  ainda  estava 
ligada.  Então  Ellen  assistiu  o  fim  do  jornal.  Quando  acabou,  foi  para  o  hall. 
Ouviu o som de vozes que vinham da direção do bar. Procurando Mary Morrison, 
Ellen espiou pela porta. Como ela imaginara, Mary estava atrás do bar servindo 
cerveja. 

— Algum problema se eu sair para um passeio? 
—  Não,  só  avise  Fiona.  Ela  escutará  se  o  garoto  chamar.  Ela  está  na 

cozinha fazendo suas lições da escola. 

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Ellen  pegou  seu  casaco  lá  em  cima  e  foi  procurar  Fiona,  que  concordou 

em  ficar  atenta  a  Rowan.  Já  na  rua  notou  um  carro  que  vinha  devagar  pela 
colina e percebeu que parava atrás dela. Mas continuou caminhando em direção 
ao porto. 

O  ar  estava  frio  e  úmido,  cheirando  a  peixe  e  maresia.  Ellen  caminhou 

depressa e não cruzou com ninguém até chegar ao cais dos pescadores. 

Continuou  a  caminhar  até  a  cerca  que  limitava  o  cais  do  terminal  da 

balsa.  Por  alguns  momentos  ficou  ali  parada,  olhando  a  cerca.  Amanhã,  ela  e 
Rowan partiriam na balsa e à tarde já estariam no Canadá. 

De  repente,  percebeu  que  a  idéia  do  regresso  a  deixara  triste.  As 

lágrimas rolaram dos seus olhos e as luzes da balsa dançavam à sua frente. No 
fundo, não queria ir. Não queria abandonar Dermid. Depois daquele reencontro, 
seu único desejo era ficar com ele e não importava mais nada do que ele tivesse 
feito  nos  últimos  três  anos,  porque  ela  o  amava  e  nunca  amaria  outro  homem. 
Que  louca!  O  que  estava  fazendo  ali,  sozinha?  Por  que  não  tinha voltado  para 
Inchcullin? Para junto de Dermid? 

Passos soaram nas pedras do cais. Rapidamente ela enxugou as lágrimas 

e  virou-se  para  caminhar  de  volta  ao  hotel.  Quem  quer  que  estivesse 
caminhando pelo cais havia sumido nas sombras porque ela ainda ouvia o barulho 
dos  passos,  mas  não  via  ninguém.  Não  poderia  ser  um  pescador,  porque  um 
pescador  usaria  botas  de  borracha,  certamente,  que  fariam  um  ruído 
diferente. E agora parecia que os passos estavam mais próximos... 

O coração de Ellen bateu forte, quando uma figura surgiu das sombras e 

caminhou na direção dela. 

—  Ellen,  por  que  você  não  voltou  para  Inchcullin?  —  A  voz  de  Dermid 

estava áspera. 

— Como você veio até aqui? 
—  James  me  trouxe.  Nós  chegamos  logo  que  você  saiu  do  hotel  e  eu  a 

segui pelo cais. Por que você não levou Rowan para casa? Por que você está no 
hotel? 

—  Eu...  eu...  queria  ficar  perto  do  terminal,  onde  vamos  pegar  a  balsa 

amanhã cedo. 

— Você vai ficar com Sheila? Eu acho que lhe disse que não quero Rowan 

lá, e que ele ficaria comigo enquanto você estivesse visitando Sheila em Ayr. 

— Sim, você falou, mas... 
—  Você  está  sempre  querendo  contrariar-me  —  ele  a  interrompeu 

asperamente. 

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—  Não,  não  é  isso.  Eu  não  vou  para  Ayr.  Sheila  não  está  lá.  Ela  está 

viajando. — Ellen deu um suspiro e falou: — Antecipei as passagens. Rowan e eu 
vamos voltar para o Canadá amanhã e não mais no sábado. 

— Para o inferno, você! Por quê? 
—  Assim...  assim...  você  pode  pedir  o  divórcio  e  casar-se  com  Morag 

Menteith. 

— Então eu posso fazer o quê? Você está louca? 
— Não, acho que não estou. Já pensei muito — ela continuou firmemente 

— e decidi que não vou ser como Bárbara, a prima de minha mãe. A esposa do 
seu pai. Não vou tornar as coisas difíceis para você e Morag, como Bárbara fez 
com  seu  pai  e  sua  mãe.  Desde  que  você  concorde  em  deixar-me  ficar  com  a 
tutela de Rowan. 

—  Ellen.  eu  não  estou  entendendo  absolutamente  de  onde  você  tirou 

essas  idéias  malucas.  Mas  de  uma  coisa  eu  tenho  certeza:  eu  não  quero  me 
casar com Morag. 

— Mas você deve, você não pode deixar que seu filho seja ilegítimo. Você 

não pode. 

— Porquê? 
— Porque... porque ele é seu e... 
—  Não  é,  maldição!  Meu  Deus,  você  acreditou  naquilo?  Você  não  tem 

conceito muito bom sobre mim, Ellen, pois sempre aceitou a opinião de sua mãe 
e de Sheila Moffatt. Mas agora vai ter que me ouvir: não tenho nada a ver com 
a gravidez de Morag, ouviu? Nada! 
 

— Então, por que ela foi contar a você sobre a gravidez? 
— Não sei. Eu acho que Morag ia contar para a mãe dela e quando não a 

encontrou,  foi  falar  comigo  porque  pensou  que  eu  poderia  ajudá-la.  Algumas 
pessoas confiam em mim, mesmo que você não acredite. Também acho que ela 
temia  a  reação  da  mãe  e  se  você  conhecesse  Ann  melhor  entenderia  por  quê. 
Ann não aprova permissividade de nenhuma forma. Tem pouco contato com os 
filhos  porque  sempre  colocou  a  profissão  em  primeiro  piano.  Por  isso,  o  filho 
dela é delinqüente e Morag é... Bem, você sabe o que aconteceu a ela. E se você 
não fosse tão insegura e impaciente, se não tivesse tido tanta pressa de ir para 
Auchinshaws, para buscar Rowan, teria descoberto mais. Teria descoberto que 
Morag pensa que Ângus é o pai. 

— Ângus? — Ellen exclamou. — Então por que ela não foi procurá-lo para 

contar a ele? 

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—  Como  você  espera  que  eu  saiba?  Talvez  ela  tivesse  medo  de  que  ele 

fosse negar. Mas realmente eles tiveram muitas oportunidades, quando fizemos 
o cruzeiro. Sempre saíam juntos. 

— Onde Morag está agora? 
— Com a mãe dela. 
— Ângus já sabe a respeito da gravidez. Eu contei a ele. 
— Você contou? Por quê? 
— Porque... oh, porque ele me perguntou os motivos pelos quais eu achava 

que existia alguma coisa entre você e Morag. 

— E por que vocês estavam conversando sobre isso? 
—  Porque  eu  estava  comentando  com  ele  e  com  Kate  os  motivos  pelos 

quais eu não poderia mais viver junto com você, e Ângus começou a ironizar. 

— O que ele disse? 
—  Ele  me  acusou  de  desistir  por  não  suportar  a  competição.  Ele...  Ele... 

se  referia  a  Ann  Menteith  e  eu...  eu  disse  que  era  Morag  e  não  Ann.  Oh, 
Dermid, por favor, não fique assim! Eu sinto muito. Eu sinto muito que eu tenha 
chegado a uma conclusão tão errada, sinto mesmo. 

— Você pensa que pedindo desculpas apaga tudo o que você fez? Tudo o 

que pensou? Eu deveria deixá-la aqui sozinha, ir buscar Rowan, tomá-lo de você 
antes que você o torne meu inimigo. 

— Não, você não seria tão cruel. 
— Não seria? Sabe, você tem se comportado de maneira muito estranha 

desde  que  nós  nos  reencontramos.  Ficou  o  tempo  todo  na  defensiva  como  se 
existisse  alguma  coisa  a  seu  respeito  que  você  não  queria  que  eu  soubesse.  E 
esta  falta  de  confiança...  Parecia  que  você  estava  sempre  tentando  arrancar 
uma razão para o fim do nosso casamento e, de preferência, uma razão que me 
culpasse, que eu fosse a parte culpada no processo de divórcio. Eu me iludi hoje 
quando entrei na sala e escutei o que você estava contando para Morag. 

— Eu  só  estava dizendo aquilo  pra  colocá-la no seu lugar. Morag estava 

comentando que todos estavam fofocando que eu só tinha voltado porque você 
havia  herdado todos os  bens  e  o  dinheiro  do  seu  avô. E  eu  queria  deixar  bem 
claro que tinha voltado porque você pediu. 

— Então, quando você disse que tinha voltado porque estava cansada de 

viver sem mim, não estava sendo sincera? 

— Falei sem pensar... 
— Falou o que não sentia realmente? 
Dermid aproximou-se e beijou-a suavemente. 

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—  Todas  as  vezes  que  estamos  discutindo  sobre  nosso  futuro,  você  me 

beija e depois... e depois eu não consigo mais pensar direito. Não, Dermid... — 
Mas  foi  interrompida  por  um  beijo  arrebatador,  sensual,  que  despertou  um 
desejo ardente por aquele homem... como se tivessem acabado de se encontrar. 

—  Esse  beijo  não  significa  nada,  Ellen?  Não  prova  que  ainda  nos 

desejamos  mesmo  depois  de  três  anos  de  separação,  com  o  mesmo  ardor  de 
sempre? 

—  Desejo,  sim,  mas  não  amor.  Se  você  me  amasse  nunca  teria  sugerido 

uma separação. 

— E, se  você  me amasse, se realmente  me amasse, nunca teria  deixado 

que  a  nossa  separação  fosse  tão  longa.  Cabia  a  você  terminá-la,  dizendo  que 
estava cansada de ser livre e independente. Ellen, se existe um outro homem... 
que você ama, por que você não diz? Assim resolvemos o problema. 

— Não existe ninguém. Nunca! 
— Então é o emprego. Ele é mais importante para você do que o fato de 

ser casada comigo. E isso? É por causa do seu trabalho que você quer ir embora 
amanhã? 

—  Eu...  eu...  eu  não  tenho  certeza.  Oh,  aqui  está  muito  frio.  Vou  voltar 

para o hotel. 

Ela  se  voltou,  caminhando  rapidamente  e  não  olhou  para  trás  nenhuma 

vez para ver se Dermid a seguia. Não viu o Rolls estacionado na frente do hotel 
e,  enquanto  abria  a  porta  para  entrar,  imaginou  onde  James  o  estacionara.  O 
hall estava escuro como sempre, só havia uma lâmpada acesa atrás do balcão da 
recepção. De repente, Ellen, distraída, tropeçou perdendo o equilíbrio e caindo 
para a frente. 

—  O  que  aconteceu?  —  perguntou  Dermid  enquanto  ajudava  Ellen  a  se 

levantar. Abraçando Ellen com ternura perguntou se ela estava 

— Eu não olhava para o chão enquanto caminhava e tropecei na bagagem 

de alguém. 

— Na nossa bagagem, sua e minha. Eu disse a James para deixá-la aqui, 

mas pensei que ele teria bom senso e não a colocaria no meio do caminho. Você 
tem certeza que está bem? 

—  Sim.  Machuquei  as  pernas  e provavelmente  desfiei as  meias.  Por  que 

você trouxe o resto de minha bagagem? 

— Eu pensei que poderia precisar de suas coisas. E eu trouxe as minhas 

porque onde você for eu vou também. 

— Mesmo se eu for para o Canadá? 
— Mesmo que você insista em ir para lá. 

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— Mas e seu trabalho? Você disse que só tinha dois dias de folga. 
—  Sim,  mas  quando  telefonaram  hoje  eu  disse  que  não  me  esperassem 

mais  esta  semana,  que  eu  tinha  decidido  passar  mais  tempo  junto  com  minha 
mulher e meu filho. 

— Oh! Eu não entendo mais nada. Você mudou muito. 
—  Não,  não  realmente,  Ellen.  Eu  aprendi  a  amá-la,  enquanto  estávamos 

separados, só isso, simples, não?  

— Embora pareça loucura — concordou —, aqui existe algum lugar onde 

possamos nos sentar sozinhos, um lugar bem aquecido? 

— A sala... talvez? 
O fogo na lareira da sala aquecia o ambiente vazio. Ellen tirou seu casaco 

molhado  e  colocou-o  sobre  uma  cadeira,  depois  foi  sentar-se  no  sofá,  em 
frente  ao  fogo,  e  estendeu  suas  mãos  frias  para  o  calor.  Depois  de  tirar  seu 
casaco de lã de carneiro, Dermid foi para perto da lareira, mas não se sentou. 
Ficou em pé, olhando as chamas. 

— Lá fora, no cais, você disse que eu não a amava porque sugeri a nossa 

separação.  Eu  não  a  amava.  Não  propriamente,  não  o  suficiente  para  repartir 
você  com  um  emprego  ou  com  uma  criança,  não  o  suficiente  para  continuar 
casado com você. 

— Então, por que se casou comigo? 
—  Você  sabe  por  quê.  Eu  desejava  você.  Desejava  tanto  e  era  o  único 

jeito de tê-la. Se eu não tivesse pedido você em casamento, você teria voltado 
para o Canadá no final de suas férias antes que eu pudesse... Eu só queria uma 
relação  sexual  e  amaldiçoei  o  futuro,  eu  não  dei  importância  ao  fato  de  que 
você  talvez  não  estivesse  madura  o  suficiente  para  o  casamento.  Não  me 
incomodei com o que pudesse acontecer a você. Pensei só em mim... 

— Não quero ouvir mais nada. Eu não quero saber... 
— Mas você precisa. Preciso contar e quero ter a esperança de que você 

esteja disposta a começar tudo outra vez. 

— Você... você quer que eu volte para você? 
— Eu quero viver junto com você outra vez. 
— Para a felicidade de Rowan? 
— Também, mas principalmente porque eu gostaria de ser seu amante e 

seu marido outra vez. Veja, Ellen, descobri enquanto nós estivemos separados 
que minha vida não tem nenhum sentido longe de você. 

— Então por que você não me pediu para voltar antes? 
— Eu tenho que admitir que quando nós nos separamos eu fiquei contente 

com  a  liberdade.  Era  bom  poder  fazer  só  o  que  eu  queria,  sem  ter  que  dar 

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satisfações  a  ninguém,  e  foi  com  uma  certa  relutância  que  eu  lhe  escrevi  no 
final  daquele  ano.  Mas  sua  resposta  veio  como  um  choque.  Parecia  que  você 
também estava muito feliz com a sua liberdade. 

— E foi aí que você decidiu não se importar mais comigo, não foi? 
— Foi. Eu pensei que poderia encontrar alguém para substituí-la, mas não 

consegui.  Além  disso  você  parecia  tão  contente  longe  de  mim  que  seria  muito 
difícil afogar o orgulho e lhe pedir  que  voltasse. A única coisa  que eu poderia 
pedir  era  que  você  trouxesse  Rowan.  Tinha  esperança  de  que  quando  nos 
encontrássemos  novamente  conseguiríamos  descobrir  se  queríamos  mesmo 
continuar  casados.  Foi  então  que  vovô  morreu  e  o  testamento  deu-me  a 
oportunidade de procurar você. 

— Eu ainda acho que você me enganou só para que eu voltasse. 
— Não tenho remorso. Você veio e é tudo. 
Sentou-se perto dela, a cabeça recostada em seu ombro, como se ainda 

não acreditasse naquele desfecho inesperado, enquanto ela dizia: 

—  Eu  costumava  ter  insônias,  tentando  lembrar  de  você,  do  jeito  como 

ria,  de  sua  boca,  de  seus  beijos,  de  seu  corpo...  de  como  a  gente  se  amava. 
Sempre  amei  você  durante  esse  tempo  todo,  mas  fingia  para  mim  mesma  que 
não  era  verdade,  porque  achava  que  não  era  correspondida.  Quanto  tempo 
perdemos em nossa vida! 

— Não foi um tempo perdido, querida, mas necessário para entendermos 

esse  amor!  Você  tinha  de  descobrir  que  era  capaz  de  ser  auto-suficiente,  de 
assumir  sozinha  a  sua  vida.  E  eu  precisava  ter  coragem  de  mostrar  a  mim 
mesmo que você é a coisa mais importante de minha vida! 

Seus  lábios  se  encontraram  suavemente  e  depois,  com  uma  paixão 

violenta, o desejo tomou conta dos dois. 

—  Ellen,  cuidado —  suspirou  Dermid,  afastando  seus lábios  dos  dela  —, 

você sabe o que pode acontecer... 

—  Mas,  agora,  é  importante  que  aconteça,  pois  tenho  certeza  de  seu 

amor. 

— Então diga para mim, quantas camas existem naquele quarto que você 

alugou. 

— Duas, uma de casal e outra de solteiro. 
— Será que vou precisar tirar Rowan outra vez da cama de casal? 
—  Não,  ele  já  está  na  outra.  Ele  até  quis  saber  se  você  vinha  para  me 

fazer companhia. 

— E o que você respondeu? 
— Que não, é claro, pois não tinha a menor idéia de que você vinha. 

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— Eu já lhe disse que vou para onde você for. Até mesmo para Ottawa, 

se houver lugar naquele vôo de amanhã. 

— Mas eu não vou mais para lá... 
— Então para onde vai? 
— Para Kilruddock, com você, para começarmos tudo outra vez. 
— E o seu emprego? 
— Não importa mais. Enquanto trabalhava só pensava em você. 
—  Então  não  precisa  mais  pensar,  Ellen.  Estamos  juntos  outra  vez  e 

agora só uma coisa importa: que seja para sempre, meu amor! 

 

FIM