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Uma noite de paixão 
 
Flora Kidd 
 
Título original: Beyond control 
 
Sabrina no. 177 
 
Publicado em 1982 
 
Resumo:- A conveniência e o desespero foram as únicas razões daquele casamento estranho. Sem 
memória e sem documentos, num país sacudido por uma revolução, Kate aceitou ser a sra. Sean Kierly só 
para poder fugir de volta à Inglaterra. Depois disso se separaram e ela tentou desesperadamente arrancar 
da memória a noite de amor que passou nos braços de Sean. Não conseguiu. Nada poderia apagar o amor 
que sentia por ele. E agora que Sean a procurava para tratar do divórcio, Kate queria dizer não. Mas de 
que adiantaria lutar, se Sean não a desejava e só tinha ido para cama com ela por pena? 
 
                                                        
 
 
                                                           CAPITULO I 
 
 
 

 

Num quartinho simples da Missão de Santa Rosa, uma jovem de vinte e um anos estava sentada na beira 
da cama olhando, distraída, para a poeira que brilhava através dos raios de sol. Vestia uma camiseta de 
algodão branco, barata, e uma saia de algodão cinza, com elástico na cintura. Seu rosto oval seria bonito, 
se não fosse tão magro e pálido. Os cabelos eram castanho-avermelhados, puxados para trás e amarrados 
num rabo-de-cavalo. Tudo nela demonstrava desânimo e apatia.

 

Alguém bateu na porta do quarto. Ela virou-se tão lentamente que parecia que aquela batida a tinha 
ferido.

 

— Entre — disse, cansada.

 

O dia estava muito quente, e gostaria que já fosse hora da siesta. Então, fecharia as janelas e poderia 
deitar. Para dormir? Duvidava. Tinha dormido pouco nos últimos dias, perturbada, como todos os outros 
na missão, pelo som das bombas e explosões que vinha da cidade.

 

A porta se abriu e uma mulher gorda, vestida de cinza e com a coifa branca das freiras,  entrou.   Sorriu,  
deixando ver os dentes  brancos e perfeitos que contrastavam com a pele bronzeada. 
—  Um amigo veio vê-la, finalmente — anunciou. — Um rapaz.

 

—  Da   Inglaterra?   —   A   moça   pareceu   interessada   e   seus   olhos castanhos se arregalaram, 
brilhando.

 

—  Sí. Ou dos Estados Unidos... não tenho certeza. Ele fala espanhol muito bem. Quer vê-lo? Está no 
jardim. Talvez, quando falar com ele, sua memória volte um pouco. O dr. Gonzalez disse que isso 
acontece quando se vê alguém familiar — disse a freira.

 

A jovem levantou-se, mostrando-se mais animada. Automaticamente, arrumou a camiseta e alisou os 
cabelos. Será que, finalmente, suas preces tinham sido atendidas? Será que ia encontrar alguém que a 
conhecera antes do acidente de avião? Sabia apenas que seu nome era Kate Lawson e era inglesa. O 
pessoal da companhia de aviação tinha dado essas informações. Sabia também que estava viajando com 
os pais e que ambos morreram no acidente. Além disso, não sabia mais nada do que tinha acontecido em 
sua vida, antes de recobrar a consciência no hospital da missão.

 

Seguiu a irmã Mônica pelos corredores. Era a freira encarregada de cuidar dela, por ser a única que falava 
um pouco de inglês. Caminharam através de pequenos jardins internos forrados de azulejos, com 
laranjeiras e fontes. Entretanto, as fontes estavam secas: desde que começara a revolução em San Marco 
— aquele pequeno país da América Central —, toda água era usada com muita economia, na missão.

 

Um homem, de pé junto de um lago, olhava as águas paradas e lodosas. Tinha estatura média, ombros 
largos; usava short, camisa caqui, sandálias e um chapéu de palha do tipo que os nativos usavam para se 
proteger do sol, nas plantações.

 

—  Senor, aqui está a senorita Lawson — a freira anunciou.

 

Ele virou-se depressa e Kate teve a sensação de ser um homem cheio de energia, mas muito controlado. 
Durante um momento permaneceu parado, olhando-a. Depois, tirou o chapéu e veio ao seu encontro. 

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Tinha a pele bronzeada, olhos cinzentos e cabelos escuros. Colocou as mãos nos ombros dela e puxou-a 
para si.

 

—  Kate,    que    bom    vê-la,    finalmente    —    disse    calorosamente, encostando o rosto ao dela 
numa carícia afetuosa. — Sou Sean Kierly,

 

seu noivo. Antes de você sair da Inglaterra, tínhamos 

planejado casar no ano que vem. — Aproximou os lábios do ouvido dela e murmurou: — Se não lembra, 
finja que sim. É o único jeito de sair deste lugar. Eu prometi a Hugh que faria o possível para encontrá-la 
e levá-la de volta.

 

—  Hugh? — ela repetiu, encarando-o e procurando aquele nome na memória.

 

—  Hugh O'Connor, o irmão da sua mãe. Ele queria vir pessoalmente, quando ouviu falar que você estava 
aqui, mas não conseguiu o visto. A confusão aqui é tanta, que se tornou difícil para os estrangeiros 
entrarem no país.

 

—  Então, como está aqui?

 

Os olhos dele tinham reflexos dourados quando sorriu. Acariciou-a no rosto.

 

—  Aquela  batida  na  cabeça  acabou  mesmo  com  a  sua  memória, queridinha. Sou repórter. Fui 
mandado para cobrir a revolução, para uma agência de notícias internacional. Nós nos encontramos na 
casa do seu tio Hugh,  em  Hampstead.   Você  ainda  estava  na escola  de  música,  em Londres.   
Estudava   piano   e   canto.   —   Aproximou-se   do   rosto   dela novamente. — Pelo amor de Deus, finja 
que lembra de mim; senão, vão me mandar embora.                                                 
—  Estou contente em vê-lo — ela falou, com sinceridade, abraçando-o pelo pescoço.

 

—  Assim é melhor. Está convencendo — ele murmurou, beijando seus lábios. — A freira entende bem 
inglês?

 

—  O suficiente — respondeu, olhando preocupada para a velha.

 

Ele a soltou, virou-se para a irmã Mônica e falou em espanhol. A freira respondeu, fazendo uma porção 
de gestos, e dirigiu-se a Kate em inglês.

 

—  Sabe, senorita, não posso deixá-la a sós com ele. Tenho ordens de nunca deixá-la a sós, a não ser 
quando está no quarto... o senor Valdez insistiu nisso.

 

—  Valdez?  O   general   Valdez,   líder  do  exército  guerrilheiro,  que acabou de se tomar presidente? 
—  Sean Kierly perguntou.

 

—  Si, senor. Ele disse que é muito importante que a senorita Lawson seja protegida, para o bem dela.

 

— Vou falar com ele — Sean disse,  com firmeza.  — O general deixará que saia do país quando souber 
que somos noivos, tenho certeza. 
Confiará em mim e fará tudo que eu pedir, para sair daqui, Kate? — ele falou baixinho, disfarçando para 
que a freira não ouvisse.

 

A moça observou-o por algum tempo. Ele tinha olhos frios e um perfil aquilino. Mas era a resposta às 
suas orações: alguém que tinha vindo salvá-la.

 

—  Sim,   farei   tudo   —   respondeu,   acariciando-lhe   os   cabelos   e erguendo os lábios, num convite 
silencioso.

 

Novamente viu as partículas douradas brilhando em seus olhos e seus lábios se encontraram. Os dela, 
trêmulos e medrosos; os dele, quentes, mas contidos. Ficaram muito juntos durante um momento, 
ofegantes e dominados por emoções diferentes. Depois, ele a empurrou, como se não se atrevesse a 
abraçá-la por mais tempo.

 

—  Perdoe-nos, irmã — disse em inglês. — Há muito tempo que não vejo Kate. Estávamos noivos e 
íamos casar mas até há poucos dias pensei que nunca mais fosse vê-la. — Sorriu. — Pode perceber que 
estamos muito apaixonados.

 

—  É verdade? — a irmã perguntou, dirigindo-se a Kate.

 

—  Sim, é verdade — ela disse, alegremente. — Eu me lembro. Oh, irmã, não é maravilhoso? Lembrei 
dele, assim que o vi.

 

—  Deus teve piedade de você e nossas preces foram atendidas.  Vai contar ao general Valdez, quando for 
vê-lo, senor?

 

—  Contarei  a ele hoje ou amanhã.  Enquanto isso,  hasta  Ia vista, querida.  — Sean  sorriu e o coração 
de Kate  bateu  feliz.  — Esteja preparada para tudo, quando eu voltar. — Beijou-a no rosto.

 

Deixando-o no pátio, a irmã Mônica levou Kate de volta ao quarto. Ficando a sós, Kate fechou a porta e 
sentou-se perto da janela, observando os campos secos de San Marco.

 

—  Sean, Sean Kierly. — Repetiu o nome uma porção de vezes, mas nada  surgiu  em  sua  memória.   
Não  havia  nenhuma  imagem  daquele homem.

 

Mas o nome devia significar alguma coisa, se estivera apaixonada por ele, Como tinha dito. Sean Kierly! 
Não era um nome inglês. Sean era um nome irlandês. Kate respirou fundo, surpresa. Como sabia daquilo? 
Suspirou. O dr. Gonzalez tinha dito que lembraria de coisas comuns, como nomes de países e a língua que 
falava. Apenas fragmentos da sua memória tinham desaparecido.

 

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Tocou os lábios, lembrando do beijo dele. Talvez seus sentidos o tivessem reconhecido. Oh, como aquilo 
tudo a atormentava e fazia sua cabeça doer!

 

Hugh O'Connor. Outro nome irlandês? O irmão de sua mãe. Seu tio. Será que a mãe era irlandesa? 
Tinham lhe dito que os pais eram ingleses e vieram para San Marco há mais de um ano, porque o pai era 
geólogo e supervisionava um campo de exploração de petróleo. O avião ia levá-los aos Estados Unidos, 
mas caíra logo após a decolagem. Kate era a única sobrevivente.

 

Levantou-se e caminhou pelo quarto. A chegada de Sean, apesar de não lhe devolver a memória, pelo 
menos a havia tirado daquela apatia em que vivera nos últimos tempos. Agora sabia que gostava de 
música. Flexionou os dedos. Tocava piano. Não era de admirar que tivesse dedos fortes! E cantava, 
Cantou algumas notas do hino que as freiras cantavam de manhã. Tinha a voz profunda e pura.

 

Tocava piano e cantava. Estudava música em Londres, quando ficara noiva de Sean Kierly. Corou, ao 
pensar no casamento. Ia casar com aquele homem dinâmico. Como ele podia sentir alguma atração por 
ela? Mas ela também sentia uma grande atração por ele.

 

Desejou que tivessem ficado mais tempo juntos. Mas ele voltaria e, quando voltasse, a levaria embora. De 
volta à Inglaterra, ã sua vida antiga, talvez conseguisse lembrar de tudo.

 

Sean não voltou naquele dia; mas, tranquilizada pela certeza de ter alguém que a amava, em San Marco, 
Kate dormiu melhor.

 

Tinha tomado café e voltado para o quarto, na manhã seguinte, quando a irmã Mônica veio buscá-la para 
irem ao escritório da madre superiora, onde o general Valdez, o dr. Gonzalez e o senor Kierly a 
esperavam.

 

Ao entrar, Kate foi direto para Sean, sorrindo e erguendo o rosto para ser beijada.

 

—  Então, senorita Lawson, ficamos sabendo que sua memória voltou — disse o dr. Gonzalez olhando-a, 
curioso. — A irmã Mônica disse que reconheceu o senor Kierly, logo que o viu.

 

—  Sim. — Kate segurou a mão de Sean. — Mas ainda não consegui lembrar de tudo.

 

O médico virou-se para o homem que estava a seu lado e falou em espanhol. O general Valdez era 
baixinho, de ombros largos, e devia ter uns trinta e cinco anos. Tinha cabelos crespos, oleosos; barba 
preta, cacheada; olhinhos escuros, brilhantes e muito próximos do nariz. Quando o médico terminou de 
falar, o general se aproximou de Kate e fez uma reverência. 
—  Sou Diego Valdez, senorita, e lamento não termos nos encontrado antes — disse, num inglês 
carregado de sotaque. Depois encarou Sean. — O senor Kierty disse que é seu noivo e veio para levá-la 
de volta à Inglaterra.  Naturalmente,  tenho  que  ser cuidadoso  em  assuntos  como esse. Preciso ter 
certeza de que tudo que foi dito é verdade. O que sabe sobre ele?

 

Kate respirou fundo. Olhou para Sean e sentiu que ele lhe apertava a mão, de modo encorajador.

 

—  Conte a ele, Kate. Conte o que lembrar.

 

—  Sean  é   repórter  e  trabalha  para  uma  agência   internacional  de notícias — falou, encarando o 
general. — Eu o conheci em Londres, na casa do meu tio, Hugh O'Connor. Eu... nós... tínhamos 
planejado casar no ano que vem, quando eu me formasse.

 

—  O que estudava? Lembra?

 

—  Música. Toco piano e canto. — Sentia que o general tinha algumas suspeitas.

 

—  Como canta? — Valdez perguntou.

 

—  Como? Não entendi — Kate murmurou, espantada.

 

O general virou-se para o médico e conversaram em espanhol.

 

—  O general quer saber se é soprano ou contralto — o médico explicou.

 

—  Contralto   —   Kate   respondeu   imediatamente,   surpresa   consigo mesma, pois não lembrava 
daquilo, conscientemente. — Escute. — E cantou algumas notas da escala.

 

—  Muito bem.  Ótimo! — Valdez sorriu. — Mas não é suficiente. Cante uma canção que aprendeu na 
Inglaterra.

 

Ela tentou lembrar, mas não conseguiu. Suas têmporas começaram a latejar e levou as mãos à cabeça.

 

—  Não consigo —  murmurou. — Não lembro. Aborrecida, virou-se para Sean, que a abraçou 
carinhosamente.

 

—  Vá com calma, querida. Não o deixe pressioná-la.

 

—  Está certo, senor Kierly — o médico comentou. — Não é bom lembrar muita coisa de uma só vez.  É 
melhor que a memória volte lentamente e com naturalidade. — Novamente ele se dirigiu ao general, 
pedindo que fosse com calma.

 

Valdez olhou Kate e depois observou a irmã Mônica e a madre superiora. Ambas estavam com as mãos 
cruzadas, como se rezassem, e estremeceram quando o general se dirigiu rispidamente a elas. A irmã 
Mônica corou e a superiora encarou friamente o general e começou a dar uma longa explicação em 
espanhol. Sem esperar que ela terminasse, ele começou a gritar. Logo, o médico e a irmã Mônica 
gritavam também, numa discussão furiosa. Os quatro pareciam ter esquecido completamente Kate e Sean.

 

—  O que há com eles? — a moça perguntou.

 

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—  A madre superiora ficou zangada com o modo de Valdez interrogar a irmã Mônica; acha que ele a 
estava desrespeitando. O general quer que ela conte o que nós dissemos um ao outro, ontem, e a irmã se 
negou. — Sean abraçou-a novamente. — Você foi ótima. Convenceu o médico. Mas Valdez ainda está 
desconfiado. Não quer deixá-la sair do país.

 

—  Porquê?

 

—  Tem alguma coisa a ver com a imagem dele como novo presidente de San Marco. Você lembrou 
alguma coisa, desde ontem?

 

—  Não. Lembrei que o seu nome deve ser irlandês. É?

 

—  Sou descendente de irlandeses. Nasci nos Estados Unidos. Meu pai, que também era repórter, morreu 
na Coréia durante uma reportagem e, quando minha mãe casou novamente, deixou-me com minha avó 
paterna. Meu avô também era jornalista. Ao se aposentar, foi morar na Irlanda. Frequentei a escola lá, 
durante algum tempo.

 

—  Provavelmente você já me disse tudo isso antes — ela murmurou. — Sinto muito, mas não lembro 
nada.

 

—  Não se preocupe. Agora, o que interessa é convencer esse demônio do Valdez a deixá-la sair do país, 
comigo.

 

—  Senorita Lawson! — O general estava parado diante dela, os olhos brilhando de ódio. A seu lado, as 
duas freiras respiravam pesadamente e o olhavam, enfurecidas. O dr. Gonzalez parecia ter desistido de 
tudo e tinha ido para perto da janela. — Sabe por que foi mantida nesta missão? — ele perguntou.

 

—  Porque eu estava doente? — ela sugeriu, nervosa. 
—  Sí, é verdade. Mas também para sua própria proteção. Eu não podia deixar que, no seu estado, 
viajasse sozinha para outro país. — O general enfiou os polegares no cinto e se balançou nos calcanhares. 
— Se você se perdesse, eu ficaria ainda menos popular diante do seu povo e do governo

 

britânico. Entende?

 

—  Eu... bem... sim. Acho que sim. Mas, agora, pode me deixar ir com Sean. Estarei em completa 
segurança com ele. Por favor, deixe-me ir com ele, señor.

 

—  Com uma condição — ele disse, em tom dramático.

 

—  Qual é? — Sean perguntou, ríspido.

 

—  Que concordem em casar primeiro — o general o encarou, com

 

frieza.

 

De repente, a sala ficou em silêncio. Todos pareciam estar prendendo a respiração. Sean apertava a mão 
dela com tanta força, que Kate pensou que sua circulação fosse parar.

 

—  Então? Concorda?

 

—  Sim, concordo — Sean disse, — Mas isso depende também de Kate. Quer casar aqui em San Marco, 
antes de partirmos?

 

—  Sim, claro que quero casar com você. — Ela sorriu. Tinha que concordar,   caso   contrário Valdez  
continuaria  a  mantê-la  ali.   —  Só estaremos antecipando o que tínhamos planejado para o ano que 
vem.

 

—  Sim, acho que sim. — Os olhos de Sean estavam mais escuros e frios. Kate sentiu que uma porta da 
sua memória tentava se abrir, como se quisesse lhe mostrar a verdade sobre aquele homem. O rapaz 
virou-se para o general. — Está bem, vamos casar. Mas tem que ser logo; gostaria de partir para a Cidade 
do México ainda hoje.

 

— Vamos conseguir logo um padre — Valdez respondeu, sorrindo. — Será uma boa notícia. O mundo 
saberá que Diego Valdez tratou muito bem da sua noiva e acertou tudo para o casamento. Assim, vou 
parecer um  grande  humanitário,  ajudando  as  pessoas  que  se  amam.  —  Ele

 riu. 

— E você também nos dará uma certidão de casamento — Sean disse, friamente. — Não é possível Kate 
obter outro passaporte inglês até que cheguemos à Cidade do México, e eu preciso de um documento, 
provando que é minha esposa.

 

—  Terá  a certidão,  com  a  minha assinatura,  como  testemunha.   E prometo  que   não  terão   
problemas   na  fronteira,   se   a  cruzarem   nas montanhas,   depois   do   anoitecer.   —   Valdez  
esfregou   o   polegar   no indicador. — Alguns dólares... é tudo o que precisam gastar para chegar à 
Cidade do México.

 

Depois daquilo, tudo aconteceu tão depressa que, sempre que lembrava daquele dia, Kate não sabia como 
tinha saído do escritório da madre superiora e ido para a capela da missão. Mas lembrava perfeitamente 
do padre que realizara a cerimónia em inglês, tropeçando em algumas palavras. Lembrava também da 
confusão, quando pediram a aliança a Sean e ele não a tinha. Então o general Valdez dera um passo à 
frente e oferecera seu grosso anel de ouro e esmeralda. Kate teve problemas para convencer o general a 
aceitar de volta o anel.

 

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Saíram da capeia e foram direto para a caminhonete empoeirada em que Sean tinha vindo da Cidade do 
México para San Marco. As freiras se despediram e o veículo saiu pela estrada, deixando rapidamente 
para trás a torre do sino da missão, delineada com o brilhante céu azul tropical.

 

Sean passou pela cidade, sem parar. Entre os destroços dos edifícios destruídos pela recente revolução, 
homens e mulheres trabalhavam, procurando restaurar um pouco da ordem. Nas portas, crianças 
esfarrapadas dormiam um sono letárgico.

 

—  Como parecem infelizes! Miseráveis e infelizes — Kate murmurou. — Acha que estão contentes que 
Valdez agora seja o presidente?

 

—  É difícil dizer — Sean respondeu.  — Acho que este lugar vai explodir novamente numa guerra civil, 
nos próximos dias, quando um dos seguidores de Valdez se revoltar contra ele. É por isso que quero tirá-
la do país antes que outra matança comece. Graças a Deus, você concordou em casar! Deve ter percebido 
que Valdez estava nos testando. Ele não se convenceu de que sua memória havia voltado, nem de que eu 
era seu noivo, até que concordamos em casar.

 

—  Quanto   tempo   ainda   demora   para   chegarmos   à   fronteira?   — Desejava ver o máximo 
possível da paisagem,  esperando que alguma coisa despertasse sua memória e lhe devolvesse as 
recordações do tempo em que vivera naquele país com os pais. Mas não via nada familiar ali, onde o gado 
magro pastava entre os cactos e a poeira. No horizonte, surgiam as montanhas, arroxeadas contra o sol.

 

—  Umas três horas. Da fronteira, iremos para San Cristobal. Fica no alto da montanha, mas é um lugar 
razoavelmente civilizado. É uma das mais antigas cidades mexicanas e muito popular para turismo. 
Passaremos a noite num hotel e amanhã iremos para Tuxtla Gutierrez. De lá, voaremos para a Cidade do 
México. Vou tentar entrar em contato com a Embaixada Britânica esta noite, para ver se conseguem que 
Hugh vá nos encontrar no aeroporto. 
Sean falava de um modo autoritário e frio. Kate o olhou, admirando seu perfil, e, de repente, sentiu que o 
coração batia mais forte: seu marido era um homem duro e decidido.

 

—  Quantos anos você tem? — ela perguntou.

 

—  Trinta e um.

 

—  Perguntei   porque   não  consegui  lembrar  —  disse,   em  tom  de desculpas. — Sabe quantos anos 
tenho? O dr. Gonzalez calculou vinte e um.

 

—  E acertou.

 

—  Quando foi o meu aniversário? — Era tão bom ter alguém que lhe desse informações sobre si mesma! 
— Você me deu um presente? Nós comemoramos algo especial?

 

—  Eu   não   lhe   dei   nenhum   presente   —   ele   respondeu,   sempre mantendo os olhos na estrada.

 

—  Oh... Porquê?

 

—  Porque só a conheci depois do seu aniversário.

 

—  Então, não nos conhecemos há muito tempo?

 

—  Não.

 

—  Conheceu meus pais?

 

—  Não. Já estavam morando em San Marco, quando nos conhecemos.

 

—  Eu gostaria de lembrar deles — murmurou, desapontada. — Você disse que o irmão da minha mãe se 
chama Hugh O'Connor. Este também é um nome irlandês. Mamãe era da Irlanda?

 

—  Hugh é. Provavelmente, ela também era. Ele vai responder a todas as suas perguntas. Pode ser que sua 
memória volte, quando o encontrar.

 

—  Espero  que  sim.   Estou  tão  animada por me  ver  livre  daquela missão. As freiras eram gentis e 
também o dr. Gonzalez, mas eu me sentia uma prisioneira. — Inclinou-se e tocou na perna dele. — Estou 
tão contente que tenha vindo me buscar, Sean.

 

Ele lhe segurou a mão e, gentilmente, tirou-a da perna.

 

—  Vamos   conversar  sobre  isso  depois,   quando  chegarmos   a  San Cristobal — disse, baixinho. — 
Agora, preciso me concentrar na estrada.

 

Kate sentiu-se recusada. Analisou o perfil dele novamente. Havia uma certa rudeza, que não tinha notado 
antes. Estremeceu, pouco a vontade. Tinha casado com ele, mas não o conhecia; só sabia o que lhe havia 
contado.

 

—  Você já foi casado antes?

 

—  Não.

 

—  Mas, teve namoradas... antes de me conhecer.

 

—  Algumas. — Ele sorriu.

 

—  Eu  gostaria  de  saber  por que  decidiu  casar  comigo  —  disse, suspirando e esperando a reação 
dele. Viu que sorria novamente. Não, não era um sorriso, era uma expressão exasperada. Seus olhos 
estavam brilhando, quando a olhou de lado.

 

—  Olhe, por que não relaxa e tenta dormir? Esta viagem é muito aborrecida, não há nada para ver até 
chegarmos às montanhas, e, até lá, já será noite.

 

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—  Você se aborreceu comigo porque fiz perguntas? Mas não posso evitar isso. Não lembro de nada 
sobre você, e isso me deixa preocupada. É como estar casada com um estranho.

 

—  Não precisa se preocupar. Agora, já está feito. Se não tivéssemos casado, Valdez a manteria 
prisioneira na missão e você, talvez, nunca saísse de San Marco. Lembre-se sempre disso.

 

—  Vou tentar. 
Confortada com aquele comentário, Kate virou-se para a porta e observou a paisagem. Havia poucas 
árvores e casas. A estrada passava longe das cidades, e o calor era intenso. Sentiu a cabeça pender 
diversas vezes e, finalmente, recostou-se no braço de Sean e adormeceu.

 

Acordou por causa do silêncio. Tudo estava imóvel e sentiu-se em pânico, sem saber onde estava. Após 
alguns segundos, percebeu que se encontrava deitada no banco.

 

Sentou-se devagar, e viu as montanhas banhadas de luar. Da parte de trás da caminhonete veio o som de 
metal. Depois, parou. Passos se aproximaram sobre as pedras, A porta se abriu e surgiu Sean.

 

—  O que está fazendo? — ela perguntou.

 

—  Enchendo o tanque de gasolina. Não há postos até chegarmos a San Cristobal. Tive que trazer um 
galão extra.

 

Ela estremeceu e cruzou os braços. Sean remexeu numa valise e tirou um suéter.

 

—  Vista isso. Só tem estas roupas?

 

—  Sim, e uma camisola que as freiras me deram e que deve estar na sacola que a irmã Mónica me 
entregou.

 

—  Humm, não é um grande enxoval! — Ele riu. — Vamos comprar roupas para você quando chegarmos 
na Cidade do México. Não pode voltar para a Inglaterra nesses trapos.  — Tocou  seu rosto,  como se 
verificasse se tinha febre. — Está se sentindo melhor depois de dormir? — perguntou, com mais 
gentileza,

 

—  Sim, obrigada. — Na escuridão, ela se sentia mais à vontade, pois não via seu rosto sério e os olhos 
frios. Num impulso repentino, pegou a mão dele e a levou aos lábios. — Estou tão contente por estar com 
você! Não imagina como é maravilhoso a gente sentir que pertence a alguém novamente. Você... está 
contente também?

 

Durante um momento ele não moveu a mão, mas Kate ouviu que respirava fundo. Então segurou-a pelo 
queixo, levantando-lhe o rosto. O beijo foi quente e doce.

 

—  Estou contente de você estar comigo — ele murmurou. Depois, entrou no carro e deu partida.

 

—  Estamos longe da fronteira, Sean?

 

—  Poucos  quilómetros.   Quando chegarmos,  você  não precisa fazer nem falar nada. Eu cuido de tudo.

 

Protegida pelo suéter dele e confortada por aquele beijo, Kate observou a estrada. Não sentia mais medo 
nem ansiedade. Estava calma e descansada. Devia amá-lo muito, pensou, para ficar tão feliz em sua 
companhia.

 

O posto de alfândega era todo cercado de arame farpado. Quando Sean estacionou a caminhonete e 
buzinou, ninguém apareceu, apesar das luzes brilharem nas janelas. Após alguns momentos, ele deu 
partida outra vez e atravessou para o México.

 

O posto da alfândega mexicana não parecia melhor do que o de San

 

Marco. O oficial saiu, relutante, do abrigo e não disse nada ao se aproximar do carro. Não pediu para ver 
o passaporte de Sean e ignorou Kate completamente. Apenas fez um aceno, e ambos puderam seguir 
viagem tranquilamente.                                                                        

 

 
 

 
                                                                 CAPÍTULO II

 

 
 
 
Quase duas horas depois, chegavam a San Cristobal, uma velha aldeia dos índios chiapas, transformada 
em cidade pelos seguidores de Cortez e antigamente conhecida como Cidade Real. Era em estilo 
espanhol, coro sobrados cobertos de telhas vermelhas, amontoados ao redor de uma praça central.

 

O hotel que Sean escolheu ficava em uma das ruas transversais à praça. Na recepção, uma mexicana 
sorridente o reconheceu e lembrou que ele havia se hospedado lá, a caminho de San Marco. Mas, o 
sorriso da moça sumiu quando ele preencheu as fichas de registro. Levantou os olhos para Kate, surpresa, 
e disse algo em espanhol. Sean fez que sim e respondeu, também em espanhol.

 

—  O que ela disse? — Kate perguntou, ao subirem a escada.

 

—  Faz alguma diferença?

 

—  Era sobre mim, não? Ela não acreditou que estamos casados? Ele abriu a porta do quarto e acendeu a 
luz.

 

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—  Isso  a preocupa? — perguntou,   colocando a mala sobre um banquinho. — Que diferença faz que ela 
não acredite que seja minha esposa?

 

—  Bem, não quero que pense que sou alguém que você pegou na estrada. — Suspirou. — Gostaria de ter 
uma roupa decente para vestir. Acha que podemos pedir para que a refeição seja servida aqui?

 

—  Não. Eles não servem jantar no quarto. Você terá que ser corajosa e aguentar os olhares curiosos no 
restaurante. Ou então, vai passar fome. A não ser que eu lhe traga um pouco de comida.

 

—  Não, Eu aguentarei os olhares — ela disse, depressa. — Vai descer para jantar agora?

 

—  Depois que  você lavar as mãos,  mocinha.   As freiras não lhe ensinaram boas maneiras? — Ele riu, 
brincalhão.

 

No restaurante, Sean pediu churrasco, batatas e ervilhas. Depois de ter vivido numa dieta só de arroz com 
feijão e alguns tacos nas últimas semanas, aquilo era um banquete para Kate.

 

—  Humm, que gostoso!

 

—  Você está muito magrinha. De agora em diante, vai se alimentar bem — Sean disse, olhando-a, com 
ar crítico.

 

De repente, ela ficou preocupada com a aparência outra vez. Na mesa ao lado, algumas jovens americanas 
usavam roupas de seda, e várias vezes durante a refeição vira Sean observando uma das mulheres, como 
se fizesse comparações ou estivesse com vergonha dela.

 

—  O que gostaria de fazer, agora? — ele perguntou.

 

—  O que eu gostaria de fazer? — repetiu, distraída. Perto das americanas, parecia uma bruxa. Isso era 
evidente pelo ar de desprezo das moças e pelo jeito atrevido como olhavam para Sean.

 

—  Preciso trabalhar — ele disse, jogando o guardanapo sobre a mesa e levantando-se. — Tenho que 
mandar uma reportagem sobre a situação de San Marco para a sucursal da agência, aqui no México. — 
Levou-a até o vestíbulo, e ia lhe entregar a chave do quarto, quando uma porta se abriu e dois americanos 
barulhentos entraram. Rapidamente, Sean a segurou pelo braço e praticamente a arrastou pela escada. 
Abriu a porta do quarto e empurrou Kate para dentro.

 

—  Sugiro que fique aqui, enquanto procuro um telefone e passo a

 

minha reportagem — disse, brusco. — 

Vejo que acenderam a lareira. Você ficará confortável.

 

—  Mas, quanto tempo você vai demorar?

 

—  Só Deus sabe. Quanto for preciso. Talvez uma hora ou mais.

 

—  E o que farei?

 

—  Tome um banho, lave o cabelo. — Olhou-a com ar crítico de novo.

 

— Parece que está precisando disso. — Sorriu.

 

—  Não   podíamos   gastar   muita   água   na   missão   —   ela   disse, defendendo-se. — Fazia muita 
falta.

 

—  Bem, aqui não temos problemas. Portanto, sugiro que aproveite ao máximo. — Abriu a porta. — Mas 
não saia do quarto. Não quero... — Parou, olhando-a, com as sobrancelhas franzidas. — O que há, agora?

 

—  Você não gosta de ser visto comigo, não é? — Ela acusou, com voz trémula. — Está com vergonha da 
minha aparência. Percebi que me comparava com a mulher da mesa ao lado e me arrastou depressa para 
cá, quando aqueles dois rapazes apareceram.

 

Em dois passos, Sean se aproximou dela; estava com os olhos escuros de emoção.

 

—  Não é por isso; quero apenas que fique aqui — disse, baixinho. — Como Valdez, tenho medo que 
você se perca, ficando sozinha. Vou tentar ser rápido, mas não se preocupe caso eu não voltar dentro de 
uma hora. Há alguns livros na minha mala. Talvez possa se distrair com eles. — Fez uma pausa e encarou 
a moça. — Não estou com vergonha de você, Kate.

 

— Curvou-se e beijou-a. — Não tenho esse direito.

 

Virou-se e saiu, depressa. Durante alguns momentos Kate não fez nada, ficou apenas sentada numa 
cadeira, tentando lembrar o passado, até que sua cabeça começou a doer. Ficar fechada naquele quarto 
não era muito diferente de ficar fechada em seu quarto, na missão. Ainda era uma prisioneira. Agora, 
prisioneira de um homem que não conhecia. Estremeceu e apertou as têmporas. Cada vez mais, tinha a 
impressão de que não conhecera Sean na Inglaterra, que nunca o havia visto antes.

 

Passou as mãos pelo cabelo. Estava grosso e ressecado. Ele tinha razão: precisava de um banho. 
Lentamente, levantou-se e foi para o banheiro. Acendeu a luz e olhou-se no espelho. Sua magreza era 
chocante, comparada com as curvas elegantes da mulher que vira no restaurante. Os ossos apareciam sob 
a pele. Estava com olheiras e os olhos sem brilho.

 

Com um suspiro de desgosto, abriu as torneiras da banheira e foi pegar a camisola branca de algodão. Em 
poucos minutos, estava mergulhada na água morna, coberta de espuma perfumada.

 

Ficou no banho durante um longo tempo, até sentir-se limpa. Diante do espelho, enxugou-se e olhou o 
próprio corpo, com ar crítico. Ainda se sentia perturbada: não parecia uma noiva, não tinha um ar 
saudável e nenhuma curva. Vestiu a camisola, e se sentiu melhor: parecia um cabide.

 

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Não tinha escova nem pente e foi procurá-los na mala de Sean, Desembaraçou o cabelo que lhe chegava 
quase até a cintura.

 

Voltou a mexer na mala, procurando os livros de que ele havia falado. Deteve-se em um deles, 
encadernado em couro azul.- Ao pegá-lo, algo caiu no chão: a foto de uma moça de cabelos vermelho-
escuros, presos com uma fita de veludo preto. Era uma foto de Kate, tirada talvez há poucos meses, 
quando ainda tinha uma aparência saudável e a pele suave como pêssego.

 

Sentindo as pernas trêmulas, sentou-se na beira da cama. Tinha sido bonita, e o cabelo não era tão liso. 
Quando tiraram aquela fotografia, parecia feliz: estava rindo e com os olhos muito brilhantes.

 

Analisou demoradamente o retrato, pensando em por que não havia nada escrito atrás. Ficou contente por 
ele andar sempre com sua foto e decidiu dar uma olhada no livro azul. De certa forma, sentia mais 
segurança a respeito de Sean, agora.

 

Abriu o livro e viu que cada página tinha uma data e estava escrita à mão. Era o diário de Sean.

 

Ia fechar e guardar novamente na mala, mas hesitou. Será que não descobriria mais sobre si mesma, lendo 
aquelas páginas? Entretanto, poderia também descobrir algum segredo dele. Relutante, procurou a última 
página escrita. Datava de 15 de julho, quase há uma semana. O nome Hugh chamou sua atenção.

 

"Hugh está aqui na Cidade do México. Está tentando entrar em San Marco. Sua sobrinha, Kate Lawson, 
filha de um geólogo que trabalhava para a Petróleo Global, parece ter sobrevivido ao desastre e está sendo 
mantida em San Marco, no hospital da Missão Santa Rosa. Hugh me pediu para verificar se a garota que 
está na missão é mesmo Kate. Ele me deu a sua descrição e uma foto. Se encontrá-la, tentarei tirá-la de 
San Marco e trazê-la para a Cidade do México, de qualquer jeito.''

 

Havia algumas linhas em branco. Depois, estava rabiscado:

 

"Já ouvi falar de amor à primeira vista, mas será que é possível alguém se apaixonar por uma fotografia? 
Será interessante descobrir se Kate vai satisfazer às expectativas desse sujeito".

 

Kate leu aquelas linhas várias vezes, sem entender o significado. Finalmente, deu de ombros, colocou a 
foto dentro do diário e guardou-o na mala. Em seguida, pegou um dos livros e foi para a cama.

 

Estava deitada na escuridão, prestando atenção na música e nos risos que vinham de muito longe, quando 
a porta se abriu.

 

—  Sean?

 

—  Pensei que estivesse dormindo — ele respondeu, acendendo a luz.

 

—  Não consegui dormir. O que esteve fazendo? Demorou tanto!

 

—  Eu sei. Estive conversando com Bill Jains e Ted Camden, os dois que você viu aqui no hotel. Eles 
saíram de San Marco logo depois de nós. São correspondentes de jornais americanos. — Abriu a mala. — 
Acho que vou tomar um banho.

 

Ouviu a porta do banheiro sendo fechada e suspirou fundo, puxando o lençol. Agora, sabia por que ele a 
havia trazido depressa para o quarto, quando os dois entraram no vestíbulo: não queria dar explicações a 
respeito da sua presença. Ela não tinha satisfeito as expectativas dele.

 

Abatida, virou para o outro lado. Não era noiva dele ao partir da Inglaterra e nem estavam apaixonados. O 
que faria? Como desejava agora não ter lido o diário! Aquelas palavras sugeriam que não haviam nem 
mesmo se conhecido, até a véspera. Como gostaria que tivessem se conhecido na Inglaterra, que tivessem 
se apaixonado e planejassem mesmo casar!

 

Ele saiu do banheiro e ela não disse nada, nem abriu os olhos. Depois de alguns segundos, sentiu-o deitar-
se a seu lado, puxar a coberta e apagar a luz.

 

Deitados, um em cada extremidade da cama, ficaram em silêncio total. A música e os risos distantes 
tinham parado, e o hotel estava tão silencioso que Kate leve certeza de que Sean podia ouvir as batidas de 
seu coração.

 

—  Sean — murmurou finalmente, incapaz de aguentar aquela tensão por mais tempo.

 

—  Humm?

 

—  Eu estou... estou como você me conheceu na Inglaterra?

 

Ele demorou tanto a responder, que Kate achou que tinha dormido.

 

—  Por que está perguntando?

 

__Pensei que talvez tivesse perdido minha beleza e por isso você

 

esteja desapontado comigo. — Sua voz saiu trêmula. Novamente, ele demorou para responder. Kate 
fechou os punhos, num esforço para controlar as emoções.

 

__Você está diferente do que eu esperava — disse por fim, cauteloso.

 

— Mas não estou desapontado.

 

Houve outro longo silêncio. O luar entrava pela janela. Kate virou-se e olhou para Sean. Sentiu uma 
grande necessidade de se aproximar dele, como se o calor daquele corpo a atraísse, irresistivelmente. 
Timidamente, tocou o braço dele. Sentiu o músculo ficar tenso.

 

—  Já  fizemos   amor  alguma  vez?  —  murmurou,   surpresa  por  ter coragem de perguntar aquilo.

 

—  O que acha? — Moveu o braço, afastando-se dela.

 

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—  Eu...  acho que... já.  E gostaria que fizéssemos amor agora. — Deitou a cabeça no ombro dele e 
sentiu que Sean respirava fundo.

 

—  Você esteve doente e está longe de parecer curada — ele falou, baixinho. — Além disso, acho que 
devemos esperar, até que sua memória volte.

 

—  Mas pode não voltar nunca, e esta é a nossa noite de núpcias. — Ele continuou quieto e Kate teve 
vontade de chorar. Escondeu o rosto no ombro dele e lamentou. —  Oh, não acredito que ainda goste de 
mim e queria que não tivesse sido forçado a casar comigo. Ontem, na missão, você me beijou como se me 
amasse, mas não me beijou mais daquele jeito hoje, nem mesmo depois que nos casamos.

 

Finalmente, ele se virou para ela e segurou seu rosto.

 

—  Está bem; vou beijá-la como se a amasse. Kate acariciou o cabelo do marido e murmurou:

 

—  Beije-me. Oh, desperte-me e me faça sentir tudo outra vez.

 

Sean sussurrou alguma coisa e pressionou os lábios contra os dela, com tanta força que Kate achou que ia 
perder o fôlego.

 

Então ele se afastou tão repentinamente como havia se aproximado e a encarou:

 

—  Kate, tem certeza? — perguntou, rouco.

 

—  Sim, tenho certeza. Tenho certeza! — Passou os braços no pescoço dele e puxou-o novamente. — 
Mas não sei como. Por favor, mostre-me como se faz. Mostre-me como amar você. Mostre-me o que 
fazer. 
Ele sorriu e, gentilmente, tomou a mão dela, levando-a a acariciar seu corpo. Falando suavemente, como 
se a estivesse entorpecendo com palavras, ele também começou a lhe acariciar os seios, levando-a ao 
auge da paixão. Kate sentiu tudo rodar ao seu redor, suas sensações e emoções em tumulto. Não sabia 
quem era e nem se importava com isso.

 

 
 
O som de um sino ao longe acordou-a. A princípio, achou que ainda estava na missão e teve medo.

 

—  Não, não quero estar na missão! Não quero estar lá. Oh, Deus, não me deixe estar lá!

 

—  Calma, Kate — disse uma voz profunda a seu lado e um braço a envolveu pela cintura, puxando-a 
para um corpo quente e vibrante. — Está tudo bem, querida: você está em San Cristobal, comigo.

 

Ficou quieta, tentando reconhecer aquela voz. Não era seu pai. Era uma voz mais alegre e com um 
sotaque diferente. E o pai não estaria ali, deitado na cama, com ela.

 

Arregalou os olhos e olhou ao redor. Os móveis não eram os de seu quarto, na casa dos pais, em San 
Marco.

 

Sua memória estava voltando, como o dr. Gonzalez havia dito que aconteceria. Lembrou-se de algo a 
respeito do pai e sentiu novamente o braço na cintura e a respiração quente no pescoço. Quem estava ali, 
na cama, com ela?

 

Depressa, virou-se e olhou para ele. Não era ninguém de quem se lembrasse de ter conhecido, antes do 
acidente. Era um homem de olhos cinzentos e cílios escuros. O homem que tinha ido à missão e dito ser 
seu noivo. Era Sean Kierly. Tinha casado com ele e... fizera amor com ele na noite passada.

 

—  Nós fizemos amor realmente? — murmurou, confusa, enterrando o

 

rosto corado no ombro dele.

 

—  Fizemos mesmo — ele respondeu, rindo.  Encarou-a e o sorriso desapareceu, sendo substituído por 
um ar de preocupação.

 

—  Qual é o problema? — perguntou, ríspido.

 

—  Nada, nada — mentiu.

 

—  Eu a machuquei?

 

—  Não. Claro que não. — Acariciou o pescoço do marido e beijou-o de  leve nos  lábios,  fechando os 
olhos.  Novamente  sentiu  que ele a abraçava,   despertando-lhe   a   sensualidade,   levando-a   ao   
caminho   do êxtase, de tal modo que ela não se importava mais em saber se tinham estado noivos antes 
ou não.

 

Em resposta à sua carícia, ele forçou seus lábios a se separarem, e novamente mergulharam na vertigem 
da paixão.

 

Três horas depois, saíram do hotel e foram para San Cristobal. Na claridade da manhã, as construções em 
estilo espanhol brilhavam ao sol, e alguns índios andavam pelas calçadas. Os homens usavam calças que 
terminavam no meio da perna e chapéus enfeitados com fitas coloridas.

 

—  As fitas são diferentes — Kate comentou.

 

—  Têm um significado — Sean explicou. — Pelas cores, um índio pode identificar a que grupo o outro 
pertence. Também é uma maneira de atrair as mulheres: os casados dão laços em suas fitas, enquanto que 
os solteiros as deixam esvoaçar livremente ao vento.

 

—  Você teria que amarrar suas fitas, agora que está casado — disse, em tom brincalhão.

 

—  Acho que sim —  ele respondeu, sério.

 

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O carro saiu da cidade, em direção às montanhas. Passaram por pirâmides de pedra e pegaram a estrada 
de Tuxtla, seguindo por ravinas cortadas por riachos. Desceram cada vez mais, até chegarem a uma 
plantação de café e bananas, um local quente e úmido, no sopé da montanha.

 

Em contraste com San Cristobal, Tuxtla era uma cidade moderna e agitada. Kate estranhou ver tão poucos 
índios nas ruas e Sean explicou que a maioria dos habitantes descendia de plantadores de café, alemães.

 

Não pararam na cidade, indo diretamente para o aeroporto. Kate ficou esperando, enquanto Sean devolvia 
a caminhonete à agência de carros alugados e fazia as reservas no próximo vôo para a Cidade do México.

 

Lembranças dos pais, fazendo as malas e indo apressados para o Aeroporto de San Marco, invadiram sua 
mente. Lembrou da terrível explosão e da fuselagem se partindo. Angustiada, olhou em volta procurando 
Sean: só se sentia bem e segura ao lado dele. Era estranho,

 

pois agora, mais do que nunca, tinha certeza 

de que jamais haviam estado noivos.

 

Sean voltou e sentou-se a seu lado. Kate estudou seu perfil e disse, baixinho:

 

—  Lembrei... Lembrei dos meus pais, do acidente de avião, do tio Hugh... Oh, Deus, foi tão horrível! — 
Estremeceu e cobriu o rosto com as mãos. — Lembrei de tudo, mas não lembrei de você.

 

Ele ficou quieto por alguns momentos; depois, abraçou-a pelos ombros.

 

—  Temos  meia hora,  antes que chamem o nosso vôo — disse, gentilmente. — Vamos comer e beber 
alguma coisa.

 

Ela o seguiu ao pequeno restaurante e sentou-se a uma mesa, enquanto Sean ia buscar sanduíches e café.

 

—  Por que fez isso? — perguntou, quando ele se sentou. — Por que me contou todas aquelas mentiras a 
respeito do tio Hugh e do nosso noivado?

 

—  Eu lhe disse o motivo, quando nos encontramos: era o único jeito de entrar na missão para vê-la. Não 
me deixariam falar com você, se não fôssemos parentes. Mesmo que você tivesse lembrado de tudo, eu 
lhe pediria que continuasse fingindo. — Fez uma pausa e riu. — Mas nem por um minuto pensei que 
teríamos que casar para que a deixassem partir comigo.

 

—  Por que  não  me disse  a verdade,  depois de termos cruzado a fronteira em segurança? Por que me 
deixou continuar acreditando que... — não conseguiu continuar.

 

—  Pensei em lhe contar a verdade, Kate, mas o dr. Gonzalez tinha me avisado  para  não  apressar  as  
coisas.   Falou  que  seria  melhor  a  sua memória  voltar  naturalmente.   —  Franziu  as  sobrancelhas.   
—  E  ela voltou, mais cedo do que eu esperava. Na verdade, será que se importa em me contar quando 
começou a lembrar que nunca estivemos noivos? Antes ou depois de ler o meu diário?

 

Surpresa, ela desviou o olhar. Os olhos dele estavam frios como gelo.

 

—  Como soube que eu li?

 

—  A sua foto não estava no lugar onde a deixei. Acho que pegou o diário quando estava procurando um 
livro. Acertei? Não se sinta culpada. A curiosidade é normal e, no seu caso, ela precisa ser satisfeita. 
Acho que

 

começou a lembrar antes de ler o que escrevi sobre Hugh. Por que não me contou quando cheguei, ontem 
à noite?

 

Agora, ela sentia que estava com o rosto em fogo e não conseguia sustentar o olhar dele.

 

—  Eu... eu... não sei.

 

—  Tente novamente, Kate. Fui honesto com você e não sei por que não está me dizendo a verdade.

 

—  Eu...   pensei  que  descobriria  a  verdade,  se...   se  sugerisse  que fizéssemos amor.  Achei que você  
ia recusar...  — A voz dela ficou trêmula. — Se não estivesse apaixonado por mim.

 

Sean respirou fundo.

 

—  Parece que não teve muita experiência com os homens. A situação já estava ameaçadora, do ponto de 
vista emocional; portanto, achei que se ficasse longe de você por uma hora ou mais, as coisas se 
acalmariam, você estaria dormindo...

 

—  Eu  não  teria  feito  aquilo  se  não  estivéssemos  casados  —  ela murmurou. — Eu não queria 
acreditar que não tínhamos estado noivos. Queria que fosse verdade... que estivéssemos mesmo noivos, 
planejando casar.

 

—  Então, tentou realizar isso — ele terminou num tom amargurado, e ela ficou chocada.

 

—  Bem, você não precisava concordar.

 

—  Oh, compreendo...  Então o que aconteceu foi por culpa minha. Acha que tirei vantagem da situação...  
por causa da sua perda de memória. Está bem. Vou concordar com isso. Já fazia tempo que eu não dormia 
com uma mulher atraente e perdi o controle. Então, o que quer que eu faça agora? Que peça desculpas por 
ter cedido aos meus baixos instintos?

 

A rudeza dele deixou Kate descontrolada. Tentou conter as lágrimas, mas não conseguiu, e elas desceram 
silenciosamente por seu rosto. Sean, abraçando-a pelos ombros, disse, carinhosamente:

 

—  Escute, Kate, o que aconteceu entre nós ontem à noite poderia ter acontecido de qualquer modo e não 
tem nada a ver com o que fingíamos ser. Não tem nada a ver com o fato de termos casado.

 

—  Então não significou nada? — Ela soluçou.

 

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—  Não é  isso.  Claro que  significou  alguma coisa.   Significou  que

 

27

 

 

sentimos atração um pelo outro. Gostamos um do outro e gostamos de Ficar juntos: Significou que 
estávamos contentes por termos saído vivos de San Marco. Foi um tipo de comemoração da nossa fuga. 
Estávamos bêbados de felicidade e nossos sentimentos fora de controle. Foi algo muito natural e muito 
bonito.

 

Limpando o rosto com as mãos, Kate se afastou dele. Não era aquilo que queria ouvir. Ele não tinha se 
apaixonado no momento em que a vira, como acontecera com ela. Mas, de qualquer modo, sentia-se 
melhor. Não estava mais envergonhada.

 

—  Agora   que   sua   memória   voltou,   se   está   arrependida   do   que aconteceu, pode anular o 
casamento assim que chegar à Inglaterra — ele continuou, baixinho.

 

—  Não!  Não quero isso.  Ontem,  fiz uma promessa e  gostaria de mante-la.

 

—  Você ainda está em estado de choque. Pode ser que não saiba o que está dizendo.

 

—  Eu sei. Sei, sim — insistiu, com veemência. — Apenas pensa que sabe.

 

—  Não, não! — Ela sacudiu a cabeça. — Tenho certeza. Eu o amo e...

 

—  Não deve dizer isso — ele interrompeu, depressa. — Kate, o que está sentindo provavelmente vai 
passar assim que chegar na Inglaterra.

 

—  Não. Isso não vai acontecer. Vou amar você até... até sempre.

 

—  Oh, Deus!

 

Sean passou as mãos pelos cabelos, parecendo muito perturbado. Depois de alguns momentos, levantou a 
cabeça e olhou-a de frente, sério.

 

—  O casamento nunca foi uma coisa importante para mim — ele falou, escolhendo as palavras com 
cuidado. — Na verdade, acho que nunca pensei nisso por causa do meu trabalho. Não serei um bom 
marido, Kate. Nunca passarei muito tempo com você. Gosto do meu trabalho e de ir aonde está a ação, 
entrar no meio de problemas e tentar relatar a verdade, como eu a vejo. Você precisa entender isso, se não 
quer anular o casamento. Não estou preparado para mudar o meu modo de vida. Não poderei viver com 
você o tempo todo.

 

—  Não me importo... desde que possa vê-lo de vez em quando. Eu também terei a minha carreira.  Logo 
que me formar, vou lecionar e

 

estarei muito ocupada. Agora sei que a música significa para mim tanto quanto as reportagens para você.

 

—  Uma mulher com uma carreira — ele comentou, sorrindo. — Gosto disso.   Estou  contente  que  
queira  viver  a  sua  própria  vida.   —  O alto-falante anunciou um número em espanhol e ele se 
levantou. — É o nosso vôo. Venha.

 

De repente, Kate sentiu medo. Lembrou da última vez que tinha entrado num avião e ficou satisfeita que 
Sean lhe segurasse a mão. Mesmo quando o jato se elevou acima das nuvens, ele continuou a segurá-la. 
Depois soltou-a, recostou-se no assento e fechou os olhos.

 

Durante a hora seguinte, Sean dormiu. Mas Kate não conseguiu descansar, atormentada por emoções 
confusas. Ficou olhando o céu e as grossas nuvens brancas, quase desejando nunca ter recuperado a 
memória.

 

Reconheceu o tio, assim que o viu no aeroporto. Era alto e tinha cabelos avermelhados. Ele se sentiu 
aliviado ao vê-la correr para seus braços. Abraçou-a demoradamente.

 

—  Acho que trouxe a garota certa — Sean comentou, seco.

 

—  Claro que trouxe — Hugh disse, apertando-lhe a mão. — Como conseguiu?

 

—  Kate lhe contará tudo, quando ficarem a sós — Sean disse depressa, olhando cauteloso para o casal de 
jovens que estava com Hugh. Eram secretários da Embaixada Britânica, que tinham ido dar as boas-
vindas a Kate e os parabéns pela fuga de San Marco.

 

—  Acabamos de ouvir que o general Valdez foi assassinado e a guerra civil recomeçou — o rapaz disse. 
— Estamos de carro e gostaríamos de levá-la diretamente para a embaixada, srta. Lawson.

 

A limusine do corpo diplomático estava parada diante do aeroporto banhado de sol. O jovem abriu a porta 
e ajudou Kate a entrar. Ela procurou por Sean, mas não o viu por perto.

 

—  Sean não veio conosco? — perguntou ao tio.

 

—  Ele parou no aeroporto, para telefonar — Hugh disse.

 

—  Não irei sem ele.

 

O tio pareceu confuso. Naquele momento, Sean apareceu e caminhou na direção deles.

 

—  Bem, Kate, aqui devemos nos despedir — disse, estendendo a mão, não parecendo marido nem 
amante, mas um completo estranho.

 

—  Por quê? Para onde você vai?

 

—  Volto para San Marco para fazer a cobertura da nova guerra civil.

 

—  Mas... pode ser morto — murmurou, agarrando a mão dele, que procurou se soltar.

 

—  E daí? Faz parte do jogo.

 

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—  Quando o verei novamente? — Como gostaria que Hugh e os outros não estivessem ali perto!

 

—  Não sei.

 

—  Vou escrever. Escreverá para mim?

 

—  Não prometo nada. — Libertou a mão e encarou a moça. — É melhor que faça o que sugeri em Tuxtla 
— ele disse, baixinho. — Cuide-se, Kate.

 

—  Você também — ela murmurou, controlando a vontade louca de se atirar nos braços dele e implorar 
que não partisse.

 

Com poucas palavras, Sean se despediu de Hugh e voltou para o aeroporto. De repente, Kate se sentiu 
cega pelas lágrimas e entrou depressa na limusine. Sua aventura de San Marco tinha terminado e já 
começava a se transformar numa recordação, uma sombra vaga e escura.

 

 

 

 

                                              CAPITULO III

 

 
 
 
Era o último dia de aula, antes das férias de verão na Escola Netherfield, e o auditório estava lotado com 
alunos e parentes, para a entrega anual dos prémios. Todos os premiados tinham sido apresentados, todas 
as canções tinham sido cantadas pelo coral da escola e todos os discursos proferidos pelos professores. 
Agora, a srta. Forbes, usando a beca que indicava que era uma doutora em Literatura, encerrava a 
cerimónia com algumas palavras.

 

Sentada ao piano, Kate observou as janelas através das quais podia ver o céu. Aquelas janelas lembravam 
as de um outro lugar. Muito longe dali, havia janelas daquele mesmo formato, só que se abriam para o sol 
brilhante de um dia de julho, há dois anos. Olhou para as teclas do piano e franziu a testa. Fazia 
exatamente dois anos que se casara com Sean.

 

— E agora, vamos terminar esta feliz ocasião com o hino da escola, srta. Lawson?

 

A srta. Forbes olhava para ela, esperando, e Kate procurou esquecer a

 

capela da Missão de Santa Rosa, 

em San Marco. Tocou os primeiros acordes, todos se levantaram e a srta. Dodds (a velha, mas muito 
amada diretora) começou a reger o coral.

 

Quinze minutos depois, tudo estava terminado. Kate fechou o piano, pegou suas partituras e saiu do 
auditório. Mas não conseguia ir depressa, pois os corredores estavam lotados.

 

—  Srta. Lawson... srta. Lawson! Virou-se e viu a lourinha que a chamava.

 

—  Srta. Lawson, meu pai está aqui — disse Carol Wyman, quase sem fôlego. — Ele quer falar com 
você.

 

Então, Barry estava ali de novo. Aquilo significava que teria convite para o almoço e talvez, mais tarde, 
fossem dar uma volta em seu novo iate. Era um bom programa para começar as férias de verão, pensou, 
sentindo-se mais alegre. O dia estava perfeito para velejar.

 

—  Vou só guardar as partituras — disse a Carol. — Onde encontro seu pai?

 

—  Ele está no jardim, conversando com a mãe de Felicity Paton. Felicity me convidou para ir à fazenda 
dela, em Cornwall, passar as duas semanas de férias, e eles estão combinando tudo.

 

Depois de passar por sua sala, Kate foi ao toalete. Escovou o cabelo e tirou a beca. Olhou-se no espelho. 
tailleur marrom tinha sido uma boa compra: ele a deixava elegante e combinava muito bem com a 
blusa de seda. Saiu e foi para o jardim.

 

Barry era alto, magro, muito bem-cuidado e confiante. Logo que a viu, despediu-se dos Paton, beijou 
Carol e foi ao encontro de Kate. Apesar de seus olhos azuis demonstrarem alegria e admiração, era muito 
cuidadoso para demonstrar claramente seus sentimentos e cumprimentou-a com um aperto de mão 
formal.

 

—  Carol disse que você queria falar comigo, Barry.

 

—  Isso mesmo. Onde esteve, desde nosso último encontro?

 

—  Bem, o trabalho aqui foi muito duro nesse fim de semestre. Não está contente por Carol ter ganho a 
medalha de melhor aluna? E também pelo prêmio de piano?

 

—  Sim, claro que estou. É a primeira vez que ela ganha alguma coisa, e acho que é a você que devo 
agradecer. Tem sido boa para ela, Kate.

 

Você lhe dá atenção e o encorajamento que ela devia estar recebendo da mãe.

 

—  Oh, espero que você não esteja insinuando que a sua filha ganhou o prêmio porque eu interferi. A srta. 
Dodds foi quem teve a palavra final.

 

—  Talvez   sim,   mas   Carol   não   teria   ensaiado,   se   você   não   a encorajasse. — Sorriu, um tanto 
amargo. — Acredite: conheço minha própria filha. Ela é preguiçosa como a mãe.

 

—  Não é uma coisa boa de se dizer — Kate protestou.

 

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—  Mas é verdade.

 

—  Deve lembrar que ela também puxou alguma coisa de você.

 

—  Algumas vezes, acho que não. Nada.

 

—  Barry! Sabe o que está dizendo?

 

—  Sim, sei. Geralmente, tenho a sensação de que Dily não é a mulher com quem casei. Nunca vi uma 
pessoa mudar tanto! Mas não vim aqui hoje para falar da minha ex-esposa nem de Carol. Vim ver você, 
minha linda loura.  Quer ir velejar esta tarde? Podemos almoçar primeiro em Harbour Lights.

 

—  Gostaria muito, mas primeiro tenho que ir ao apartamento, trocar de roupa.

 

—  Não há problema. Passaremos por lá. Fica no caminho.

 

Entraram no Mercedes esporte azul, Barry era um homem rico e gostava de ostentar. Qualquer coisa 
digna de ser comprada e de ser possuída ele comprava e possuía. Era diretor de um grupo de laboratórios 
farmacêuticos que o pai havia fundado, tinha uma casa em Londres e outra no campo, perto de 
Netherfield — onde treinava cavalos —, e acabara de comprar um novo iate.

 

—  Carol não vai conosco? — Kate perguntou.

 

—  Não.   Ela  está  indo  para  Cornwall  com  os  Paton,  passar duas semanas — Barry disse, dirigindo 
o carro para a saída principal. — Acha que em duas semanas teremos tempo de nos conhecer melhor? Ou 
vai viajar nas férias?

 

—  Tenho planos de ir à Irlanda no mês que vem, com alguns amigos que estão interessados em música 
tradicional.

 

—  Parece muito interessante. Posso, então, convidá-la para sair nas próximas duas semanas?

 

—  Vai ler que esperar a sua vez! — ela respondeu, rindo.

 

—  Isso significa que tenho competidores?

 

—  Acho que não pode considerar uma velha avó que mora em Lake District como sua competidora, mas 
prometi a meus pais ir visitá-la fogo.

 

—  Não estava pensando nesse tipo de competição — ele respondeu, sorrindo. — Quando irá para o 
Norte? Talvez eu possa levá-la de carro. Tenho parentes que moram perto de Ambleside.

 

—  Agora, você está me apressando! Vamos viver um dia de cada vez, por favor, Barry.

 

—  Está bem. Acho que isso é melhor do que nada.

 

O apartamento de Kate era no segundo andar de um edifício antigo que dava para um parque chamado 
The Common. O local tinha sido comprado pela escola para alugar aos professores. Subiu, apressada. Não 
podia deixar de se sentir orgulhosa com o interesse de Barry, Tinham se encontrado pela primeira vez em 
dezembro, num concerto da escola em que Carol tocara piano. Desde então, ele sempre procurava Kate, 
quando ia visitar a filha ou comparecia a alguma reunião de pais.

 

Agora, queria vê-la enquanto Carol estivesse ausente. Bem, podia fazer uma tentativa. Ele era atraente e 
sabia como satisfazer uma mulher, apesar da diferença de idade entre ambos, que chegava a quase vinte 
anos.

 

Trocou de roupa depressa, vestindo uma calça comprida azul, um suéter branco e uma jaqueta marinho. 
Pegou uma sacola de lona e jogou outras roupas dentro, para o caso de se molhar enquanto velejavam.

 

Dez minutos depois entravam no confortável bar de Harbour Lights, que já fora um esconderijo de piratas 
e tinha vista para todo o porto de Westcourt. Sentaram-se a um canto e comeram os deliciosos sanduíches 
de caranguejo com cerveja. Alguns homens, também proprietários de iates, vieram cumprimentar Barry. 
A todos, ele a apresentou só como Kate.

 

—  Espero que não se importe — disse, ao saírem —, mas não há necessidade de espalhar para todo 
mundo quem você é.  Sou bastante conhecido por aqui e as pessoas falariam de nós. Gostaria de manter a 
nossa amizade o mais secreta possível, pois você leciona numa escola onde tenho interesses financeiros. 
Entende?

 

—  Sim, entendo. Pelo menos, acho que sim. Oh, que barco lindo!

 

O novo iate era um modelo escandinavo e estava pintado de azul, que parecia ser a cor favorita de Barry. 
Era grande, espaçoso, com quatro camarotes e um banheiro completamente equipado, até com chuveiro.

 

Saíram na maré alta e logo estavam na entrada do pequeno porto. Barry içou as velas e desligou o motor.

 

—  Pensei em irmos a Yarmouth, na ilha — ele disse.

 

Kate olhou as águas prateadas e a ilha de Wight, que aparecia à distância.

 

—  Parece muito longe, para um passeio à tarde — disse, cautelosa.

 

—  Podemos passar a noite lá e voltar amanhã — ele sugeriu.

 

Ela o encarou. Será que a estava testando? Estaria tentando descobrir se era livre o suficiente para passar 
a noite a bordo, sozinha com ele? Possivelmente... dormiriam juntos...

 

—  Não, Barry — disse com firmeza. — Vamos voltar para Westcourt e esta noite vou dormir sozinha em 
minha própria cama.

 

Uma sombra de irritação e impaciência passou pelo rosto dele, mas, no momento seguinte, Barry tinha se 
controlado e já sorria.

 

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—  Sabe? Eu queria que dissesse isso. Esperava que fosse mesmo o que pensei que era: uma garota 
direita.

 

Kate desviou os olhos depressa e observou o mar. Talvez não devesse ter concordado em vir. Se fosse 
mesmo o que ele esperava, uma garota direita, não teria aceito o convite. Afinal, era uma mulher casada.

 

Talvez devesse lhe contar tudo agora. Sobre Sean. Olhou-o de lado. Parecia descansado e feliz. Não, não 
podia lhe dizer nada agora; não, quando estava se divertindo. Mais tarde, talvez, quando ele a convidasse 
para sair novamente. Então, contaria.

 

A brisa estava fraca e o iate ficou ã mercê da correnteza forte. Tomaram cerveja e comeram amendoins, 
conversaram e esperaram que o vento viesse. Mas não veio. A maré estava começando a baixar quando 
ligaram o motor e voltaram ao porto.

 

—  Vamos   voltar   amanhã,   se   o   tempo   estiver   bom?   —   Barry perguntou, ao desembarcarem:

 

Agora era hora de dizer, Kate pensou.

 

—  Eu gostaria... — ela começou. — Mas...

 

—  Otimo — ele terminou, depressa. — Passo cedo para pegá-la. Que tal às nove, mais ou menos?

 

— Mas tenho um monte de coisas para fazer, amanhã. É sábado, dia de compras, de arrumar a casa e 
lavar roupa. Não posso vir.

 

—  Então, domingo? — Barry insistiu. — E, em vez de velejar, vamos de carro até Rosedene, almoçar 
com minha mãe. Você vai adorar a velha casa. Há uma sala de música perfeita para alguém como você, 
com um piano de cauda e a harpa que minha avó costumava tocar.

 

—  Acha que deve me levar para conhecer a sua mãe?

 

—  Claro que sim. Quero que ela a conheça, porque quero casar com você. Não ia fazer o pedido assim, 
tão cedo, mas parece que tenho que explicar que minhas intenções são sérias. Assim você me levará a 
sério, Kate. Quer casar comigo?

 

Será que o chão estava se movendo, ou ela estava tonta de surpresa?

 

Sentou-se e olhou-o.

 

—  Não sei — murmurou.

 

—  Por que não? — Sentou-se ao lado dela e lhe segurou as mãos. — Acha   que   sou   muito   velho   
para   você?   —   perguntou,   num   tom

 

amargurado.

 

—  Não, não é isso. A diferença de idades não é importante, quando duas pessoas se gostam e se divertem 
juntas. É que não sei se posso casar com você... porque... bem, a verdade, Barry, é que casei com alguém 

 

dois anos...

 

—  Casada? Não  acredito!  Não  acredito,  mesmo!  Por que não me

 

contou antes?

 

—  Nunca  tocamos   no   assunto  casamento   antes  —  ela  respondeu calmamente. — Eu não tinha 
idéia de que você estava interessado em

 

mim... assim.

 

—  Oh, Deus! — Barry levantou-se e começou a andar de um lado para o outro, no ancoradouro. Depois 
parou e ficou observando o pôr-do-sol. De repente, virou-se para encará-la: — Onde está o seu marido?

 

—  No momento, não sei — respondeu, com os olhos baixos. — Não moramos juntos porque ele é 
repórter e trabalha numa agência de notícias internacional. Está sempre viajando. Não o vejo desde que 
nos casamos.

 

—  Então, não é um grande casamento — Barry disse aliviado, e voltou a sentar-se ao lado dela.

 

— Não, nunca foi. Depois de alguns minutos de silêncio, ele perguntou:

 

—  Por que não acaba com isso? Será fácil, se não moraram juntos durante todo esse tempo. Francamente, 
Kate, não a entendo. Por que casou com ele, se sabia que teriam que viver separados deste jeito?

 

—  Acho que  terei  que  contar tudo  a  você,  desde  o começo.  — Suspirou. — E uma coisa que só o tio 
Hugh sabe.

 

—  Não quero forçar confidências,  mas agradeceria se me contasse. Gosto muito de você, Kate, e acho 
que também gosta de mim e confia em mim.

 

Não foi fácil contar a ele. A história do que tinha acontecido em San Marco parecia agora incoerente. 
Quando terminou, Kate esperou, em silêncio.

 

—  Você fez o que ele sugeriu? Foi a um advogado e pediu a opinião legal sobre esse casamento? — 
Barry disse, finalmente.

 

—  Não.

 

—  Por quê?                        

 

Kate não respondeu logo. Ficou olhando o mar e o sol que brilhava na torre de uma velha igreja ali perto.

 

—  Acho que esperava que tudo desse certo.  Que ficássemos juntos outra vez...

 

—  Só que não se encontraram mais.

 

—  Isso mesmo.

 

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—  Ele nunca veio vê-la na Inglaterra?

 

—  Não.

 

—  Isso deve dar a você uma idéia de como ele se sente. Mostra que não quer estar casado com você, não 
acha? Esteve se iludindo, ficou presa a um sonho de romance,  desejando que  se tornasse realidade.  
Estou surpreso que uma mulher inteligente como você se deixe dominar pela fantasia a esse ponto. É hora 
de acordar, Kate, e encarar a realidade. Parece que esse seu casamento, legalmente, já não existe. Afinal, 
tudo aconteceu num país que não existe mais e cujas leis, provavelmente, não são reconhecidas aqui.

 

—  Mas houve uma cerimônia religiosa. Fizemos o juramento diante de um padre.

 

—  E isso significou alguma coisa para você?

 

—  Sim — murmurou.

 

—  Entretanto, obviamente não significou nada para Kierly. Senão ele

 

já teria vindo vê-la.

 

—  Ele vinha me ver no Natal passado. Mandou um postal da Irlanda. Mas não veio e não tive mais 
notícias, desde então.

 

—  Escreveu para ele?

 

—  Só uma vez, depois que voltei do México. Mandei a carta para a agência de notícias onde trabalha, 
mas não recebi resposta e não escrevi de novo.  — Respirou fundo e continuou: — Já acordei e encarei a 
realidade há algum tempo. Não estou mais presa a este sonho. Sean não significa nada para mim, agora.

 

—  Então,  posso fazer uma sugestão? Posso pedir que consulte um advogado e saiba o que significou 
aquela cerimônia religiosa? Se quiser, posso levá-la até Paul Holgate, que tratou do meu divórcio. É 
muito inteligente e competente.

 

—  Não sei...

 

—  Eu sei. Quero casar com você, Kate. E quero que esteja livre de todo o seu passado. — Barry 
levantou-se. — Vamos conversar sobre isso domingo. O convite para ir a Rosedene ainda está de pé. 
Você vai?

 

Ele a levou de volta ao apartamento e combinaram sair no domingo, às onze da manhã. Kate não teve 
uma noite tranquila. A proposta de casamento tinha lhe trazido de volta lembranças que acreditava mortas 
para sempre.

 

Deitada, lembrou do dia em que Sean chegara à Missão de Santa Rosa, de como se sentira feliz quando 
ele disse que era seu noivo, como aceitara aquilo sem dúvidas. Lembrou da cerimônia de casamento e da 
viagem através das montanhas, para o México. Um pouco arrependida, pensou na noite no hotel em San 
Cristobal, a ternura de Sean e sua paixão.

 

Incapaz de continuar pensando, saiu da cama e foi para a cozinha fazer um chá. Sentou-se e procurou ler, 
esperando se interessar pelo livro. Mas não adiantou nada. Continuava pensando em Sean e no que ele lhe 
havia dito no Aeroporto de Tuxtla.

 

Como tinha sido ingênua em confessar que o amava, daquele jeito, num local público, deixando-o 
embaraçado! Como era tola e romântica! Agora, olhando o passado, via que Sean havia-feito o melhor 
que podia para desencorajá-la,  sugerindo que o que sentia não passava de uma

 

emoção   passageira,   

consequência   apenas   da   situação   dramática   que haviam atravessado juntos.

 

Devia ter escutado, em vez de tentar transformar o sonho em realidade. Devia ter anulado o casamento 
logo que chegara à Inglaterra. O amor que sentia por ele havia morrido, depois de não ter vindo vê-la nem 
responder à sua carta.

 

Do México, Kate tinha voltado para Londres com seu tio Hugh, e ficara morando com ele, a esposa 
Geraldine e um casal de primos na velha casa que dava para Hampstead Heath. Voltara à faculdade e 
mergulhara nos estudos de música. Entretanto, havia momentos em que se sentia desconsolada e muito 
solitária, com uma enorme saudade dos pais. Porém, o tempo cura todas as mágoas.

 

Após a formatura, fez uma viagem pela Europa, assistindo a muitos festivais de música. Ao voltar 
conseguira emprego na Escola Netherfield, mudando para o apartamento no fim de outubro. Logo depois, 
Hugh, a esposa e os filhos foram morar em Dublin.

 

O cartão postal de Sean tinha chegado quando Kate menos esperava. Mostrava um castelo do oeste da 
Irlanda e a mensagem era curta:

 

"Espero ir à Inglaterra no Natal. Telefono para você, Sean".

 

Kate suspirou, guardando o livro que tentava ler. Como tinha ficado animada com postal! Despertara 
lembranças que pensava estarem esquecidas para sempre. E ilusões. Só bem mais tarde percebeu que ele 
não havia colocado endereço no postal e não podia lhe dizer que não morava mais em Hampstead. Em 
pânico, escreveu para os novos moradores do apartamento do tio, pedindo que dessem o endereço dela a 
Sean, assim que ele telefonasse. Recebera uma carta muito gentil, garantindo que dariam a informação e 
começara a se preparar para a visita dele, enfeitando o apartamento com uma árvore de Natal e recusando 
convites de todos os parentes que a chamavam para a ceia. Mas Sean não apareceu, e nunca mais teve 
notícias dele.

 

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Seu orgulho ficou ferido. Sentiu-se desapontada e deprimida. Novamente decidiu-se a esquecê-lo e 
passou a fingir, para si mesma, que nunca haviam casado. Até aquele dia, pensava ter conseguido 
esquecer o que acontecera em San Marco e no México.

 

A proposta de Barry a surpreendera muito. Não havia percebido que a amizade dos dois evoluíra tão 
depressa. Muitas coisas nele a atraíam. Era

 

calmo e culto, gostava de música, tinha sido muito ferido no 

primeiro casamento e, por isso, era cauteloso em relação às mulheres. Não queria se magoar novamente. 
Nem ela. Era provável que formassem um casal satisfatório, um não esperando demais do outro. 
Satisfatório! Kate fez uma careta. Não havia nada de romântico naquilo. Conhecia muitos casais 
satisfatórios, que pareciam completamente vazios. Será que o romance não passava de um sonho? Uma 
flor que logo murchava? 
 

 

No dia seguinte descansou bastante e foi dormir cedo. Quando Barry passou para pegá-la, no domingo, 
sentia-se ansiosa para conhecer Rosedene.

 

Tanto a casa quanto a sra. Wyman a deixaram muito contente. A mãe de Barry era uma mulher bonita, 
rosada e de cabelos grisalhos, que recebeu Kate alegremente, mas sem lhe dar atenção exagerada. Havia 
outros convidados para o almoço, que foi servido na imensa sala que dava para um terraço de pedra onde 
dois pavões passeavam, majestosos.

 

Só quando estava lhe mostrando os estábulos, Barry tocou novamente no assunto do casamento.

 

—  Teve tempo de pensar na minha proposta? O que decidiu?

 

—  Gostaria de visitar o seu advogado.

 

—  Amanhã?

 

—  Assim, tão depressa?

 

—  Visitá-lo  não  significa nada — ele  insistiu.  —  Apenas  poderá esclarecer suas  dúvidas,  facilitando  
uma  decisão  adequada.   Tem  que descobrir se esse casamento é válido ou não, Kate. Não pode fazer 
nada, antes disso. £ acho que, quanto mais cedo resolver, melhor para a sua paz de espírito... e para a 
minha, também.

 

—  Acho que está certo.

 

—  Então, posso levá-la a Londres amanhã, para vermos Paul?

 

—  Sim. 
 

 

Paul Holgate era um homem alto, de rosto fino e olhos cinzentos e frios, usava o cabelo castanho 
penteado de lado, procurando disfarçar uma careca rosada. Leu a certidão de casamento que o general 
Valdez e a madre   superiora  tinham  assinado  como  testemunhas  há  dois  anos  e

 

começou a fazer 

perguntas. Logo descobriu tudo o que tinha acontecido cm San Marco.

 

—  Foi uma cerimônia válida — anunciou —, mas, considerando as circunstâncias,   não   terá  problemas   
em  conseguir  o   divórcio.   Vocês poderiam até ignorar isso e casar logo, pois não há possibilidade 
desse Kierly aparecer e reclamar seus direitos de marido. Mas não aconselho isso, pois Kate poderia sei 
acusada de bigamia. Tem alguma idéia de onde Kierly. está?

 

—  Não.

 

—  Ele precisa saber? — Barry perguntou. — Não podemos resolver tudo sem ele?

 

—  Eu gostaria de procurá-lo e pedir seu consentimento para o divórcio — Paul disse, sério. — Assim, 
tudo seria resolvido muito mais depressa. Mas você, meu amigo, precisa ficar calmo até que tudo esteja 
terminado. Na verdade, sugiro que saia deste escritório agora, enquanto converso sozinho  com  a  srta.   
Lawson.  E,  por favor,  encontrem-se  o mínimo possível, até o divórcio.

 

Barry saiu, relutante, depois de combinar almoçar com Kate. Paul fechou a porta e começou a fazer mais 
perguntas.

 

—  Há algum jeito de descobrirmos onde está Kierly?

 

—  A agência de notícias deve saber.

 

Ele pegou o telefone e falou com a secretária, dando instruções e o número da agência em Londres. 
Segundos depois, o telefone tocou e Paul atendeu. A conversa não demorou muito.

 

—  Não sabem onde ele está — disse, ao desligar o telefone. — Não trabalha mais lá há seis meses. 
Portanto, por onde começamos agora? Há alguém... algum parente que possa nos dar uma pista?

 

—  Vou perguntar ao tio Hugh. Ele conhecia Sean, antes de toda essa história de San Marco. Posso 
escrever e perguntar.

 

—  Não pode telefonar?

 

—  Não,  ele  não tem telefone.  É um  escritor e  não gosta de  ser perturbado.

 

—  Então, parece que teremos que ficar nisso, por hoje. Escreva logo e depois me conte as informações 
que conseguir.

 

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—  Sim. — Kate levantou-se. — Mas, se encontrarmos Sean, o que acontecerá depois?

 

—  Depende do que você decidir. Se quiser mesmo o divórcio, eu cuidarei de toda a papelada.

 

Naquela noite mesmo, Kate escreveu a Hugh. Não mencionou Barry nem o divórcio. Contou que 
pretendia ir à Irlanda em agosto, para o Festival de Musica Tradicional Irlandesa, em Ennis e County 
Clare, e disse que iria visitá-lo em Dublin, antes de voltar. Terminou a carta, perguntando se tinha tido 
notícias de Sean ultimamente.

 

No dia seguinte, passou pelo correio, antes de ir para Lake District, visitar a avó. Enquanto esteve lá, 
Barry foi vê-la e passaram alguns dias agradáveis juntos, passeando pelas montanhas. Depois que ele 
voltou, ela ainda ficou lá uma semana.

 

Esperava encontrar carta de Hugh, ao chegar em casa, mas não havia nada. A única carta importante era 
de Netherfield, informando que a srta. Dodds, diretora do departamento de música, estava doente e não 
voltaria às aulas em setembro. Portanto, seu cargo estava vago, e esperavam que Kate a substituísse. Era 
esperada para uma entrevista com a diretoria da escola no dia primeiro de setembro, às 10 horas da 
manhã.

 

Ainda desejando uma carta de Hugh, antes de partir para a Irlanda, Kate começou a preparar a viagem. 
Ela e os colegas da Faculdade de Música voariam até Dublin, onde alugariam dois carros, e conheceriam 
o sul do país, a caminho de Ennis.

 

Para seu alívio, a carta de Hugh chegou um dia antes da, partida. Vinha com um endereço estranho, do 
oeste da Irlanda. Como sempre, a mensagem era de poucas palavras.

 

"Estou aqui, numa pescaria. Ficarei encantado em vê-la. Depois do Festival de Ennis, venha para cá. 
Pegue a estrada costeira para a cidade de Kilburke e pergunte pela Casa Moyvalla. Espero ter a resposta 
para a sua pergunta final, quando chegar aqui. Hugh.

 

Aquilo significava que saberia do paradeiro de Sean, quando encontrasse o tio. Escreveu imediatamente à 
Casa Moyvalla, dizendo a data em que esperava chegar.

 

Mais tarde, durante o jantar em Harbour Lights, contou as novidades a Barry.

 

—  Então, está progredindo lentamente — ele disse, pensativo. — Não gostei de Paul insistir tanto em 
entrar em contato com Kierly antes de

 

fazer qualquer coisa. Suponhamos que o encontre e ele recuse o 

divórcio. O que fará?

 

Kate ficou olhando para o cálice de vinho que tinha ã sua frente. Jamais lhe ocorrera que Sean recusasse o 
divórcio. Afinal, tinha sido ele quem sugerira a separação.

 

—  Não conheço Sean muito bem,  mas  sei que não gosta de estar casado comigo. Tenho certeza de que 
não recusará.

 

—  Se souber onde ele está, irá vê-lo?

 

—  Qual o problema? Não pode estar com ciúme.

 

—  Estou. E não respondeu à minha pergunta.

 

—  Não vou vê-lo. Acho que está no exterior, cobrindo alguma guerra ou num país em crise.  Ele gosta de 
estar sempre em ação — disse secamente. — O divórcio pode ser aceitado sem que nos encontremos.

 

—  Graças a Deus. Tem mesmo que ir ã Irlanda? Não pode passar o resto das férias aqui? Pensei em 
velejarmos até a Bretanha.

 

—  Parece delicioso, mas a viagem à Irlanda já estava planejada há muito tempo e estou ansiosa para 
assistir ao festival. Está com medo de que eu desapareça? Que as fadas irlandesas sumam comigo? Oh  
não se preocupe. Barry. Eu voltarei. Tenho que estar aqui no dia primeiro de setembro.

 

—  Por quê? — Sentiu que ele fazia a pergunta num tom possessivo que nunca tinha usado antes. Agora, 
estava lhe falando como se fosse propriedade sua, e Kate ficou ressentida.

 

—  Tenho uma entrevista — respondeu friamente.

 

—  Que entrevista?

 

—  Para substituir a srta. Dodds, a diretora do departamento de música de Netherfield, que está doente.

 

—  Claro que não pensa em ficar no lugar dela...

 

—  Penso, sim — Kate o interrompeu tranquilamente.

 

—  Mas, você... é muito jovem para um cargo como esse. Ainda não tem experiência suficiente.

 

—  A srta. Forbes não pensa assim. Na verdade, ela mesma sugeriu a substituição.   Acho que  vou  
gostar.   Estou  muito entusiasmada com  a perspectiva.

 

—  Estou vendo. Está mais animada com isso do que com a idéia de casar comigo — ele reclamou. — 
Não pensei que fosse tão ambiciosa.

 

—  Não sou, mas gosto de trabalhar em Netherfield e sei que sou capaz de organizar o departamento de 
música.  Tenho todas as qualificações exigidas  e  me dou  muito bem com as  alunas,   assim  como  com  
as

 

professoras.

 

—  Mas o trabalho vai exigir que se dedique muito mais. Não terá

 

tantas horas livres como agora.

 

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—  Pode ser, mas não me importo. Quanto mais ocupada estou, melhor

 

me sinto.

 

—  Não poderei vê-la muitas vezes — Barry reclamou.

 

—  Não está se preocupando antes do tempo? Nem sabemos ainda se

 

serei aceita.

 

—  É verdade. Ainda não sabemos.

 

—  Vamos agora — Kate levantou-se. — Quero dormir cedo, porque tenho que levantar de madrugada 
para pegar o avião para Dublin.

 

—  Claro, naturalmente. — Ele se levantou também.

 

Levou-a de volta ao apartamento e, quando Kate ia saltar do carro, segurou-a pelo braço. Virou-se, 
surpresa, e ele se inclinou para beijá-la nos lábios. Era a primeira vez que se beijavam. Mas não sentiu 
nenhuma chama queimá-la por dentro, como acontecia com Sean.

 

Subiu para o apartamento, sabendo que apenas gostava de Barry; não havia risco de se apaixonar por ele.

 

 
 
 
                                                       CAPITULO IV 
 
 

 

A chuva formava uma espécie de cortina cinzenta, cobrindo os campos e as cidades, e Kate ficou 
imaginando por que o tio viera para aquele lugar tão remoto, na costa oeste da Irlanda.

 

Entretanto, apesar da chuva, tinha se divertido no Festival de Música de Ennis. Os corais e os cantores 
folclóricos locais eram de ótima qualidade. E havia também muitos pubs, onde grupos tocavam guitarra, 
acordeão e gaita. Kate tinha adorado a viagem com os amigos, pelo sul, em Dublin e nas montanhas de 
Wícklow, onde visitaram as fábricas de vidro e cerâmica.

 

De Cork, tinham ido para Killarney, passeando pelos lagos e visitando a península de Dingle e, dali, para 
o festival.

 

Kilburke era apenas um amontoado de bangalôs e um pub. Lá, informaram que a Casa Moyvalla ficava a 
poucos quilómetros, mas por uma estrada difícil.

 

Difícil    era    elogio.    Na   verdade,    a   estrada    mais    parecia   uma

 

montanha-russa, e Kate levou 

mais de duas horas para chegar diante da porteira da propriedade. Entrou, imaginando que logo Hugh 
viria lhe dar as boas-vindas e que seria recebida com chá, bolos e biscoitos amanteigados. Haveria fogo 
na lareira e lhe dariam um quarto com uma

 

cama confortável.

 

O caminho fez outra curva e terminou num pátio calçado com pedras. A casa era comprida e baixa, de 
paredes brancas e telhado de sapé. A porta estava fechada e não havia luzes. Girou a maçaneta e, aliviada, 
viu que não estava trancada.

 

O corredor era baixo, e um relógio antigo, a um canto, bateu as horas. Hesitou, mas estava ensopada e 
decidiu pendurar sua capa de chuva, antes que molhasse todo o chão. Eram seis horas.

 

—  Há  alguém  em  casa?  —  Sua voz ecoou  pelo  hall.  — Hugh, cheguei! Vim de Londres, só para ver 
você!

 

Só o vento lhe respondeu.

 

Onde, diabos, Hugh tinha se metido num dia como aquele? Estaria pescando? Impossível. Entrou na 
primeira porta que encontrou. Era um estúdio decorado com grandes poltronas, um sofá e uma mesa 
coberta de papéis. Havia várias estantes cheias de livros e revistas.

 

—  Hugh, onde está você? — ela chamou, indo para a cozinha, muito limpa e arrumada, como se 
ninguém a estivesse usando.

 

Estremeceu. Só faltava agora pegar uma gripe. Voltou à sala de visitas.

 

A lareira era de pedra e muito grande. Tudo ali estava arrumadinho e

 

havia até uma lata de tabaco ao lado do cachimbo. Ao ver aquilo, Kate

 

sentiu-se menos preocupada. Significava que Hugh ainda morava na casa

 

e não podia estar longe.

 

Foi até o carro buscar a mala. Na cozinha, preparou um chá e comeu pão com manteiga. Durante todo o 
tempo, só desejava que a porta dos fundos se abrisse e o tio entrasse com sua vara de pescar. Mas isso não 
aconteceu, e ela resolveu acender a lareira da sala e descansar um pouco, enquanto  começava  a  admitir  
para  si  mesma que  estava se  sentindo

 

ansiosa.

 

Depois escolheu um livro, enrolou-se num cobertor e foi para o sofá. Dentro de pouco tempo,  estava 
cochilando.  Largou o livro e decidiu

 

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dormir ali mesmo.

 

Acordou com algo molhado lhe tocando o rosto e ouviu uma voz de

 

homem, seguida por um ganido. 

Abriu os olhos e deu com um cachorro sentado ao seu lado, no sofá.

 

Lembrou-se de onde estava e sentou-se depressa. Ele estava parado diante dela, vestindo um suéter típico 
da Irlanda, calça de flanela e botas. Seus olhos cinzentos pareciam frios como os lagos das montanhas.

 

—  Olá, Kate — Sean disse, sentando-se e pegando um copo de uísque. Ela levou as mãos aos cabelos, 
sentindo um nó na garganta: devia estar

 

com uma aparência horrível.

 

—  Há quanto tempo você está aqui? — perguntou, tentando aparentar calma.

 

—  Seis semanas.

 

—  Não! Quero dizer... agora? — Percebeu que só uma lâmpada da sala tinha ficado acesa.

 

—  Uns quinze minutos. Arrumei o fogo e preparei um drinque. Aceita alguma coisa? Um uísque, sherry, 
brandy...

 

—  

Aceito um brandy. — Precisava de algo forte para se recuperar do choque.

 

Ele se levantou, pegou um copo e serviu. Depois voltou à poltrona. Kate notou que mancava ligeiramente. 
Estendeu-lhe o copo e brindou.

 

—  Slainte — disse em galês.

 

Ela tomou o brandy de um só gole e o observou. Agora, deveria estar com trinta e três anos, nove anos 
mais velho do que ela. Não era muito alto, tinha ombros largos e um rosto marcante. Seu corpo parecia 
feito para aguentar a vida dura.

 

—  Onde está Hugh?

 

—  Hugh? — ele repetiu, confuso. — Acho que está em Dublin.

 

—  Então, por que ele me convidou para vir aqui?

 

—  Ele a convidou para vir aqui? Disse que estaria aqui?

 

—  Não. Isso está muito confuso. Quando lhe escrevi para dizer que vinha ao festival de música em 
Ennis, perguntei se tinha notícias suas. Na resposta, ele me convidou a vir aqui. Não mencionou você.

 

Sean encarou-a durante um momento, em silêncio.

 

—  Parece que ele está cansado de lidar com personagens imaginárias e agora   decidiu   manipular   
pessoas   reais.   Não   me   contou   que   tinha convidado você. Vai me falar por que perguntou a Hugh 
sobre mim?

 

Perturbada por estar sozinha com ele naquela casa, Kate pediu mais brandy e quase engasgou.

 

— Para... poder entrar em contato com você. Pedi à agência de notícias o seu endereço, mas informaram 
que não trabalhava mais lá há seis meses. O que aconteceu?

 

—  Tirei uma licença.

 

Ficaram   em   silêncio  mais   algum  tempo,   ouvindo   apenas   o   fogo

 

crepitando na lareira.

 

—  Faz tempo que você está na Irlanda?

 

—  Sim. Vim da Bolívia para cá em dezembro passado. Meu avô tinha morrido e  sou  seu único herdeiro.   
Precisava resolver os assuntos da família. Mandei-lhe um postal. Você recebeu?

 

—  Recebi. Por que não foi me ver no Natal?

 

—  Não pude.

 

—  Então, por que não me avisou? — insistiu, nervosa, sentindo que o

 

brandy 

começava a fazer efeito.

 

—  Foi impossível. Já lhe disse que tive que cuidar dos negócios do meu avô. E, quando estive em 
Dublin, uma velha amiga me convidou para uma festa.

 

—  Amiga?

 

—  Sim, amiga. Depois da festa, eu a levei para casa e as coisas saíram do controle, não me lembro muito 
bem... Qual é o problema?

 

Kate levantou-se, furiosa, sentindo o fogo do ciúme.

 

—  Não se incomode em lembrar.  Já adivinho o que aconteceu. — Caminhou em direção ao corredor.

 

—  Onde vai? — Sean levantou-se e saiu mancando atrás dela.

 

—  Vou embora!

 

—  Por quê?

 

—  Eu... não posso ficar aqui sozinha com você. Não sei por que Hugh me convidou para vir, mas, como 
ele não está, vou embora.

 

—  Também não sei por que ele a convidou — Sean respondeu. — Se tivesse me avisado, teria saído 
antes de você chegar.

 

—  Oh... está bem! — Kate correu para o corredor, agarrou a capa de chuva, fechou a mala e saiu, 
batendo a porta. A chuva a atingiu com força, no rosto. Entrou no carro, dando partida.

 

O motor não reagiu. Tentou outras vezes, e nada aconteceu. Tentou

 

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ligar os faróis e não conseguiu. A bateria tinha acabado. Droga!, pensou. O que faria agora, com aquela 
chuva? Viu Sean se aproximar e, de repente, escorregar e cair Kate correu para ele.

 

—  O que aconteceu? Você se machucou? — gritou, curvando-se sobre ele.

 

A resposta foi um gemido de dor. Tentou se levantar, mas, quando ela quis ajudar, ele a afastou.

 

—  O que há de errado com o carro?

 

—  A bateria acabou. Não há um jeito de recarregá-la?

 

—  Não. Não tenho carro aqui.

 

Ficaram se encarando, enquanto a chuva escorria em seus rostos. Kate desviou os olhos.

 

—  Não sei o que fazer — murmurou.

 

—  Não tem muita escolha — ele disse friamente. — Terá que engolir o seu orgulho e passar a noite aqui. 
Ou então, pode ir a pé até o vilarejo e ficar em um pub. — Virou-se e saiu mancando para a casa, 
deixando a porta aberta, como se esperasse que ela o seguisse.

 

Kate ficou onde estava, na chuva, trémula. Estava arrependida do impulso que a fizera sair do calor e 
aconchego daquela casa. Mas, como sempre, era difícil voltar atrás. Ao sair correndo, tinha fugido de algo 
que não queria encarar: da conversa que devia ter com Sean, a respeito do divórcio. Espirrou duas vezes.

 

—  Kate! — Sean chamou da porta. — Não seja boba. Não pode ir a pé até o vilarejo, nessa tempestade.  
Venha para dentro.  Pode pegar uma pneumonia.

 

—  Como se você se importasse! — ela gritou.

 

—  Pelo   amor   de   Deus!   —   Desceu   a   escada   e   se   aproximou, abraçando-a, antes que ela 
pudesse evitar.  Kate ficou tensa e curvou a cabeça para trás, para encará-lo. Sentia que sua raiva crescia.

 

—  O que está fazendo? — perguntou, em tom de desafio.

 

—  Isto...  — Seus lábios se aproximaram dos dela.  Kate tentou se libertar, mas suas bocas se 
encontraram. A dele, vingativa e áspera; a dela, suave e quase submissa. Não houve piedade naquele 
beijo, nenhuma afeição nem calor. Apenas exigência. Era um insulto e ela ficou chocada com aquela 
selvageria. Procurou empurrá-lo para longe.

 

—  Solte-me — pediu, empurrando-o com força, mas sem conseguir

 

nada. Sem responder, Sean levantou-

a nos braços com facilidade e levou-a para casa. Colocou-a no chão, no corredor, e Kate se afastou, com 
os olhos brilhantes de ódio.

 

—  Vá trocar de roupa — ele disse por entre os dentes.

 

—  Não! Não vou ficar aqui e...

 

—  Vai fazer o que mandei — ele interrompeu. — Quer que a carregue e a jogue na banheira?

 

—  Não. — Kate passou a mão na boca. — Você não tem nenhum direito de ficar me dando ordens 
assim. Não tem nenhum direito de me beijar daquele jeito e... — O espirro pareceu estourar sua cabeça, e 
os olhos ficaram tímidos.

 

—  O quarto fica perto da escada — Sean disse. — Encha a banheira e entre. Vou buscar sua mala.

 

—  Mas eu não quero... — ela começou, e espirrou de novo. Ele a ignorou e foi pegar a mata.

 

Ainda sentia vontade de desafiá-lo, mas estava começando a tremer e achou atraente a idéia de um banho 
quente. Sem perceber o que fazia, começou a subir a escada.

 

O banheiro era imenso e antigo, com uma banheira de porcelana, e Kate achou que ali talvez tivesse uma 
bomba para tirar água do poço. Mas, quando abriu a torneira, jorrou água quente.

 

Ainda estava no banho quando a porta se abriu e Sean entrou. Colocou a camisola e o robe sobre uma 
cadeira e olhou-a. Odiando-o por causa de tamanha insolência, ela o encarou, imóvel, durante um 
momento.

 

—  Quando tiver terminado, vá para a cama, no quarto ao lado. Já liguei o cobertor elétrico e estará 
quente quando você chegar — ele disse friamente,  pegando as roupas que ela havia jogado no chão. — 
Vou pendurar isso na cozinha.

 

—  Obrigada — murmurou, mas ele já tinha saído.                               
O quarto era decorado com muito bom gosto e cores suaves: um tapete

 

cor de areia, colcha e cortinas 

alaranjadas. Foi para a cama e se acomodou debaixo do cobertor elétrico. Sentia a cabeça pesada e a 
garganta doendo. Tinha que admitir que a cama era o local mais indicado, para ela, naquele momento.

 

Estava quase dormindo quando ouviu a maçaneta da porta girar. Ficou

 

logo alerta e viu Sean entrar, 

devagar. Trazia uma caneca fumegante e colocou-a na mesinha de cabeceira.

 

—  Beba isso. Vai ajudar. — Seu suéter ainda estava úmido de chuva, mas tinha escovado o cabelo, e 
agora Kate via que havia alguns fios grisalhos em suas têmporas.

 

—  O que é isso? — perguntou, olhando a caneca, com ar de suspeita.

 

—  Uísque, limão e mel. Nada que lhe faça mal. Beba enquanto está quente.

 

Ela não se mexeu, esperando que ele fosse embora, mas Sean continuou ali, de pé.

 

—  Não precisava ter preparado essa bebida para mim — disse, rouca.

 

—  Sei disso. Mas já preparei e faria o mesmo por qualquer pessoa que estivesse com gripe. Vamos, 
mostre sua gratidão bebendo tudo.

 

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Ela pegou a caneca e o líquido lhe queimou a garganta.

 

—  Beba até o fim — ele disse, quando ela quis parar.

 

—  Sean, eu não...

 

—  Beba. Senão, despejo pela sua goela abaixo.

 

Olhou para ele, furiosa, e tomou tudo, com medo de que a tocasse novamente. Depois colocou a caneca 
na mesinha e afundou sob os cobertores novamente.

 

—  Sean, preciso falar com você.

 

—  Agora não.

 

—  Sim, agora.

 

—  Você. mal pode falar.  Está com dor de garganta.  É melhor se acalmar e dormir.

 

—  Mas não quero dormir — insistiu, apesar de se sentir sonolenta. — O que colocou naquela bebida?

 

—  Já disse para dormir. Conversaremos amanhã.

 

—  Vou embora amanhã — respondeu com um ar desafiador, tentando manter os olhos abertos. — 
Vamos conversar agora. Eu disse a Barry que tentaria entrar em contato com você. Por isso, escrevi a 
Hugh, pedindo o seu endereço.

 

—  Quem é Barry?

 

—  Barry Wyman. Ele... me pediu em casamento. Finalmente tinha falado e sentiu-se aliviada. Agora, 
poderia dormir.

 

—  Pediu mesmo? Que interessante! — ele comentou. — E o que isso tem a ver comigo?

 

—  Você sabe muito bem! Ainda estou casada com você; portanto, não posso casar com ele.

 

—  Ainda está casada comigo? Pensei que já tivesse tratado do divórcio há muito tempo.  Está bem, 
conversaremos sobre isso amanhã. — Sean apagou o abajur e foi para a porta. — Boa noite.

 

—  Boa noite. — Ela fechou os olhos e dormiu.

 

Já estava claro quando acordou e viu o céu. azul pela janela.. A chuva tinha parado e um raio de sol 
preguiçoso brilhava na parede. Sentia a cabeça dolorida, mas a garganta estava boa. Não eslava com 
vontade de levantar, mas lentamente foi esticando as pernas. De repente, sua perna tocou em alguém. 
Puxou-a depressa e virou-se. Sean estava deitado ao seu lado e a olhava.

 

—  O que está fazendo nesta cama? — Kate perguntou, furiosa.

 

—  Nada. — Ele bocejou e virou-se, espreguiçando. — Até há poucos minutos, eu estava dormindo. 
Agora, estou acordando...

 

—  Quem disse que podia dormir comigo?

 

—  Acho que foi o padre que nos casou. E acontece que esta é a minha cama. — Pegou um cacho de 
cabelo dela e o acariciou.

 

—  Você devia ter me dito isso, ontem à noite. Eu não estaria aqui, se soubesse. Teria dormido em outro 
quarto.

 

—  Mas era muito mais prático que dormisse aqui. As outras camas não têm lençóis nem cobertores. 
Como vai o resfriado?

 

—  Minha garganta não está doendo, mas o nariz ainda está entupido

 

—  respondeu, sem jeito. A proximidade dele, ali naquela cama, a deixava pouco à vontade.  O mais 
desconcertante era que ele agora afastava as cobertas e começava a lhe acariciar os seios. — Não nos 
vemos há dois anos — ela murmurou, tentando afastar sua mão.

 

—  Eu sei. Avisei você de que não seria um bom marido.

 

—  Então, não devia continuar pensando que ainda pode dormir comigo

 

—  disse, desesperada, procurando resistir à magia dos dedos dele. — Não, Sean, por favor. Não quero.

 

—  Eu quero — ele murmurou. — Eu quero muito.

 

—  Mas não é seguro.

 

—  O que quer dizer com isso? — ele perguntou, quando um uivo veio do outro lado da porta. Os dois 
deram um pulo, tensos.

 

— O que foi isso, Sean?

 

—  Padraic, o cão. Esqueci dele. Quer sair e, se eu não for abrir a porta, vai fazer uma sujeira enorme e 
Agnes ficará furiosa comigo. — O cão uivou novamente e Sean gritou: — Está bem, menino, vou num 
minuto. — Levantou-se e começou a tirar a calça do pijama.

 

Kate olhou para o outro lado, mas aos poucos arriscou um olhar. Ele estava muito mais magro, com 
alguns ossos aparecendo sob a pele pálida. Mais magro e mais pálido do que no México. Parecia. ter 
estado bem doente, do mesmo modo que ela, depois do acidente de avião, em San Marco.

 

—  O que aconteceu com a sua perna? — perguntou, quando ele se aproximava da porta. — Por que está 
mancando?

 

Com a mão na maçaneta ele a olhou, indiferente.

 

—  Pensei que nem tinha percebido. Foi um acidente.

 

—  No exterior?

 

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—  Não, aqui na Irlanda.

 

—  Quando?

 

—  O que você tem com isso?

 

—  Gostaria de saber. — Por quê?

 

—  Porque...  porque...  — Foi  interrompida pelo uivo do cão,  que começava a arranhar a porta. — Se 
não quer contar, não tem importância.

 

—  Está bem, garoto, vá dar a sua voltinha. — Sean tinha aberto a porta e conversava com o cachorro. 
Depois, tudo ficou em silêncio.

 

Kate estava preocupada. Ele devia ter ficado muito ferido, para ainda mancar. Por que ninguém a avisara? 
Por que as autoridades irlandesas não a haviam procurado? Talvez Sean não a considerasse sequer uma 
parente próxima.

 

Suspirou e virou para o outro lado. Sentia-se cansada e queria dormir mais um pouco. Mais tarde 
conversaria com Sean sobre o divórcio. Depois que ele desse o consentimento, iria embora. Iria até 
Dublin, procurar Hugh e saber por que a convidara para o bangalô. Por que tinha feito aquilo, se sabia que 
Sean estava lá?

 

Quando acordou novamente, era quase meio-dia e o quarto brilhava ao sol. Sentia-se com a cabeça leve e 
já conseguia respirar com mais facilidade. Levantou-se e foi até a janela. 
Os campos verdes eram cercados por muros de pedra e as ovelhas pastavam tranquilamente.

 

Rate procurou absorver aquela calma. Abriu a janela e observou o pátio, procurando seu carro vermelho. 
Não estava lá. Entretanto, ela o havia estacionado exatamente em frente à poria. Onde estaria? Será que 
Sean conseguira dar a partida?

 

Fechou a janela e olhou em volta, procurando suas roupas. Depois lembrou que Sean tinha tirado do 
banheiro para pendurá-las na cozinha. Precisava usar outra coisa. Mas, onde Sean tinha posto sua mala? 
Não estava no quarto. Só o robe se encontrava ali, dobrado sobre uma cadeira. Debaixo desta, os 
mocassins.

 

Vestiu o robe, calçou os sapatos e foi ao banheiro. Enquanto lavava o rosto, olhou-se no espelho com ar 
crítico, lembrando-se de sua aparência quando Sean a conhecera. Bem, apesar de estar com o nariz 
vermelho por causa do resfriado, tinha melhorado muito. Parecia com a moça da fotografia que ele 
guardava dentro do diário. Será que ainda tinha aquela foto?

 

Lá embaixo não havia ninguém, mas tudo estava arrumado e as cinzas tinham sido retiradas da lareira. 
Ouviu sons na cozinha, abriu a porta e deu com uma mulher grisalha, de pé perto da mesa, batendo creme 
com uma colher de pau.

 

— Mãe de Deus, que susto você me deu! — a mulher disse.

 

Depois de refeita da surpresa, perguntou: — Quem, diabos, é você?

 

 

 
                                                 CAPÍTULO V

 

 
 
Tão surpresa como a mulher, Kate respondeu:

 

—  Sou Kate Lawson. E você, quem é?

 

—  Agnes Daley. E o que está fazendo aqui?

 

A mulher tinha ombros largos, um busto enorme e usava uma blusa cor-de-rosa que não combinava em 
nada com a saia de flanela vermelha berrante (aquela era a roupa tradicional do oeste da Irlanda). O 
cabelo grisalho tinha sido preso num coque desajeitado. Olhava a camisola de Kate, com ar desaprovador.

 

—  O tio Hugh não... Isto é, o sr. O'Connor não avisou que eu vinha? Sou a sobrinha dele.

 

—  Por que ele me diria isso? — Agnes voltou a bater o creme com a colher de pau.

 

Ele me convidou para passar alguns dias aqui. Escrevi, dizendo que chegaria ontem, mas não deve ter 
recebido minha carta.

 

—  Chegou uma carta ontem. O sr. Kierly mandou-a para Dublin. Mas

 

não sei que direito o sr. O'Connor 

tem de convidar alguém para vir a esta casa. Ele era apenas um convidado aqui, há algumas semanas.

 

—  Um convidado? Mas pensei... Pode me dizer de quem é a casa? É sua?

 

—  Não. É do sr. Sean Kierly. O avô, James Kierly, deixou-a para ele quando morreu. Sou apenas a 
empregada. Venho todas as manhãs, limpo tudo, faço comida e lavo. Fiz isso para o sr. James e desde que 
o sr. Sean veio, há seis semanas, estou trabalhando para ele. Tem certeza de que o sr. O'Connor não lhe 
contou nada disso quando a convidou a vir aqui?

 

—  Certeza   absoluta.   —   Kate   agora   percebia   que   Hugh   a   tinha enganado.

 

A empregada começou a fazer tortas.

 

—  Então, é a sobrinha do sr. O'Connor... Acho que o sr. Kierly ficou surpreso quando você chegou. Ele 
não esperava ninguém. Senão, teria me avisado.

 

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—  Acho que sim. — Kate estava furiosa com o tio. — Sean não lhe disse que eu estava aqui, esta 
manhã?

 

—  Ele já  tinha  saído,   quando  cheguei.   Como  veio  até   aqui?  — continuou, tirando um bolo do 
forno.

 

—  Vim  de  carro.  —  A  mulher olhou-a,  incrédula.  — Vim,  sim. Estacionei diante da porta da frente,  
mas houve um problema com a bateria, por isso o sr. Kierly insistiu para que eu ficasse, apesar do meu tio 
não estar. Mas o carro não está onde o deixei. Você o viu?

 

—  Não. — Agnes começou a lavar a louça. — Não havia nenhum carro, quando cheguei. — Novamente 
olhou Kate, com ar desconfiado.

 

—  Há alguma garagem onde o sr. Kierly poderia tê-lo guardado?

 

—  Claro que há. Era o velho estábulo. Dê uma olhada lá.

 

—  Vou tirar minha roupa do varal — Kate disse e caminhou até o velho fogão de lenha, onde estavam 
suas roupas. — Será que viu a minha mala? É marrom e não está no quarto onde dormi.

 

—  Não vi. Procure na sala de visitas. Quando estiver vestida, venha tomar um café.

 

—  Obrigada.

 

Aliviada, sentindo que Agnes já não a olhava com tanta desconfiança, Kate saiu para procurar a mala, 
mas não a encontrou. Foi para o quarto e

 

se vestiu. E a bolsa, onde estaria? Lembrava-se de tê-la visto 

pela última vez no carro. Suspirou, pegou uma escova de cabelo de Sean e penteou-se.

 

Onde ele teria posto a sua mala? Abriu a porta do armário e só viu roupas de homem. Também não 
encontrou nada debaixo da cama. Talvez estivesse em outro quarto. Foi olhar, mas não achou.

 

O cheiro de bacon frito fez com que percebesse como estava faminta. Desceu depressa e, num impulso, 
abriu a porta da frente. Ouviu os gritos das gaivotas, que voavam sobre a pequena praia, ali perto. Não 
havia nenhum sinal de gente.

 

Saiu da casa e foi até o estábulo. Abriu as portas velhas, mas só viu uma velha carroça. Seu carro 
vermelho não estava lá. Percebendo que não poderia ir embora, voltou à cozinha. Agnes serviu um prato 
com bacon, ovos e uma xícara de chá.

 

—  Achou a mala?

 

—  Não. Nem a minha bolsa. E o carro não está no estábulo. Parece que tudo sumiu.  — Kate riu 
lembrando as histórias que sua mãe lhe contava sobre as fadas da Irlanda, que fazem brincadeiras com as 
pessoas. —   Talvez   haja   algumas   fadas   e   anõezinhos   por   aqui   —   disse, brincalhona.

 

—  Nunca diga isso — Agnes falou, séria, e se benzeu. — Acho que talvez o sr. Kierly tinha conseguido 
ligar o carro e o levou até o vilarejo, para Martin McCormic consertar. Ele é um bom mecânico. Não há 
nada que não conserte.

 

—  Talvez  sim,   mas  isso  não explica  o  desaparecimento da  minha mala. Pode ser que a bolsa esteja 
no carro, mas não a mala. Ele a trouxe para dentro, ontem à noite. Eu sei porque... — Kate parou. Não ia 
contar detalhes tão íntimos para aquela mulher. Ela poderia ficar chocada. — Sei porque tirei a camisola 
de lá.

 

—  É tudo muito confuso — Agnes disse. — Você terá que esperar até que ele volte, para perguntar onde 
está a mala.

 

—  Acho que sim. — Estava começando a achar que era uma vítima, não  só dos truques do tio, mas 
também de Sean.  Por que ele teria escondido sua mala? O que esperava ganhar, mantendo-a mais tempo 
ali?

 

—  Quanto tempo trabalhou para o sr. James Kierly? — perguntou a Agnes.

 

—  Mais de vinte anos. Desde que ele comprou esta casa. Sempre dizia que  havia  pertencido  à  família  
Kierly  antes  que  imigrassem  para  a América.   Ele era um  ótimo  homem.   Passou  parte  de  sua vida 
aqui escrevendo suas memórias. Ele foi jornalista nos Estados Unidos e levou uma vida muito 
interessante. Você nem acredita quanta gente famosa ele conheceu. Terminou o livro poucas semanas 
antes de morrer. O sr. Sean ia levá-lo a um editor em Londres, quando sofreu o acidente. Meu Deus, que 
coisa terrível! — Ela sacudiu a cabeça.

 

— O que aconteceu?

 

—  O carro  que  ele  estava dirigindo  derrapou  na estrada e  foi  de encontro a um caminhão.  Ele teve 
muita sorte de escapar.  Ficou seis meses num hospital, até poder andar novamente. Veio aqui para se 
tratar.

 

—  Quando foi o acidente? — Kate perguntou. Se Sean estava ali há seis semanas, tinha passado os 
últimos seis meses no hospital.

 

—  Pouco antes do Natal, na estrada de Dun Laoghaire. Ele ia pegar a balsa de Holyhead. Quebrou a 
perna em dois lugares e quebrou algumas costelas, também. Acho que levou uma batida forte na cabeça, e 
sabe o que isso pode causar em uma pessoa?

 

—  Sim, eu sei. — Será que Sean tinha perdido a memória por algum tempo?

 

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—  Ele ainda não está bom. O seu tio, o sr. O'Connor, ficou muito preocupado. Ele me disse que não era 
bom o sr. Sean ficar morando aqui sozinho. Ouvi os dois discutirem algumas vezes. Bem... vou trabalhar. 
Tenho que arrumar as camas. Em que quarto você dormiu? O sr. Sean lhe arranjou lençóis?

 

—  Eu... bem... sim. — Kate levantou-se, depressa. O que Agnes ia pensar, se descobrisse em que cama 
ela dormira? — Pode deixar que eu arrumo as camas.

 

—  Ótimo. É muita gentileza sua. Amanhã de manhã vou tirar o pó. Agora, vou lavar algumas coisas 
enquanto as tortas não ficam prontas. Gostaria de ir embora à uma hora, para cuidar da minha casa.

 

—  Onde mora?

 

—  No povoado de Dunane, acima do estuário do rio. Já ouviu falar do castelo de Dunane?

 

—  Não. Nunca estive nesta parte da Irlanda. É um castelo famoso?

 

—  Dizem que foi construído no. século I d.C. e servia de fortaleza.

 

Thomas Cavanagh é dono do castelo 

agora e transformou-o numa atração turística. A srta. Nuala Cavanagh é a anfitriã neste verão. Ela é 
também atriz de teatro em Dublin e já estreiou alguns filmes. Talvez já tenha ouvido falar dela.

 

—  Não — Kate respondeu.

 

—  Ela e o sr. Sean são grandes amigos. Ela o trouxe do hospital para cá e me pediu que tomasse conta da 
casa para ele. Vem aqui quase todos os dias para visitá-lo.  E muito alegre e bonita.  Eu não ficaria nada 
surpresa se os dois casassem um dia desses, quando o sr. Sean não tiver mais que viajar para o exterior. E 
hora de sossegar e ter uma família. Senão os Kierly acabarão.

 

Nuala Cavanagh, Kate repetiu mentalmente o nome, enquanto ia para o quarto. Era a mulher com quem 
Sean casaria um dia. Mas como, se já estava casado com ela? Sentiu uma sensação estranha ao lembrar 
que ele havia mencionado ter ido a uma festa em Dublin com uma mulher e que, depois, a levara para 
casa. Tinha ficado com aquela mulher em vez de ir vê-la, na Inglaterra. Depois, sofrera o acidente e a 
mulher o levara para lá comportando-se como se tivesse todo o direito de cuidar dele.

 

Estou com ciúmes, disse a si mesma. Mas como poderia estar com ciúmes? Não amava mais Sean. Seu 
amor não tinha sobrevivido à separação e ao modo indiferente como ele a tratava. Se o amasse, teria 
correspondido às carícias dele, naquela manhã, na cama. Teria feito amor com ele.

 

Arrumou a cama e decidiu dar um passeio. Atrás do estábulo havia um atalho que levava a um riacho. 
Mais além, surgiam as montanhas escuras. Caminhando ao lado do riozinho, Kate teve que se curvar 
várias vezes para evitar os ramos dos salgueiros. De repente, a correnteza se alargou formando uma 
piscina escura.

 

Sean estava de pé numa pedra que se projetava sobre aquele pequeno lago. Calçava botas de borracha e 
tinha acabado de jogar a linha de pescar.

 

Kate achou uma pedra baixa e sentou-se. A ponta da linha estremeceu. Será que algum peixe tinha 
mordido a isca? Durante alguns segundos ele lutou com o peixe, mas logo o venceu. Começou a se 
aproximar da margem e logo a viu.

 

perguntou, tirando a isca da

 

—  Gostaria de uma truta para o jantar? boca do peixe.

 

—  Não é muito grande, não vai dar para dois — ela disse em tom crítico.

 

—  Tenho outras. — Pegou a sacola de lona e mostrou outras três trutas. — Foi uma boa pescaria.

 

—  Você vai ter que comer todas: não estarei aqui para o jantar.

 

—  Onde estará?

 

—  A caminho de Dublin.

 

—  Como vai partir?

 

—  No mesmo carro em que vim. Eu o aluguei no aeroporto e tenho que devolvê-lo lá. Onde está o carro? 
O que você fez com ele?

 

—  Tentei dar a partida esta manhã, mas não consegui. Telefonei para Martin McCormic,  em Dunane, 
que veio buscá-lo. Ele disse que os fios estavam  muito  molhados  e  precisariam  de   algum  tempo  para  
secar. Guinchou-o para sua garagem.

 

—  Devia ter me contado — Kate reclamou.

 

—  Você estava dormindo.

 

—  Quanto tempo vai demorar?

 

—  Um ou dois dias. Foi o que Martin disse.

 

—  Oh, isso é impossível. Tenho de partir esta tarde.

 

—  Ninguém   trabalha   depressa,   nesta   parte   do   mundo   —   Sean comentou. — Quando se vem 
para cá é preciso jogar fora o relógio. Nada do que disser vai fazer Martin se apressar. Você não partirá 
esta tarde.

 

—  Mas...   não  posso  ficar.   Preciso  estar em  Westcourt  depois  de amanhã, tenho um compromisso.

 

—  Que pena!

 

Kate olhou-o aborrecida, mas ele estava lidando com a vara de pescar.

 

—  Agnes Daley me contou que a Casa Moyvalla é sua.

 

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—  Aposto que ela ficou surpresa de encontrar uma mulher estranha.

 

—  Não mais do que eu, em saber que tio Hugh não é o dono da casa. Por que não me contou que tinha 
herdado a propriedade de seu avô?

 

—  Nãõ tive chance. O que mais Agnes lhe contou?

 

—  Que você ficou muito mal depois do acidente. Que ia pegar a balsa de Holyhead quanto tudo 
aconteceu. É verdade?

 

—  É  verdade.   Depois  de  levar  Nuala  ao  apartamento  dela,  dirigi

 

depressa demais. Estava indo para 

Londres, ver um editor. E ia ver você também, como sabe. Ia lhe contar tudo isso ontem à noite, mas você 
não quis ouvir.

 

—  Desculpe-me. Lamento que tenha se machucado. Eu devia ter sido avisada. Por que ninguém me 
avisou?

 

Sean encostou a vara de pescar numa árvore e ficou ao lado dela, de braços cruzados.

 

—  Pensei que tinha sido avisada.

 

—  Não. Pensei que tivesse mudado de idéia e resolvido que não queria mais me ver — murmurou.

 

—  Logo que melhorei, pedi que avisassem você.

 

—  Pediu a quem?

 

—  A uma amiga... pelo menos, alguém que pensei que fosse amiga. — Ele sorriu cinicamente. — Oh, 
bem, não tem mais importância, agora. Os danos já foram reparados.

 

—  Nem Hugh me contou.

 

—  Hugh só soube do acidente quando chegou, há poucas semanas. Ele nem sabia que eu estava morando 
aqui, até começar a me procurar. Acho que isso aconteceu depois que recebeu a sua carta.

 

—  Ele lhe contou que eu havia perguntado onde você estava?

 

—  Não. Nem falou de você. Disse apenas que estava muito orgulhoso de sua carreira como professora de 
música. Tive a impressão de que você estava indo muito bem.

 

Kate olhou para o lago e depois observou o céu. Aquele era um lugar tranquilo, muito diferente dos 
outros onde havia estado com Sean. Era um lugar calmo, onde ninguém se apressava, e gostaria de ficar e 
conhecer Sean melhor. Entretanto, não podia ficar.

 

—  Você contou a Agnes sobre...  o nosso relacionamento? — Sean perguntou.

 

—  Não. Quando ela me perguntou, dei o meu nome de solteira, por força do hábito. Eu nunca... usei o 
nome Kierly e nem disse a ninguém que casamos em San Marco.

 

—  Até encontrar Barry Wyman.

 

—  Sim, contei a Barry. Aconteceu... ele me pediu em casamento — ela disse, na defensiva.

 

—  Há quanto tempo você o conhece?

 

—  Desde novembro. Ele foi a Netherfíeld, a escola onde leciono, para ouvir a filha tocar num concerto.

 

—  É viúvo ou divorciado?

 

—  Divorciado há alguns anos. Eu o vi várias vezes, desde que nos conhecemos,  mas  não tinha idéia de 
que pensava em casamento,  até poucas semanas.

 

Ficaram alguns minutos em silêncio. A água brilhava ao sol e tudo ali parecia novo e limpo, após a chuva 
da véspera.

 

—  Já dormiu com ele?

 

Aquela pergunta a atingiu como uma chicotada. Os olhos dele estavam ainda mais frios e sérios.

 

—  Não tem nenhum direito de me perguntar isso!

 

—  Não? Mas algumas pessoas acreditam que sim. Entre elas, o padre que nos casou. Não entendo por 
que você não tratou do divórcio, logo que chegou aqui. Teria sido tão simples... Poderia ter resolvido tudo 
nos últimos dois anos, enquanto estive no exterior. Por que não tratou deste assunto?   —   Ele   parecia   
quase   zangado,   como   se   estivesse   muito desapontado por ela não ter tratado do divórcio.

 

Kate  sentiu-se  magoada  com  aquilo  e  seus  olhos  se  encheram de  lágrimas.

 

—  Por que você não cuidou disso? — disse,  com a voz tremendo desconsoladamente.

 

—  Ah!  — ele riu,  amargo.  — É uma boa pergunta.  Tive  muitas razões. A principal é que estive 
ocupado, tentando me manter vivo. Não apenas em  San  Marco,  mas em outros  lugares do mundo.  
Estive na prisão, durante seis semanas, num país qualquer, por exemplo.

 

—  Porquê?

 

—  Porque  contei  a  verdade,   numa  reportagem.   Porque  garanti  ao mundo o direito de saber dos dois 
lados da situação. — Respirou fundo e. continuou,   mais   calmo:   —   Esperava   que   você   tivesse   
resolvido   o problema do nosso casamento... se quisesse.

 

E se ela dissesse a ele agora: "Eu não quis o divórcio porque esperava que o casamento acabasse dando 
certo". O que ele responderia? Riria dela, por ser tão sentimental e romântica? Não podia se arriscar. Não 
aguentava mais ser magoada por ele.

 

Olhou-o novamente e viu que  a observava,  mas seus olhos já não estavam tão frios. Sean tinha uma 
expressão sensual e sorria.

 

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—  Você engordou um pouquinho, desde a última vez. Agora, os ossos não estão mais aparecendo. — 
Aproximou-se e acariciou o rosto dela. — A pele está firme e macia como um pêssego — disse 
suavemente. Kate sentiu como uma corrente elétrica lhe percorrer o corpo. — Mas ainda cora à toa — 
Sean murmurou, pegando uma mecha do cabelo dela.

 

Kate percebeu que os lábios dele se aproximavam e, involuntariamente, aproximou-se também.

 

—  Houve momentos em que acreditei que nunca mais a veria de novo, e agora você está aqui. Gostaria 
que ficasse por algum tempo, Kate,

 

—  Eu...  eu...  não posso ficar — murmurou, procurando ignorar a vozinha interior que gritava, 
desesperada: "quero ficar, quero ficar!" — Vou partir para Dublin amanhã.

 

—  Não deixarei.

 

De repente, Kate sentiu o calor daqueles lábios nos dela: sedutores, quentes, gentis, com uma promessa de 
paixão. — Fique, por favor, Kate... por alguns dias... e noites.

 

—  Não! — Ela o empurrou. — Não posso ficar. Tenho que voltar à Inglaterra. Preciso estar lá no dia 1º 
de setembro, depois de amanhã.

 

— Então, pode ficar mais uma noite. Se partir amanhã, chegará na Inglaterra a tempo.

 

—  Não. Não quero passar mais uma noite aqui... com você.

 

—  Por quê? — Ele tinha um ar aborrecido.

 

—  Porque... oh, porque... acho que quer que eu fique só porque sou uma mulher.

 

Ele riu, divertido, mas a expressão de seus olhos não mudou.

 

—  Confesso que isso tem muito a ver com o meu convite. Ver você, deitada na minha cama, despertou os 
apetites que eu pensava já estarem mortos pelo acidente. Lembra aquela noite em San Cristobal, Kate? O 
que você sentiu? Acho que estou passando por uma experiência parecida. De repente,   sinto-me  contente  
em  estar  vivo,  sinto  um  fogo  aqui...  — Apontou para o estômago.

 

—  Então, qualquer mulher serve — ela respondeu, afastando-se. — Mas não estou disponível, e o que 
você sente não tem nada a ver comigo. Não tem nada a ver com amor nem com o fato de estarmos 
casados. — A

 

voz dela tremeu de emoção. — Já lhe disse esta manhã que não quero fazer amor com 

você. Não significaria nada para miro. Eu... estava apaixonada por você, em San Cristobal, caso contrário 
não teria pedido para você fazer amor comigo. Mas não estou mais apaixonada, agora. O que você previu 
em Tuxtla aconteceu: o que eu sentia acabou. Portanto, não posso ficar mais nem uma noite. Agora, por 
favor, seja gentil e diga onde colocou minha mala e minha bolsa. Pretendo ir a pé até o vilarejo.

 

Sean ficou ainda mais pálido, fazendo-o parecer mais doente. Encarou-a demoradamente e ela sentiu que 
ele procurava ler sua alma.

 

—  Está   bem,   você  ganhou.   —  Afastou-se,   dando  de   ombros   e dirigiu-se para a vara de pescar, 
— Se não quer ficar, não fique. Sua mala e a bolsa estão num armário entre o banheiro e o meu quarto.

 

—  Obrigada. — Ela devia estar contente por ganhar a discussão, mas sentia-se prestes a chorar. — Sean, 
eu,..

 

—  Se vai dizer que lamenta muito, esqueça. Volte para casa, pegue suas coisas e desapareça... quanto 
mais cedo, melhor.

 

—  Está bem.

 

Voltou pelo atalho, tentando fingir que não estava desapontada por ele deixá-la ir tão facilmente. Mas, por 
que estava desapontada? Será que esperava outra coisa? Será que desejava que ele bancasse o homem das 
cavernas e a forçasse a dormir em sua cama? Iria odiá-lo para sempre, se tivesse feito aquilo. Mas 
também o odiava agora, porque a deixara tão confusa, mandando que desaparecesse de sua vida.

 

A casa surgiu ao longe, numa paisagem de sonho, entre os canteiros de flores e a praia que ficava mais 
distante.

 

Não adiantava ficar mais tempo ali, Kate pensou, quando abriu a porta. Lembrou-se de ter lido uma 
história de pessoas que moravam no oeste da Irlanda e podiam dizer as horas pelo modo como o sol 
entrava pela porta. Sem dúvida, aquela região era encantadora e poderia aprisioná-la.

 

Mas, em Moyvalla havia um relógio que marcava duas e vinte. Agnes já tinha ido embora e tudo estava 
quieto. A escada estalou, quando Kate subiu. Ia pegar a mala a bolsa e caminhar até Dunane. Não era 
longe, Agnes tinha dito. Quando chegasse lá, pediria a Martin McCormic para consertar o carro 
imediatamente. Às cinco horas, poderia estar a caminho de Ennis, onde passaria a noite. No dia seguinte, 
iria para Dublin e, à noite, estaria em Westcouxt.

  

Dirigiu-se 

diretamente ao armário, imaginando por que não o tinha visto antes.  Girou a maçaneta, 

confiante, mas nada aconteceu. Tentou  novamente: a porta continuou fechada. Puxou com mais  força 
ainda; novamente  nada aconteceu. A porta estava trancada e não havia  nenhuma

 

chave à vista.

 

65

CAPÍTULO VI

 

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Recusando-se a acreditar que a porta estava trancada, Kate tornou a girar a maçaneta. Mas nada 
aconteceu. Sean a tinha enganado. Por isso não perdera tempo em lhe contar que a mala e a bolsa estavam 
naquele armário.

 

Ouviu-o entrando na casa, conversando com o cachorro. Não parecia nem um pouco interessado em 
descobrir o que tinha acontecido com Kate. Ficou na sala de visitas; com certeza, esperando que ela 
descesse para queixar-se do armário trancado. Devia haver um jeito de abrir aquela porta, sem pedir 
ajuda.

 

Furiosa, Kate foi para o quarto procurar a chave, mas não a encontrou, mesmo depois de revirar algumas 
gavetas. E se fosse embora sem as suas coisas? Mas precisava de dinheiro para pagar o conserto do carro, 
gasolina e a passagem de avião.

 

Como poderia convencer Sean a abrir aquele armário? Parou junto da janela e olhou para fora. A 
tranquilidade daquela paisagem a acalmou um

 

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pouco. Gostaria de ficar naquela casa, com Sean. Os campos verdes, as gaivotas e a pequena praia a 
atraíam muito. Ele a queria e, se ficasse,, fariam amor. Se ao menos ele tivesse dito que a amava, teria 
concordado em ficar sem pensar duas vezes...

 

Seus pensamentos pareciam um rodamoinho. Então, ouviu um barulho. Era um carro se aproximando e 
Kate se preparou para ver seu carro vermelho surgir na curva do caminho. Mas apareceu um Volkswagen 
preto, que parou diante da casa. Saltou uma mulher alta. de cabelo longo e liso, que se aproximou da 
porta.

 

A campainha soou e Padraic, o cachorro, latiu. Kate saiu do quarto e foi até a escada. Ouviu os passos de 
Sean, que ia atender a porta. Ela se abriu e a mulher começou a faiar.

 

Quem seria? Nuala Cavanagh? Quem mais podia ser? Kate voltou ao quarto e arrumou o cabelo. Ia descer 
e pedir a Sean a chave do armário. Ele não poderia recusar, diante de Nuala. E, quando a moça partisse, 
Kate lhe pediria uma carona.

 

Na sala, a mulher tinha sentado no sofá e conversava com Sean. Ele se encostara na parede e segurava um 
cálice.

 

Kate foi direto ao marido, ignorando a mulher.

 

—  O armário está trancado — disse. — Por favor, pode me dar a chave?

 

—  Oh, Deus, Sean! Por que não me disse que tinha companhia? — perguntou Nuala Cavanagh, num tom 
melodioso e cheio de sotaque alegre da Irlanda.

 

Sean terminou o uísque e virou-se para pegar mais. Encarou Kate e ela corou.

 

—  Não estou com a chave — respondeu calmamente.

 

—  Sean, não vai nos apresentar? — A mulher falava como se estivesse repreendendo um garotinho mal 
educado.

 

—  Kate, esta é Nuala Cavanagh. Nuala, esta é Kate. — Sean levantou o copo em direção dela e virou-o 
de uma só vez.

 

Kate cumprimentou Nuala. A mulher era uma beldade irlandesa morena de olhos azuis e nariz arrebitado.

 

—  Kate? — a outra murmurou, em voz baixa.

 

— San Marco — ele disse laconicamente e bebeu mais.

 

—  Oh, aquela Kate? — Nuala riu. — Desculpe o meu espanto, mas

 

Sean me contou a aventura de San Marco. Ele me disse que tiveram que realizar um tipo de cerimônia de 
casamento para poderem sair do país.

 

—  Não foi um tipo de cerimônia — o rapaz interrompeu —, foi um casamento de verdade, como 
qualquer padre católico teria feito neste país. Casamento para ninguém botar defeito.

 

—  Já notei — Nuala disse, impaciente. — Mas vocês nunca moraram juntos, não é mesmo? Foi um 
casamento só para constar. — Olhou para Kate e sorriu,  — Acho que você não teve dificuldade em 
conseguir o divórcio,   depois   que   voltou   à   Inglaterra.   É  tão   fácil   se   divorciar, atualmente.

 

—  Eu... nós ainda não estamos divorciados — Kate murmurou e os olhos da outra pareceram frios.

 

—  Entendo. Então, o que a trouxe aqui?

 

—  Vim ao Festival de Música de Ennis e resolvi dar uma passada para ver Sean — mentiu. — Já teria 
ido embora, se não houvesse um problema como meu carro...

 

—  Ele  está  com McCormic — Sean  interrompeu.  — E Martin já avisou que vai levar alguns dias para 
consertar. Portanto, Kate ficará, até que esteja pronto. — Parecia um tanto agressivo, e ela não teve 
coragem de desmenti-lo.

 

—  Se você está mesmo interessada nas baladas irlandesas e canções folclóricas,  devia  vir ao  castelo  — 
Nuala disse  alegremente.  —  Há sempre cantores lá; principalmente, um grupo chamado Green Folk.  E 
esta noite daremos um banquete e apresentaremos uma peça.

 

—  Sim, adoraria ouvi-los. Mas estou sem carro.  

 

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—  Eu posso levá-la,  mais  tarde.  — Nuala levantou-se.  — Agora, estou indo para Kilburke. Parei aqui, 
esperando que Sean viesse comigo. Na volta, pego vocês. Virá também, não é, querido? Você ainda não 
me viu no pape! de castelã medieval.

 

—  Já vi você em outros papéis. Desculpe, mas acabei de lembrar que ainda não almocei.

 

Nuala observou-o sair da sala. Kate achou que a fisionomia da mulher tinha se entristecido um pouco,

 

—  Ele não está bem — Nuala disse, de repente —, mas eu nunca soube que bebia tanto. — Encarou 
Kate, com ar acusador. — O seu

 

parente, que é amigo dele há anos. estava muito preocupado. 

Naturalmente, você soube do acidente.

 

— Alguma coisa.

 

—  Antes, ele era muito agitado, adorava o trabalho de repórter. Agora que não pode mais andar tão 
depressa, sente-se frustrado e bebe demais. Isso retarda a recuperação e a coisa se toma um círculo 
vicioso. E você também é culpada do que está acontecendo.

 

—  Eu?

 

—  Devo lhe dizer que Sean e eu nos conhecemos há muito tempo. Confiamos um no outro e falamos 
sobre nossos problemas desde que nos encontramos aqui, quando James Kierly veio para a Irlanda. Se 
fôssemos pessoas diferentes, teríamos nos casado há anos.  Mas ambos gostamos demais da liberdade. 
Portanto resolvemos, há alguns anos, que em vez de casar viveríamos no mesmo lugar. Entende o que 
estou dizendo?

 

—  Acho que sim. — Kate sentia um certo mal-estar. — Vocês são

 

amantes.

 

—  Fomos. E seremos novamente, se Deus quiser! — Nuala suspirou dramaticamente, fechando os olhos. 
— Foi maravilhoso nos encontrarmos novamente, depois de uma longa separação, mas ele se recusou a 
ficar comigo. Disse que ia para a Inglaterra e me contou o que tinha acontecido entre vocês, em San 
Marco. Disse que precisava descobrir se você. tinha feito alguma coisa para acabar com o casamento.  
Mas  não chegou à Inglaterra, por causa do acidente. Desde então, ficou apático demais para ir a qualquer 
lugar. — Nuala olhou para o teto. — Espero que você tenha vindo vê-lo para resolver tudo isso.  O 
casamento ainda o preocupa e atrapalha o nosso relacionamento. Sean odeia a idéia de estar amarrado a 
você, de não ser livre.  E vejo que com você aqui,  ainda está mais aborrecido.

 

—  Eu não estaria aqui. se... se... o meu tio não tivesse me convidado a vir — Kate desabafou. — Só 
queria saber onde encontrar Sean. Assim, o advogado poderia entrar em contato com ele e conseguir a 
permissão para o divórcio.

 

—  Oh estou contente, muito contente! — Nuala suspirou. — Isso já faz alguma diferença. Estou contente 
que tenha vindo. Kate, assim poderá fazer alguma coisa para ajudá-lo...

 

—  Você pode ajudar também, levando-me para o castelo. Não quero

 

passar outra noite com Sean. E... 

bem, tenho certeza de que compreende que ele e eu não nos sentimos bem na companhia um do outro.

 

— Compreendo. E, se o seu carro não ficar pronto, poderá dormir no castelo. Devo estar em Kilburke às 
três e meia. — Foi para a porta e Kate a seguiu. — Volto dentro de duas horas. Até logo.

 

Sozinha na sala,  Kate parou diante da porta e observou o carro de Nuala se afastando. Dentro de duas 
horas sairia daquela casa e nunca mais voltaria. Mas, primeiro, tinha que tirar a mala e a bolsa daquele 
armário. Não   podia   ir   ao   castelo   com   aquela   roupa...   Certamente,   Sean compreenderia isso.

 

Ele estava sentado à mesa da cozinha, lendo um jornal. Kate parou na

 

porta, pensando no que Nuala tinha dito. Não havia dúvida de que Sean

 

era infeliz. Talvez Hugh tivesse notado, e por isso a convidara para ir até

 

lá.. Mas será que a infelicidade de Sean estava ligada ao fato de ainda ser

 

casado com ela? Não tinha certeza.

 

O abatimento dele tocou seu coração. O Sean que havia conhecido no México e em San Marco era, 
aparentemente, invulnerável. Este, bebia demais e havia perdido o entusiasmo pela vida.

 

Queria se aproximar e lhe colocar as mãos nos ombros, abraçã-lo de encontro ao peito. .Lembrou-se de 
como ele havia sido um apoio, em San Marco. Devia-lhe muita consideração e um gesto de ternura. 
Lentamente se aproximou, e  ia tocá-lo, quando Sean falou: — Nuala já foi embora?

 

Kate afastou-se,  surpresa.  Não pensava que ele soubesse que havia entrado na cozinha.

 

—  Sim, mas disse que volta às cinco e meia para me levar ao castelo. Você já almoçou?— Não havia 
sinal de comida na mesa.

 

—  Não.

 

—  Vou preparar alguns sanduíches.

 

—  Não se incomode. Eu mesmo preparo algo, mais tarde.

 

—  Mas...

 

—  Eu disse: não se incomode.

 

—  Sei que disse, mas vou fazer os sanduíches assim mesmo. Não deve beber tanto, com o estômago 
vazio. Devia comer regularmente. Vai ficar com úlcera, desse jeito. 

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— E daí? — Levantou a cabeça, furioso. — Vá embora e me deixe sozinho. Diabos, não pedi que viesse 
aqui e ficasse se metendo na minha vida.

 

—  Não estou me metendo! — ela gritou, zangada. — Faria isso por qualquer pessoa que estivesse 
precisando se alimentar. — E foi para a despensa.

 

Fez alguns sanduíches, café e colocou na mesa, diante dele.

 

—  Pronto, isso vai ajudá-lo a ficar mais sóbrio — comentou, irônica.

 

—  Não estou bêbado. — Olhou-a, hostil, mas pegou o café.

 

—  Bem, você não está se comportando normalmente.

 

—  Como sabe? Pode saber como ajo quando estou normal? — Tomou o café e comeu um sanduíche.

 

—  Se estivesse normal — ela disse, depois de um longo silêncio —, não moraria aqui. Gostava de estar 
em lugares agitados, cheios de ação, fazendo suas reportagens, em vez de ler um jornal velho. — Ele a 
olhou, zangado, mas não disse nada. — Quando sarar, voltará ao trabalho e irá para o exterior 
novamente?

 

—  Não sei. Depende. — Virou uma página do jornal, indiferente, e pegou  outro  sanduíche.   Continuou  
fingindo que  lia,  e  ela  ficou  em silêncio.

 

Vinte minutos depois das quatro. Era hora de trocar de roupa e esperar Nuala... mas, cheia de sentimentos 
contraditórios, Kate não queria ir embora.

 

—  Sean, não posso ir jantar no castelo vestida assim. O jantar lá deve ser formal.

 

—  Por que não? O que há de errado com sua roupa? Parece ótima.

 

—  Não serve. Gostaria de trocar. Por favor, me dê a chave do armário.

 

—  Está trancado? — Ele sorriu, surpreso.

 

—  Sabe que está. E não entendo por que colocou minhas coisas lá e trancou.

 

—  Eu também não entendo. Devia estar muito bêbado ou louco, ontem à noite.  Pensei que pudesse 
impedi-la de ir embora.  Acho que estou ficando   louco,   vivendo   sozinho   neste   lugar.   Fiquei   
maluco  com   o acidente, não sei por que tudo aquilo aconteceu ou por que tinha que acontecer naquele 
momento... Mas acho que não está interessada. — Ele parecia muito cansado. — E nem um pouco 
preocupada comigo. Devia

 

estar. Devia se preocupar com o meu estado de espírito. Você prometeu me 

amar e confortar na saúde e na doença.

 

— Você também — respondeu, trêmula. — Mas não estava falando sério. Se estivesse, não teria ficado 
longe de mim tanto tempo. Teria escrito.

 

—  Eu lhe disse que não seria um bom marido. E lembro que falou que não se importava, porque tinha 
que cuidar da sua carreira.

 

—  Oh, de que adianta falar nisso? Aquilo aconteceu quando éramos pessoas diferentes.

 

—  Mesmo? — Sean a encarou com ar desafiador. — Não. Aconteceu com você e comigo, e o nosso 
passado agora esta nos cobrando isso. Temos que fazer algo a respeito. — Serviu-se de mais café. — O 
que você quer fazer? — perguntou, virando-se para ela.

 

Kate tentou adivinhar o que estaria por trás daqueles modos bruscos e ríspidos. Não conseguiu e quis 
fugir dali, desaparecer...

 

—  Assim...   que   eu   voltar  à   Inglaterra...   vou   pedir  que   o   meu advogado trate do divórcio 
amigável. Com o consentimento dos dois. Ela parecia forçar as palavras a saírem de seus lábios.

 

—  Então poderá casar com Barry Wyman?

 

—  Então você ficará livre de mim e poderá viver com Nuala? Ele franziu a testa.

 

—  Ora, por que eu iria fazer isso? — E tomou o resto do café.

 

—  Ela me contou o acordo que fizeram, de viver juntos sempre que estivessem no mesmo lugar. Ela me 
disse que o nosso casamento é uma barreira entre vocês. Gostaria de ter sabido disso antes. Gostaria que 
você tivesse me falado sobre ela, em Tuxtla. Teria entendido por que desejava o divórcio e teria 
providenciado tudo, imediatamente. Agora, só posso lhe pedir que concorde com o divórcio.                       

 

— Você e Nuala devem ter conversado muito, depois que virei as costas — ele comentou, em tom 
irônico. — Está bem: diga ao seu advogado para me escrever, e tudo estará resolvido.

 

Kate ficou tonta e teve que se apoiar na cadeira. Estava feito. Tinha pedido e ele havia concordado com o 
divórcio.

 

—  Agora, pode me dar a chave do armário? — pediu, com voz fraca.

 

—  Não está comigo. — Então, onde está?

 

—  Não sei. Perdi.

 

—  Perdeu? Não acredito! — gritou. — Oh, pare de me enganar e me dê a chave, ou diga onde ela está.

 

—  Não estou enganando ninguém. Estou dizendo a verdade. Perdi a chave do armário.

 

—  Onde? Como? Sean, como pode ser tão distraído? O que você fez, depois que trancou o armário?

 

—  Coloquei a chave no bolso da minha calça. Desta aqui. — Puxou o forro do bolso para fora. — Vê? 
Está vazio. Estava vazio esta manhã, quando procurei a chave.

 

—  Talvez, na noite passada, você a tenha colocado em outro lugar.

 

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—  Posso não estar muito normal, mas não estou tão louco. Eu me lembraria. Não tirei a maldita chave do 
bolso, ontem  à noite. Sei disso, porque já procurei em toda parte. Acho que caiu do meu bolso, quando 
peguei o lenço ao levar Padraic para passear. Com certeza caiu na grama, na montanha.

 

—  Já procurou lá?

 

—  Já. Provavelmente, só vai aparecer no inverno.

 

—  Mas eu preciso da minha mala — ela murmurou. — O dinheiro está lá, as chaves do meu 
apartamento, meu talão de cheques, a carta me avisando para comparecer à entrevista...

 

—  Que entrevista?

 

—  Na escola onde trabalho.  Será depois de amanhã.  Vou dirigir o departamento de música. Por isso, 
tenho que partir logo. Preciso chegar lá a tempo para a entrevista.

 

Sean olhou-a, desconfiado.

 

—  Isso é verdade?

 

—  Claro. Por que iria mentir? Se... se não acredita, mostrarei a carta que está na minha bolsa — disse, 
indignada. — Sean, você tem que abrir aquele armário!

 

—  Este emprego significa muito para você, não é? Significa muito mais do que Barry Wyman?

 

—  Sim,  significa  mais do que ele...  do que qualquer homem.  — Olhou para ele, furiosa.

 

—  Está bem, ganhou — disse, com um sorriso triste. — Vou ver se

 

acho um pé-de-cabra para arrombar o 

armário.  Se não achar...  bem. derrubaremos a porta com o machado.

 

O armário deu mais trabalho do que Kate imaginava. Enquanto Sean lutava com a porta, ela lhe contou 
sobre a escola e ele falou sobre suas aventuras como repórter.

 

Finalmente a fechadura cedeu e ela pôde tirar a mala e a bolsa.

 

—  Quer ver a carta? — perguntou, abrindo a bolsa.

 

—  Não precisa. Acredito em você. — E Sean desceu a escada.

 

Kate foi direto para o banheiro, tomar um banho e se arrumar. Meia hora depois, surgiu, usando um 
vestido de seda azul-turquesa e o cabelo preso, mostrando o rosto delicadamente maquilado. No quarto, 
colocou as roupas na mala, pegou a capa de chuva e dirigiu-se à porta.

 

Então, parou e olhou para trás, pensando na noite anterior, e em como Sean havia cuidado dela. Ele era 
muito gentil, quando queria. Na verdade, fora por gentileza para com Hugh que chegaram a San Marco, 
procurando por ela. Novamente, sentiu-se tentada a ficar, o que sabia que seria uma loucura.

 

Ouviu a buzina do carro de Nuala e passou apressada pela sala de visitas. Sean não estava lá, nem o 
cachorro. Nuala buzinou de novo e Kate foi à cozinha. Nenhum sinal de Sean ou de Padraic. Parecia que 
ia ter mesmo que partir sem se despedir.

 

Mas Sean estava lá fora, junto do carro. Parecia muito diferente do homem que tinha conhecido em San 
Marco. Usava terno escuro, camisa branca e gravata vermelha, elegantíssimo.

 

—  Desculpe fazer você esperar, Nuala. Devo colocar a mala no banco detrás?

 

—  Não, ponha aqui. — A outra desceu e abriu o porta-malas. — Você terá que ir no banco de trás. Sean 
vai ao castelo conosco.

 

Kate e Sean se encararam, sérios.

 

—  Mudei de idéia — ele disse. — Resolvi que chegou a hora de ver Nuala no papel de castelã. Por que 
não entra logo no carro?

 

A estrada para Dunane era muito bonita, entrecortada por riachos e margeada por árvores frondosas. O 
vilarejo era pequeno, e todas as casas tinham telhados cinzentos. Havia um pequeno porto, onde o sol 
brilhava sobre os iates e os curraghs, os barcos de pesca tradicionais da costa oeste da Irlanda.

 

—  Podemos passar peio mecânico e ver se o meu carro já está pronto?

 

— Kate pediu.

 

—  Martin não está lá a esta hora. Ele sempre vai para casa tomar chá

 

— Sean disse friamente.

 

—  Não temos mesmo tempo para parar — Nuala falou. — Não se preocupe.  Poderá passar esta noite no 
castelo e eu a trarei ao vilarejo amanhã de manhã.

 

—  Obrigada   — Kate sorriu,  percebendo as esperanças de estar na estrada para Dublin naquela mesma 
noite.

 

Recostou-se no banco e olhou a paisagem. As árvores formavam uma espécie de túnel sobre a estrada. 
Tudo ali era verde e brilhante, cheio de magnólias rosadas e azuis.

 

Depois de uma curva, surgiu o castelo, em estilo normando, e Nuala passou a dirigir com mais cautela, 
aproximando-se da ponte levadiça. Estacionou no pátio.

 

—  Eu lhe mostro o quarto onde vai dormir esta noite, Kate. Sean, talvez você queira ver mamãe. Ela 
está... — Interrompeu-se, mordendo o lábio. Sean se afastava, sem ouvi-la. — Agora, ele está mesmo 
desligado. Oh, bem, não temos tempo de correr atrás dele —- disse sorrindo. — Venha, Kate, por aqui.

 

Passaram por uma pesada porta de madeira e começaram a subir a escada em espiral que ia até as torres.

 

—  Sua família sempre foi dona deste castelo, Nuala?

 

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—  Não. Papai o comprou, há vinte anos. Ele instalou o aquecimento central,  restaurou o telhado e  
modernizou os encanamentos.  Meu pai ganhou dinheiro vendendo ferro-velho e agora está muito 
satisfeito em ser dono de um castelo.  No verão,  aluga a parte mais  antiga para uma companhia de  
turismo que  organiza uma série de programas  para os visitantes estrangeiros. Este ano Guy Burke, o 
diretor da companhia, me pediu para escrever e representar uma peça medieval depois do banquete. 
Adorei, porque significa uma boa chance de emprego e porque estava de olho em Sean.

 

—  Mas como sabia que Sean estaria na Casa Moyvalla no verão? — Kate perguntou, quase sem fôlego, 
quando chegaram ao fim da escada.

 

—  Eu mesma o trouxe, depois que saiu do hospital. Alguém tinha que

 

ajudá-lo.  — Deu  um  olhar 

crítico  para  Kate.  — E  eu  era a  única

 

pessoa por perto, capaz de cuidar dele. O quarto era circular, 

com uma pequena janela. A cama parecia enorme

 

e estava coberta por uma espécie de tapete que ia até o chão.

 

— Espero que fique confortável — Nuala disse, colocando a mala de Kate num banquinho. — A cama 
não é tão antiga como parece e o colchão é bem moderno. Aquela porta dá para o banheiro. Papai gastou 
muito reformando os quartos de hóspedes, porque gosta de receber gente muito importante. — Foi até a 
poria e, então, virou-se. — Você já disse a Sean que vai tratar do divórcio?

 

—  Sim. Ele não contou?

 

—  Não. Mas pude adivinhar, pelo jeito como está se comportando. Já fez alguma diferença. Ele saiu 
daquela apatia. Parecia o mesmo quando estávamos   conversando   na   Casa  Moyvalla,   antes   de   
você   chegar. Obrigada, Kate. Agradeço por nós dois. Estou contente que tenha vindo procurá-lo. Agora, 
acredito que ele vai mesmo sarar. Fique à vontade. Desculpe, mas tenho que me vestir.

 

—  Como chegarei à sala do banquete? Não tenho idéia de como se anda pelo castelo.

 

—  Mandarei um dos cantores vir buscá-la. 
 

 

Meia hora depois,Kate abriu a porta para um jovem que se apresentou como Liam Rosse, cantor do grupo 
folclórico Green Folk. Tinha vindo buscá-la para o banquete.

 

— Nuala disse que você veio para o festival de Ennis. Gostou?

 

Contente em encontrar companhia, Kate começou a conversar sobre o festival.        .                                                                                   
Na porta da sala, Liam murmurou: — Continuaremos a conversa depois da peça. — Eu gostaria muito.

 

Na entrada, usando um vestido longo de veludo cor de esmeralda, muito decotado. Nuala cumprimentava 
os convidados. Kate foi conduzida a seu lugar por uma moça vestida à moda medieval: saia colorida, 
blusa branca e um xale preto.

 

As mesas estavam arrumadas perto das paredes, deixando o centro da sala vazio, para que todos 
pudessem ver a peça que ia ser representada. O ambiente era iluminado por velas e, como tudo o mais, 
também o menu seguia o estilo medieval, apresentando pratos antigos.

 

Nuala ia anunciando os pratos e explicando suas origens e ingredientes. O vinho foi servido e os 
convidados fizeram um brinde. As velas e a lareira acesas davam à sala uma aparência fantástica.

 

Kate estava sentada entre duas irmãs americanas de meia-idade, que não paravam de tagarelar, muito 
animadas com a primeira visita que faziam â Irlanda.

 

Do outro lado da sala, viu Sean conversando com uma loura e parecendo muito interessado. Sentiu uma 
pontada no estômago (seria ciúme?) e tentou disfarçar que não havia ouvido nada do que as americanas 
tinham dito nos últimos minutos.

 

Finalmente, os pratos vazios foram retirados, mais vinho servido e apagaram-se algumas velas. Ia 
começar a peça.

 

Os jovens que tinham servido a mesa agora estavam transformados em atores e iam contar, com músicas, 
a história do castelo. Nuala era a princesa irlandesa, única sobrevivente de uma família celta, cujo forte 
tinha sido destruído pelos invasores normandos. Cantou sua súplica ao guerreiro normando e ele lhe 
respondeu, pedindo-a em casamento, convidando-a a ajudá-lo a reconstruir o castelo e criarem uma nova 
família.

 

Kate estava encantada com a história. Depois de muitas canções poemas, a peça terminou e os turistas 
começaram a se retirar. Viu Liam em um grupo e dirigiu-se a ele. Com o canto do olho percebeu que 
Sean saía com Nuala.

 

O estábulo construído com pedras tinha sido transformado em alojamento para o grupo folclórico e Kate 
ficou conversando com eles, testando uma série de instrumentos antigos e conhecendo as musicas dos 
irlandeses, escoceses, galeses e ingleses, assim como músicas tradicionais dos Estados Unidos e Canadá, 
cujas origens remontavam às vaiadas irlandesas.

 

A lua estava alta quando voltou ao castelo. Subiu direto para o quarto da torre. Nem tinha percebido o 
tempo passar, como sempre acontecia quando estava em companhia de pessoas que, como ela, gostavam 
de música.

 

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Mas o som de risos à distância fez com que se lembrasse de Sean. Ele

 

estava em algum lugar daquele 

castelo, com Nuala, e sua paz de espírito desapareceu. Mordendo o lábio para não gritar, subiu correndo 
os degraus que faltavam para chegar a seu quarto.

 

Ficando longe dela durante o jantar e saindo com Nuala, Sean tinha deixado bem claro que pretendia 
continuar seu caso com aquela mulher e que o casamento não significava nada.

 

Bem, os dois podiam ficar juntos e ir para o inferno. Eram muito parecidos. Ambos tinham traços 
marcantes, olhos claros e os cabelos escuros dos celtas. Ambos eram ambiciosos, egoístas e não se 
importavam com as outras pessoas que magoavam.

 

Não ia perder o sono pensando neles. Ia dormir e chegar à Inglaterra repousada no dia seguinte, pronta 
para o trabalho, depois de tudo o que vira e ouvira naquela linda terra verde.

 

As dobradiças rangeram quando Kate abriu a porta do quarto. A luz do luar entrava pela janela alta, 
mostrando que havia um homem deitado na cama. 
 
 
 

 

                                                           CAPITULO VII

 

 
 
 
Estremecendo, Kate fechou a porta e se encostou nela, observando a cama. Não estava enganada. Era 
Sean, e parecia dormir profundamente, pois nem se perturbara com o barulho da porta.

 

Aproximou-se e olhou para ele. Seu perfil se salientava ao luar e os cílios pareciam ainda mais escuros, 
de encontro à pele clara. Gostara dele desde a primeira vez que o vira, na Missão de Santa Rosa. Na 
época, achara que a atração física entre ambos estava além de seu controle.

 

Ainda era muito forte. Por que não admitir que estava com dificuldade para se controlar? Queria tocá-lo, 
acariciar aquele cabelo, deitar ao lado dele e acordá-lo com um beijo. Seu corpo parecia pegar fogo. Era 
um desejo que nunca sentira por nenhum homem. Nem podia se imaginar sentindo aquilo por outro.

 

—  Sean — murmurou, e tocou seu ombro de leve, — Acorde, por favor!

 

Ele respirou fundo e, depois de alguns momentos, abriu os olhos, piscando.

 

—  Kate?

 

—  Sim, claro.

 

—  Você  voltou   tarde.   Por  onde   andou?  —  Ergueu-se   sobre   um cotovelo, e o coração dela 
disparou.

 

—  Estive com os cantores, no estábulo, onde estão alojados. Cantamos algumas canções. Pensei que 
você tivesse voltado a Moyvalla ou... que estivesse com Nuala. Vi que saiu da sala do banquete com ela.

 

—  Nuala insistiu para que eu fosse ver a mãe dela. Havia uma festinha particular, na parte do castelo 
onde mora, para alguns amigos de teatro e um produtor que quer fazer um filme sobre o castelo, tendo 
Nuala como estrela. Não aguentei a conversa deles e saí. Ia voltar para Moyvalla, mas queria me despedir 
de você e vim até aqui.

 

—  Como sabia que Nuala tinha me dado este quarto?

 

—  Eu não sabia. Descobri por instinto. Você não estava aqui, e eu me sentia muito cansado; por isso,  
deitei um pouquinho para esperar.  — Sentou  na  cama e  ela sentiu  o coração  disparar de  novo.  —  
Estou contente que tenha voltado.

 

Kate sentiu seu hálito adocicado pelo uísque e viu que a camisa dele estava desabotoada até a cintura. O 
impulso de se atirar nos braços do marido era quase irresistível.

 

—  Você esteve bebendo outra vez — acusou suavemente, cruzando os braços, para não cair na tentação 
de tocá-lo.

 

—  Só no banquete. Mas confessa que dormi por causa disso — ele murmurou. — Gostei do brinde que 
Nuala fez, no banquete, aos casais em   lua-de-mel.   —   Acariciou   o   queixo   dela.   —   Lembra   da   
nossa lua-de-mel, Kate?

 

—  Nós... não tivemos lua-de-mel. Só passamos uma noite juntos. — Estava quase sem fôlego e sentia-se 
dolorida por dentro, de tanto esforço para controlar o desejo.

 

—  Mas foi uma noite de núpcias, não foi? — Ele desamarrou o laço que prendia o decote do vestido. — 
Podíamos ter uma noite maravilhosa hoje, juntos.

 

Finalmente  ela o tocou  na mão,  tentando  impedi-lo  de  lhe  tirar o vestido.

 

—  Sean, por favor, comporte-se! É tarde e...

 

—  Claro que vou me comportar — ele disse, rindo e desabotoando o último botão. — Vou me comportar 
como todos os maridos se comportam na lua-de-mel.

 

Seus lábios tocaram os dela, gentilmente; depois, desceram até a curva

 

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do pescoço, e pareciam queimá-la de paixão. As últimas resistências de Kate caíram por terra, mas, ainda 
assim, tentou se afastar.

 

—  Sean,  não devemos... — murmurou,  enquanto lhe acariciava os ombros e o peito.

 

—  Por que, se nós queremos? — Beijou-a novamente. — E não tente dizer que não quer. Sei que é 
mentira.

 

—  Mas... não vai significar nada... Vamos nos divorciar. — Pretendia se afastar,  fugir para longe dele, 
sair da cama para onde ele a havia puxado,  mas  a resposta  de  seu  corpo era  muito mais  forte e a fez 
render-se completamente.

 

—  Isso sempre significará algo para mim — Sean murmurou. — E não tem nada com o fato de estarmos 
casados. Nada mesmo, Kate. Você não acreditou que eu ia deixá-la partir amanhã, sem lhe dar algo para 
lembrar de mim, não é?

 

Seus lábios se encontraram gentilmente, num beijo tranquilo. Aos poucos, deitaram-se juntos, um 
terminando de despir o outro e sentindo a paixão aumentar a cada segundo.

 

—  Será melhor desta vez — Sean murmurou. — Iremos juntos, sem ninguém dominando. Você agora é 
uma mulher forte, bonita, suave, não uma menininha magra e ingênua que começava a aprender.  Sua pele 
agora está macia, seu cabelo parece seda e seus lábios estão como pétalas de rosa.  Seus seios... Oh, 
Kate... — Seus lábios procuraram os dela, como se nada mais importasse, a não ser os dois juntos ao luar. 
 

 

Kate acordou lentamente, percebendo o mundo aos poucos. Primeiro sentiu o calor de um corpo a seu 
lado; depois, ouviu a respiração dele.

 

O quarto estava claro e ela piscou. A cabeça de Sean repousava em seu ombro esquerdo e ele ainda 
dormia, depois de ter satisfeito a sua paixão.

 

Será que tinha sido só isso? A satisfação de um desejo físico? Mais nada? Será que não houvera um 
encontro espiritual? Uma verdadeira união? Kate suspirou e procurou libertar seu braço. Devia ter saído 
voando daquele quarto assim que o vira dormindo ali, na noite anterior. Não devia ter deixado que o 
desejo a dominasse. Mas, mesmo agora, não sentia vontade de sair da cama. Ao contrário: queria se 
aconchegar ao corpo do marido, acariciá-lo, até que acordasse... Oh, Deus! Fugiu da

 

cama e  começou a 

recolher as roupas.  Era tarde e precisava ir para Dublin. Tinha de chegar a Westcourt a tempo da 
entrevista.

 

Havia  tomado  banho  e  estava  quase  pronta  quando  ouviu  alguém batendo na porta.

 

—  Quem é?

 

—  Nuala. Trouxe-lhe chá e torradas.

 

Desesperada, Kate olhou para a cama, onde Sean ainda dormia.

 

—  Um momento.

 

Correu para a cama e jogou a colcha cobrindo Sean completamente. Abriu a porta, trêmula. Nuala vestia 
um robe e trazia uma bandeja com chá e torradas. Entrou no quarto e colocou tudo sobre uma mesinha 
perto da janela dizendo:

 

—  Vou para Dunane dentro de vinte minutos.

 

Kate levou a mão à boca, em pânico. A camisa de Sean estava atirada no chão e a calça, jogada sobre uma 
cadeira. E se Nuala tivesse visto? Mas a moça já estava saindo.

 

—  Dormiu bem?

 

—  Sim, obrigada. Gostei muito da representação e das músicas.

 

—  Brendan,   Liam   e   Colleen   também   gostaram   muito   de   você. Disseram que tem uma voz 
muito boa. — Nuala observou Kate de alto a baixo. — Você é bonita, também. Já pensou em fazer 
carreira no teatro?

 

—  Não. Gosto de meu trabalho.

 

—  Então, não depende de Sean?

 

—  Claro que não! Nunca dependi.

 

—  Você o viu ontem à noite, depois de sair do estábulo e vir para cá?

 

—  Por que está perguntando? — Kate desejou não corar e continuar olhando diretamente nos olhos de 
Nuala.

 

—  Eu pedi a ele que passasse a noite aqui, mas acho que decidiu voltar para Moyvalla, porque não está 
no quarto que reservei para ele — Nuala explicou. — Estava estranho e fiquei preocupada. Por isso, 
sugeri que ficasse. Mas não quero atrasar você. Devemos partir logo.

 

Nuala saiu, fechando a porta. Suspirando, Kate serviu-se de chá, observando o rio que brilhava ao sol. 
Ouviu Sean se mexer na cama e olhou depressa. Ele tinha atirado longe a colcha e virado para o outro 
lado.

 

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Tomou o resto do chá, terminou de se vestir, arrumou a mala e trancou.Depois, fez a maquilagem, pegou 
a capa de chuva. Estava pronta para partir. Dessa vez, ninguém iria impedi-la. O carro estaria pronto e, no 
fim da tarde, chegaria a Dublin.

 

Olhou para a cama e perdeu toda a coragem. A mala caiu a seus pés. Sentou-se ao lado de Sean, 
curvando-se sobre ele. Não queria deixá-lo. Queria ficar ali. Por quê? Para que pudesse fazer amor outra 
vez? Não sabia. Pensava que sabia de tudo, em San Marco, mas agora percebia que sentira por ele apenas 
a adoração por um herói, por um cavaleiro andante que tinha vindo salvá-la. Aquilo desaparecera e tinha 
achado que havia acabado; descobrira que ele tinha defeitos, como todas as outras pessoas. Sean abriu os 
olhos e a encarou. Kate levantou-se, pegou a mala e aproximou-se da porta.

 

—  Nuala está esperando para me levar a Dunane.  Adeus, Sean — disse, friamente.

 

—  Espere um minuto!

 

Ele estava sentando na cama.

 

—  Não tenho tempo, preciso estar em Westcourt esta noite. — Girou a maçaneta. — Adeus.

 

—  Adeus, Kate — ele falou, baixinho, e ela o observou recostar-se no travesseiro, com os braços 
cruzados atrás da cabeça. — E boa sorte na sua entrevista. Cuidado no caminho.

 

—  Sim. — Saiu e fechou a porta.

 

Sentindo-se dividida (uma parte que partia e outra que ficava com Sean), desceu correndo a escada.

 

No pátio, o sol brilhava sobre o carro de Nuala. Saíram pela estrada, e Kate logo percebeu que a outra não 
estava de bom humor.

 

—  Telefonei para Moyvalla — ela disse —, e ninguém atendeu.

 

—  Pode ser que ele  ainda estivesse dormindo — Kate respondeu, tentando parecer indiferente.  
Pensando bem,  Sean não ficara nem um pouco perturbada com sua partida. — Ou pode ser que tenha ido 
pescar.

 

—  Pode ser — Nuala murmurou. — Espero que esteja certa. Acho que vou até lá, depois de deixar você 
no McCormic, só para ter certeza. Falou mesmo sério, ontem? Vai mesmo cuidar do divórcio, assim que 
chegar na Inglaterra?

 

—  Falei sério.

 

—  E Sean concordou?

 

—  Sim, concordou.

 

—  Você vai casar novamente?

 

—  Ainda não sei.

 

Kate ficou aliviada ao ver que tinham chegado à oficina e que seu carro estava parado perto de uma 
bomba de gasolina.

 

—  Espero que seu carro esteja pronto — Nuala disse. — Quer que eu espere, até saber se pode viajar 
com ele?

 

—  Você pode esperar?

 

—  Claro. Se não estiver pronto, posso levá-la até Ennis, onde você pegará um ônibus ou trem. — Nuala 
sorriu. — Vê como estou ansiosa para me ver livre de você? Acho que você significa um certo perigo 
para minha amizade com Sean.

 

—  Não confia nele?

 

—  Não, com alguém tão atraente como você por perto. E ainda por cima, casada com ele.

 

Martin McCormic  apareceu e conversou com Nuala na gíria local, deixando Kate de lado, incapaz de 
entender uma só palavra.

 

—  Ele disse que você já podia ter usado o carro ontem à tarde — Nuala falou, franzindo a testa.

 

—  Mas Sean falou que os fios elétricos estavam molhados.

 

—  Parece que agora estão ótimos — Martin disse. — A bateria tinha acabado, mas já recarreguei.

 

O motor pegou na primeira tentativa. Kate se despediu do mecânico e de Nuala e foi embora. Estava 
irritada com Sean por tê-la enganado na

 

véspera.

 

Mas tudo era culpa do tio Hugh, pensou. Não ia se apaixonar por Sean outra vez. Quando chegasse a 
Dublin, se tivesse tempo, iria ver Hugh e dizer quanto estava zangada.

 

Dirigiu velozmente pela costa e não diminuiu a velocidade, ao se aproximar de Moyvalla. Viu o 
Volkswagen preto de Nuala entrar na curva do caminho e riu, pensando que a outra não ia encontrar 
ninguém em casa.

 

Não havia engarrafamento na estrada, e logo passou por Ennis, pegando a direção de Limerick, ao longo 
do rio Shannon. Surgiram as muralhas do castelo do rei João e, além da fortaleza, a estrada verde-
esmeralda para Dublin.

 

À tarde, entrou na cidade. O ar estava pesado de fumaça, os engarrafamentos eram terríveis e Kate sentiu 
os ombros e p pescoço doloridos de tanto dirigir. Estava com fome também. Entrou em uma rua 
transversal, parando diante de uma pensão. Tinha acabado de tirar o mapa do porta-luvas, para ver onde 

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estava, quando um policial estacionou a seu lado. Era um guarda da polícia irlandesa. Kate baixou o 
vidro.

 

—  Não pode estacionar aqui, senhorita.

 

—  Só parei para dar uma olhada no mapa.

 

—  Onde pretende ir?

 

—  Rua Milford.

 

—  Acho que pode ir por ali. — Ele indicou o caminho. — Se me seguir, eu mostro.

 

—  Não vou atrapalhar?

 

—  Nem um pouco. É mais fácil do que lhe explicar. Vamos? Passaram por uma porção de ruas estreitas e 
antigas, e ela se viu

 

estacionando diante do jardim da casa de Hugh. Agradeceu ao guarda e desceu. Geraldine O'Connor 
atendeu.

 

—  Alô, tia Gerry. Tio Hugh está em casa? Geraldine olhou para o céu, dizendo:

 

— Que os santos nos protejam! De onde você saiu?

 

—  Vim de Dunane. Não é longe da Casa Moyvalla e tenho certeza de que já ouviu falar do lugar — Kate 
disse,  cansada.  — Lamento ter assustado você, tia Gerry.

 

—  Dirigiu  tudo   isso  hoje?  — Geraldine  ficou  surpresa.   Era  uma mulher baixa e gordinha, de olhos 
castanhos e rosto redondo. — Por quê?

 

—  Tenho que estar em Westcourt amanhã. Vou pegar um avião esta noite. Tio Hugh está em casa?

 

—  Claro que sim. Ele está sempre na máquina de escrever. Vamos entrar, acabei de colocar uma chaleira 
no fogo. Você parece precisar mais do que de um chá. Tem certeza de que não pode passar a noite aqui e 
pegar o avião amanhã?

 

—  Certeza absoluta.

 

Subiram a escada e entraram no corredor.

 

—  Hugh, venha ver quem chegou! Você nunca adivinharia. Venha até a cozinha.

 

A cozinha era grande e clara, parecida com a da casa que os O'Connor tinham em Hampstead. Havia 
plantas na janela e um papagaio numa gaiola. Geraldine espantou os dois gatos que tinham se acomodado 
num banco e convidou Kate a sentar.

 

—  Casa  Moyvalla?  —  repetiu,   espantada.   —  Por  que  acha  que conheço esse lugar?

 

—  Hugh passou alguns dias lá, no começo de agosto — Kate disse, suspirando e fechando os olhos.

 

—  Passou, mesmo. Ele disse que tinha ido pescar. — Geraldine pegou umas colheres. — Mas você não 
foi lá por causa disso. Você pesca, Kate?

 

—  Não. Fui até lá por causa do convite de Hugh. — Algumas vezes, a distração de Geraldine a deixava 
furiosa.

 

—  E por que ele fez isso? — a tia perguntou.

 

—  É o que quero saber — Kate respondeu friamente. Naquele momento, a porta da cozinha se abriu e 
Hugh entrou.

 

—  Kate!   Que,   diabo,   está  fazendo   aqui?   Por  que   não   está  em Moyvalla, com Sean? — 
Abraçou-a e beijou-a no rosto. — Não recebeu a minha carta, convidando-a para ir lá?

 

—  Sim, e respondi que chegaria anteontem, para passar uma noite. Não recebeu a minha resposta?

 

—  Sean mandou a carta para cá. — Ele a olhou de perto. — Não pude ficar lá até você chegar.

 

—  Quer dizer que não tinha intenção de me esperar lá? Quer dizer que me enganou, me fazendo ir lá? 
Por que não disse que a casa era de Sean?

 

—  Bem, você disse que queria vê-lo. Então, pensei...

 

—  Eu não disse isso — interrompeu, furiosa. — Escrevi dizendo que queria saber onde ele eslava para 
poder entrar em contato. Não queria vê-lo. Não queria. Não queria! — De repente, para sua própria 
surpresa, caiu no choro, soluçando alto. — Oh, tio Hugh, eu não queria vê-lo de novo. Só saber onde 
estava.

 

—  Sim, sim, sim... — ele murmurou, abraçando-a.

 

—  A chaleira está fervendo — Geraldine interrompeu. — Logo o chá estará pronto. Parece muito 
cansada, Kate, viajando tanto tempo sozinha. Venha comer alguma coisa. Há sorvete de morango e 
geléias. Hugh, ela

 

disse que tem que pegar o avião para Londres esta noite, mas acho que seria melhor 

dormir aqui não é?

 

—  Não posso — Kate interrompeu, limpando o rosto. — Tenho uma entrevista amanhã de manhã. Eu lhe 
disse tudo isso, na minha carta.

 

—  Disse, mesmo. Disse, mesmo. — Hugh pegou o cachimbo.

 

O chá estava ótimo e as geléias de frutas, deliciosas. Kate comeu e bebeu, enquanto Geraldine 
conversava, contando que ela e Hugh logo seriam avós e perguntando o que Kate pretendia resolver a 
respeito do casamento.

 

—  Agora que viu Sean novamente, quais são os seus planos? Não pretendem morar juntos?

 

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—  Não.  Vou me divorciar. Era por isso que queria saber onde ele estava,   para   o   advogado   procura-
lo.   Podia   ser   feito   sem   que   nos encontrássemos novamente.

 

Houve alguns minutos de silêncio, e ela sabia que os tios não tinham aprovado a sua decisão.

 

—  Sean nunca desejou estar casado. Só casou para me ajudar em San Marco — disse, na defensiva. — 
Ele queria o divórcio, logo que eu voltasse para a Inglaterra. — Encarou Hugh, com ar de desafio. — Por 
que fez isso, titio? Por que me convidou para ir à casa dele, sem avisar que não estaria lá?

 

—  Sim, por que fez isso, Hugh? — Geraldine repetiu.

 

—  Tive boa intenção. — Hugh soltou uma baforada do cahimbo. — Não gostei nada do que vi lá. Nada, 
mesmo. Como você não o procurou, depois do acidente, pensei que já tinha posto um fim ao casamento, 
mas ele não estava feliz nem estava se recuperando e começou a beber demais. Assim, achei que era hora 
de vocês se encontrarem de novo. Kate, por que não o procurou, depois do acidente?

 

—  Porque eu não soube de acidente nenhum. Não soube nem que ele esteve no hospital. Tudo o que 
soube é que ia me ver no Natal, e não apareceu. — Kate respirou fundo. — Gostaria de ter me divorciado 
logo que   cheguei   aqui...    então...    nada   disso   teria   acontecido.    Nós... estaríamos livres um do 
outro. — Piscou, procurando conter as lágrimas e levantou-se, depressa. — Tenho que pegar o avião.

 

—  Pelo jeito, a sua tentativa de unir o casal não deu certo — Geraldine observou secamente.

 

—  Estará cometendo um erro se pedir o divórcio agora, Kate — Hugh disse, nervoso. — Não deu 
chances ao seu casamento.

 

—  Sim,  eu  dei.  Dei  dois  anos  e,  durante  esse  tempo,  Sean  não escreveu nem me procurou. Só no 
último Natal ficou de me procurar, e agora sei que desejava saber se eu tinha me divorciado ou não. Ele 
não ia me procurar porque me amava. Não casou comigo porque me amava. Agora sei que esperei demais 
dele. Muito mais do que é capaz de dar. Jamais cometerei esse tipo de erro novamente, podem ter certeza 
disso.

 

Notou que os dois estavam aborrecidos. Ambos eram muito religiosos e acreditavam que o casamento e a 
família eram a base da sociedade. Quando Kate se despediu, os tios a abraçaram temamente e pediram 
que voltasse a vê-los. 
 

 

Pegou o avião logo em seguida e, durante uma hora de vôo, pensou no que Hugh tinha dito sobre Sean. 
Era estranho que tanto o tio quanto Nuala estivessem preocupados com o comportamento diferente dele, 
mas ambos tinham suas explicações. Nuala disse que era devido à infelicidade de ainda estar casado com 
ela. Hugh insinuou que Sean estava assim por insegurança a respeito do relacionamento deles.

 

Quanto mais cedo se livrasse de tudo aquilo, melhor. Melhor para ela também. O casamento em San 
Marco era um problema e impedia que se tornassem amigos. Logo que terminasse a entrevista, iria ver 
Paul Holgate e dar o endereço da Casa Moyvalla, para que pudesse escrever a Sean. 
 

 

Eram onze horas quando Kate chegou a Westcourt. Subiu a escada, entrou, jogou a mala no quarto e 
começou a se despir. Tomou um banho rápido e deitou-se.

 

Horas mais tarde, ainda estava acordada, observando o luar e pensando em Sean. Depois de tê-lo 
encontrado e passar duas noites com ele, seu coração disparava só em lembrar do brilho daqueles olhos 
cinzentos. Não conseguia esquecer, apesar de tentar pensar na segurança do emprego em Netherfield, na 
possibilidade de uma promoção e na vida rotineira em Westcourt.

 

Quando Sean a deixou na Cidade do México, e não voltou mais durante dois anos, ele a libertou da 
promessa que fizeram no dia do casamento. Ao sair do castelo de Dunane, naquela manhã, ela o libertou 
também.

 

Mas era uma liberdade amarga. Deitada ali, lembrando de tudo, de seu corpo contra o dele e de suas 
carícias, sentiu vontade de morrer.

 

Será que era desejar demais que ele estivesse sentindo a mesma coisa? Será que Sean a amava e agora 
percebia que ela também o amava? Mas, caso se amassem, precisariam ficar testando um ao outro? Não 
deviam estar sentindo as mesmas sensações juntos?

 

Dormiu tarde e acordou cedo. Sentia-se infeliz, cansada e foi assim que saiu para a entrevista. Para sua 
surpresa, a srta. Forbes e outros membros do conselho da escola limitaram-se a cumprimentá-la pelo 
trabalho que tinha feito no ano anterior e pediram sugestões para o departamento de música. Depois 
agradeceram e avisaram que, nas próximas semanas, receberia uma carta, comunicando se tinha sido 
aceita para o novo cargo. 
 

 

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No dia seguinte, Kate foi a Londres, falar com Paul Holgate. Deu-lhe o endereço de Sean e avisou que ele 
poderia escrever pedindo o consentimento para o divórcio. Fez algumas compras e voltou a Westcourt. 
Barry a esperava do lado de fora do apartamento.

 

—  Como foi a viagem à Irlanda, querida?

 

—  Ótima. Adorei o festival.

 

—  Viu seu tio? — Entrou, ajudou-a a colocar as compras no sofá da sala e sentou-se.

 

—  Vi. — Kate tirou o chapéu de palha que usava e soltou os cabelos. —  Ele lhe deu a informação que 
você queria?

 

—  Que  informação? — perguntou,  cautelosa,  indo para a cozinha, fazer um chá.

 

—  Sobre o paradeiro de Kierly?

 

—  Oh, sim. Paul vai escrever a Sean hoje.

 

—  Ótimo. Como foi a entrevista em Netherfield?

 

—  Todos foram muito gentis... gentis demais. Achei que não estão muito interessados em mim.

 

—  Tem planos para o resto das férias?

 

—  Nenhum.

 

—  Então, venha com Carol, minha irmã e o marido dela. Vamos fazer um cruzeiro até a França. 
Voltaremos no meio da semana que vem.

 

Kate olhou ao redor, lembrando da agonia da noite passada. Qualquer coisa seria melhor do que ficar 
sozinha na próxima semana. O cruzeiro afastaria os problemas de sua mente.

 

— Aceito. A que horas devo estar pronta? 
 

 

O cruzeiro foi perfeito sob todos os pontos de vista. O clima estava átimo e a companhia era muito 
agradável. Apesar disso, Kate sentia-se ansiosa para voltar a Westcourt e, quando chegou ao apartamento, 
subiu correndo para verificar a correspondência.

 

Primeiro, procurou uma carta de Sean, mas não encontrou nenhuma. Encontrou um envelope da escola, 
avisando-a de que não havia conseguido o cargo, que tinha sido oferecido à srta. Célia Fromsett, doutora 
em Música, e desejando que ambas se dessem muito bem. Devia se apresentar três dias antes das aulas 
começarem, para conhecer a nova diretora. 

 

 
 
 
                                                              CAPÍTULO VIII

 

 
 

 

Lá fora, algumas folhas secas rodopiavam ao vento. Novembro estava no fim e o clima ainda era ameno. 
Tinha sido um outono agradável, e Kate estava sentada ao lado do piano de cauda, enquanto Carol 
Wyman estudava.

 

Sentia-se distraída e lembrava que já tinham se passado quase três meses desde que deixara Sean no 
castelo de Dunane. Três meses, e nenhuma palavra dele.

 

Geralmente, não se permitia pensar em Sean durante o dia. Fazia o possível para não lembrar dele, 
trabalhando o tempo todo. Mas estava cansada e sabia por quê. Não conseguia dormir bem e, a cada dia 
que passava, lembrava cada vez mais dele. Agora, como se sentia fraca, as recordações a dominavam 
durante o dia também.

 

— Srta. Lawson. — A voz aguda e fria de Célia Fromsett trouxe-a à realidade.

 

Kate endireitou-se e olhou para a porta. A nova diretora do departamento de música usava grandes óculos 
de lentes bem grossas e tinha um ar de coruja. Kate não simpatizara com ela, desde o primeiro encontro. 
No começo, pensava que era porque a mulher tinha conseguido o posto que desejava. Mas, com o passar 
do tempo, viu que sua antipatia era porque a outra tratava muito mal as pessoas.

 

Agora, como se sentia cansada, sua irritação estava à flor da pele, e Kate levantou-se, lentamente.

 

—  Srta. Fromsett, sei que, como diretora do departamento, pode me chamar sempre  que quiser,  mas 
acontece que estou  dando uma  aula particular e estamos fora do horário da escola. Portanto, não tem 
direito nenhum de interromper.

 

Os olhos de Célia brilharam como água gelada.

 

—  Certo, Carol — Célia disse. — Já chega. Está bem óbvio que não estudou esta música. Na verdade, 
não sei se você já estudou piano alguma vez. Parece que seu pai está jogando dinheiro fora, pagando essas 
aulas. Seu talento musical é nenhum. Pode sair, agora. Vá para o seu quarto.

 

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—  Mas não terminei a minha aula — a garota reclamou, virando-se e encarando a srta. Fromsett. — Só 
saio se a srta. Lawson mandar.

 

—  Eu disse que sua aula terminou, e isso é suficiente — respondeu Célia. — Agora, faça o que mandei. 
Vá para o seu quarto o mais depressa possível. Vou falar com seu pai, para você desistir da música.

 

—  Mas não quero desistir. Gosto de tocar piano e de fazer parte da. orquestra da escola. — Olhou para 
Kate, com os olhos marejados de lágrimas.

 

—  Carol, faça o que a srta. Fromsett mandou — disse, procurando se controlar e falando o mais 
calmamente possível. — Vejo você mais tarde.

 

Carol pegou a partitura e saiu da sala. Kate olhou para Célia, com vontade de esganá-la.

 

—  Não precisava fazer isso. Carol é uma criança sensível. Tocar piano e flauta na orquestra ajudou-a 
muito a superar certos problemas de sua vida. Não sei se sabia, mas a mãe a abandonou quando estava 
com oito anos e...

 

—  Srta. Lawson — a outra interrompeu —, é hora de perceber que o departamento de música desta 
escola não existe para servir como terapia ocupacional  para crianças neuróticas.   Se Carol  precisa  desse  
tipo  de tratamento, devia ir para uma escola especializada. Ela não tem nenhum talento  musical  e  suas  
aulas  de  música  são  uma perda de  tempo e dinheiro.

 

—  Não concordo. Ela toca muito bem...

 

—  Muito bem! — Célia sorriu. — Mediocremente, isso sim. E não tenho tempo para alunas medíocres.  
Estou resolvida a transformar em

 

concertistas todas as nossas estudantes de música. Na próxima 

primavera, a escola de Netherfield deve ter uma orquestra capaz de participar dos mais importantes 
festivais, portanto não posso perder tempo com garotas como Carol. De qualquer modo, você sabe que só 
está encorajando essa menina para agradar o pai, porque é amante dele.

 

O choque atingiu Kate como uma ducha de água fria. Respirou fundo e sentiu a raiva subindo, 
consumindo-a, à medida que procurava se controlar. De repente, não se importou mais nem com Célia 
nem com seu emprego ali.

 

—  Isso não é verdade! Não sou amante de Barry Wyman! — gritou.

 

—  Espera que eu acredite nisso, quando todos sabem que passa suas horas livres com ele e, 
frequentemente, se hospeda em sua casa, nos fins de semana?

 

—  Só me hospedei em Rosedene uma vez e porque fui convidada pela sra. Wyman, a mãe dele. E não fui 
a única hóspede: Carol também estava lá.

 

—  Parece que está defendendo demais a sua inocência — Célia riu.

 

—  E parece que você está se metendo em assuntos que não são da sua conta — Kate protestou, 
levantando a cabeça bem alto. — Não entendo como conseguiu chegar ao cargo de diretora de música 
aqui. Pode ser muito competente, mas não sabe como tratar as pessoas; principalmente, as alunas. Não 
tem jeito. É mesquinha e desagradável...

 

—  Ah, agora você está se revelando — Célia disse, aproximando-se, mas mantendo a frieza. — Queria o 
meu lugar, não é? Achou que estava garantido.  Deve ter ficado muito desapontada quando seu amante 
não usou a influência que tem sobre o comitê escolar a seu favor. Bem, já que estamos falando verdade, 
quero deixar bem claro que não gosto do seu modo de trabalhar. Não exige disciplina e não melhorou os 
seus métodos de ensino. Terei que reclamar com a srta. Forbes e insisto para que peça demissão. Assim, 
alguém mais competente poderá substituí-la.

 

—  E se eu também fizer algumas reclamações sobre você? — Kate disse, pegando a bolsa e saindo da 
sala. Pressentia que, se ficasse ali, acabaria fazendo alguma coisa de que poderia se arrepender.

 

Sentia-se enjoada, ao caminhar para a sala da diretora. Queria falar com a srta. Forbes imediatamente e, se 
necessário, pediria demissão. Estava magoada por ter que fazer aquilo.  Significava que tinha sido

 

vencida   por   Célia   Fromsett.   Significava   que   teria   que   desistir   de Netherfield e dos amigos que 
tinha feito ali.

 

Bateu na porta da secretaria e entrou. Karen Williams estava batendo à máquina.

 

—  A diretora está?

 

—  Não. Vai passar a tarde toda em Londres. Posso ajudar?

 

Kate entrou e fechou a porta.  Agora, depois da explosão de raiva, sentia-se muito fraca.

 

—  Tive uma discussão terrível com a srta. Fromsett — disse, quase sem fôlego. — Estou me sentindo 
mal. Posso sentar um pouquinho?

 

—  Claro — Karen indicou uma cadeira. — Hummm, você está pálida. A srta. Dmmmond disse, outro 
dia, que você parecia muito cansada.

 

—  Devo  estar  mesmo,  se  até  ela  notou  — Kate  disse,   sorrindo. Margery Drummond era vice-
diretora e uma das pessoas mais distraídas do mundo.

 

—  Já procurou um médico?

 

—  Não — Kate respondeu, sentando-se.

 

—  Devia. Pode estar com anemia.

 

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—  Não tenho dormido bem, é só isso.

 

—  Está preocupada com alguma coisa? Não deve se sentir muito feliz, trabalhando com Célia Fromsett.

 

—  Dá para perceber?

 

—  Um pouquinho. Sei que a diretora está preocupada com a situação. Gostaria   de   falar  com   ela   
amanhã   de   manhã?   Posso   marcar   uma entrevista. Qual o seu horário livre?

 

—  Dez horas.

 

—  Dez horas está bem. — Karen marcou na agenda. — E se não vier, mandarei chamá-la.

 

Ao voltar da escola até o vilarejo, Kate sentiu-se reanimada. Estava melhor e achou bom ter esclarecido 
as coisas com Célia. Seu temperamento não lhe permitia se controlar muito tempo. Tinha que falar o que 
pensava.

 

No apartamento, encontrou algumas cartas. Uma era da avó e a outra, de Paul Holgate. Kate abriu a 
última, com as mãos tremendo.

 

"Já recebemos a resposta do sr. Kierly. Parece que, no momento, ele não está de acordo com o divórcio 
amigável e lamenta ter demorado para

 

responder à nossa carta, mas disse que só a recebeu há pouco 

tempo. Atualmente, está a serviço no Oriente Médio. Deseja que continuemos com as formalidades para 
realizar o divórcio? Já tem motivos suficientes para conseguir se divorciar. Talvez possa vir até nosso 
escritório, para discutirmos o assunto."

 

Kate dobrou a carta e colocou-a no envelope. Agora sabia por que não tinha tido notícias de Sean. Ele 
colocara a carreira acima dela, como sempre. Mas, por que ele não concordara com o divórcio amigável? 
De que adiantava continuarem casados, se não conseguiam se entender e nunca estavam juntos? O que 
devia fazer agora?

 

Estava cansada de se preocupar com aquilo. Se ao menos pudesse vê-lo, para discutir o assunto. Se ao 
menos tivesse ficado mais tempo em Moyvalla. Se ao menos não tivesse colocado a sua carreira em 
primeiro lugar, se não tivesse voltado correndo para uma entrevista que não passara de uma farsa. Mas só 
podia culpar a si mesma e à própria impulsividade por aquela situação.

 

Na manhã seguinte, às dez horas, estava na sala da diretora.

 

—  Bom dia, srta. Lawson. Por favor, sente-se.

 

A sala era tranquila e clara, com duas janelas altas, e decorada com

 

móveis antigos muito elegantes. A srta. Forbes tinha um ar benevolente e

 

calmo.

 

—  Qual é o problema? — perguntou. Kate ergueu a cabeça dizendo:

 

—  Devo lhe dizer que não consigo trabalhar com a srta. Fromsett e gostaria de apresentar meu pedido de 
demissão.

 

A outra piscou, mas continuou impassível.

 

—  Claro que já percebi que não se deu muito bem com a srta. Fromsett — disse a diretora. — Tinha 
certeza de que, a qualquer momento, vocês iam se entender, em benefício da escola. Posso saber qual é o 
problema?

 

—  Ela vê tudo de um ponto de vista diferente do meu. Exige muita disciplina,    enquanto    que    eu    
acredito    que    as    alunas    devem    se autodisciplinar. E, várias vezes, já interrompeu minhas aulas 
particulares para criticar as alunas. Ontem à noite, era Carol Wyman, e ela disse à garota que não tem 
nenhum talento musical e devia desistir da música.

 

Novamente a srta. Forbes não se alterou.

 

—  Você está indo muito bem com Carol — disse ela. — percebi como o comportamento dela melhorou, 
desde que você começou a lecionar aqui na escola. Na verdade, é muito querida por todas as suas alunas 
e, se for embora, sentirão sua falta. Devo dizer que estive esperando seu pedido de demissão, desde o 
começo das aulas; mas não pelo motivo que apresentou agora.

 

—  Estava esperando? — Kate perguntou, espantada.

 

—  Sim.

 

—  Por quê? Não pensou que eu ia me demitir porque não consegui o cargo da diretora do departamento 
de música.

 

—  Não. Pensei que ia se demitir para casar. Sei que seu futuro marido não quer que continue lecionando 
em Netherfield, depois de casada, e foi com base nisso que decidi não escolhê-la para chefe do 
departamento de música.

 

—  Quem lhe deu essa informação? — Kate murmurou,  sentindo a boca seca.

 

—  Um dos membros do conselho.  E senti que seria uma perda de tempo designá-la, pois logo estaria 
deixando a escola.

 

—  Então, por que me entrevistaram?

 

—  Tentamos avisá-la para não vir à entrevista, mas você estava na Irlanda e não havia meio de entrarmos 
em contato.

 

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—  Então, por isso a entrevista foi tão esquisita. Não passou de mera formalidade — Kate murmurou. — 
Oh, como eu gostaria de ter sabido. Não teria voltado tão apressadamente. — Agora, era a srta. Forbes 
que a olhava, confusa. — Só voltei para a entrevista porque achava que tinha boas chances de ser 
escolhida — explicou.

 

—  Confesso que a encorajei. — A diretora suspirou. — Gostaria de vê-la aceitando o desafio de 
organizar o setor de música da escola e estava convencida de que seria capaz de fazer um trabalho 
admirável. Tinha certeza de que o comitê também concordava comigo...  mas o coronel Critchelow e seu 
estilo conservador ganhavam, naquele dia. —  Sorriu, com  ar  cínico.   —  Como  quase  todos  os  
membros  do  comitê  têm interesses financeiros na escola, não consegui persuadi-los de que a srta. 
Fromsett não era a pessoa mais indicada para esse tipo de trabalho. Entende?

 

—  Entendo — Kate disse, levantando-se. — Eu lhe trarei a minha carta de demissão, assim que estiver 
pronta.

 

—  Deve saber que não será possível cancelar o seu contrato até a Páscoa. — A srta. Forbes também se 
levantou. — Até lá, pode ser que você e a srta. Fromsett já tenham resolvido os seus problemas. Não se 
apresse, por favor. Será difícil substituí-la na Páscoa. Deixe-me falar com Célia. No interesse da escola, 
seria bom que vocês duas conseguissem trabalhar juntas.

 

—  Fiz o que pude, mas não estou de acordo com as idéias dela — Kate disse. — E acho que não posso 
ficar nem trabalhar com ela. Lamento, mas terei que me demitir. Obrigada por me ouvir. Ajudou muito. 
Agora, sei o que fazer.

 

Kate passou o resto do dia sem encontrar Célia Fromsett. As aulas terminaram cedo, porque era sexta-
feira. Às três horas saiu, sentindo-se aliviada. Ao chegar no apartamento, viu o Mercedes de Barry 
estacionado diante da porta. Ele saltou do carro e veio ao seu encontro.

 

—  Não posso passar outra semana sem ver você, querida. Como vai?

 

—  Bem, obrigada — respondeu automaticamente. Não estava contente de vê-lo. Nada nele fazia seu 
coração bater mais forte. Era apenas o pai de Carol, e não queria conversar com ele,  naquele momento.  
Queria pensar em Sean. Planejar o que devia fazer. — Barry, algo desagradável aconteceu ontem, 
relacionado com as aulas de Carol...

 

—  Eu sei.  Carol telefonou à noite e me contou.  Kate, precisamos conversar... sobre nós. Estou 
começando a ficar impaciente. Estou muito nervoso. Achei que você gostaria de ir a Rosedene, para um 
passeio a cavalo, e poderíamos jantar... só nós dois. Mamãe foi passar o fim de semana fora.

 

—  Eu...   irei,   mas  não  quero jantar —  Kate  disse  friamente.   — Concordo com você, temos que 
conversar. Vou trocar de roupa.

 

Meia hora depois desceu, e partiram. 
 

 

Em Rosedene, Barry escolheu dois cavalos e foram dar um passeio. O tempo estava agradável e a relva 
convidava a um galope. Kate e ele subiram uma pequena colina.

 

—  Num dia claro, dá para ver o povoado, daqui — Barry disse. —Mas hoje está muito nublado. — Por 
que não quer jantar comigo aqui, esta noite?

 

—  Porque não quero dar motivo a boatos sobre nós — respondeu, com firmeza. — Ontem, Célia 
Fromsett disse que eu ensino piano a Carol só porque quero agradar você. Ela me acusou de ser sua 
amante.

 

—  Gostaria que estivesse certa. Gostaria que fosse minha amante. Já teve notícias do seu divórcio? O que 
disse Paul Holgate?

 

—  Recebi uma carta dele ontem. Sean recusou o divórcio amigável.

 

—  Por   quê?    Deu    algum   motivo? — Barry    perguntou,    quase

 

engasgando com as palavras.

 

—  Nenhum.

 

—  E o que 

VOCÊ VAI

 fazer agora?

 

—  Paul sugeriu que eu fosse a Londres, discutir o assunto com ele. Disse que tenho todos os motivos 
para dar continuidade ao processo de divórcio, mas...  — ela interrompeu, olhando ao longe,  e engoliu 
em seco. — Barry, contou a alguém que eu tinha concordado em casar com você?

 

A pergunta o surpreendeu. Piscou várias vezes.

 

—  Contei à minha mãe que esperava casar com você, um dia — disse, em tom cauteloso. — Acredito 
que mencionei o assunto a Carol... porque acho que ela gosta de você.

 

—  A quem mais?

 

—  Por que pergunta?

 

—  Esta manhã, a srta. Forbes me contou que não consegui o cargo de diretoria do departamento de 
música porque alguém a informou de que eu iria casar em breve e meu futuro marido não queria que eu 
continuasse lecionando na escola. Assim, o comitê achou bobagem me indicar para o cargo. — Kate 

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respirou fundo e o encarou, com ar de desafio. — Você não tinha direito de interferir assim na minha 
vida. Não tinha nenhum direito! Você fez isso de propósito, não foi?

 

Durante alguns momentos, achou que ele ia mentir e negar que usara sua posição na escola para 
influenciar o comitê. Mas a resposta de Barry foi sincera.

 

—  Está bem. Confesso. Fiz isso porque não quero dividir você com uma carreira, depois que nos 
casarmos.

 

—  Mas não vamos casar!

 

—  Você disse...

 

—  Eu disse que não podia casar com você, porque já era casada, e você concordou em adiar a proposta 
até que eu ficasse livre para lhe dar uma resposta. Apesar disso, foi adiante e concluiu que eu casaria com 
você, quando me divorciasse. Concluiu cedo demais, Barry. Mesmo que me divorcie de Sean, não vou 
casar com você; não, agora...

 

—  Não está falando sério. — Ele se aproximou dela, tenso. — A srta. Forbes  não  devia ter contado  
sobre  o  comitê — continuou,  falando entredentes. — Você está zangada e...

 

—  Estou mesmo,  muito zangada.  Mas também estou satisfeita que tenha me contado o ocorrido. Agora, 
vejo o que seria o casamento com você: eu nunca seria dona de mim mesma. — Estava com a garganta 
apertada e seca,  de tanta raiva.  — Pelo menos...  pelo menos, Sean entendeu o que eu sentia a respeito da 
entrevista e me deixou sair da Irlanda para chegar a tempo.

 

Os olhos de Barry brilharam, zangados, e ele sorriu cinicamente. — Então, você o viu? Você o viu 
quando esteve na Irlanda? Mas não me contou.

 

—  Por que devia contar? Por que devo lhe dizer tudo o que faço? Sim, estive com Sean. Estive com ele e 
agora... acho que vou ter um filho.

 

A violência surgiu nos olhos de Barry, que estavam mais escuros do que nunca, e ele empalideceu.

 

—  Sua cadela! Sua maldita cadela! Não é melhor do que o resto das mulheres. — Parecia cuspir as 
palavras.

 

Levantou o braço e ela sentiu que algo a atingia no rosto. Horrorizada, percebeu que ele a havia 
chicoteado e estava levantando o braço novamente. Desesperada, esporeou o cavalo, fugindo a galope. Ao 
chegar ao atalho que levava à casa, esporeou o animal, que correu ainda mais. Mas, poucos quilómetros 
adiante, o atalho terminava. Nervosa, Kate puxou as rédeas, esperando que o cavalo parasse. Ele 
relinchou, parou de repente e ela foi jogada fora da sela, por sobre o animal, batendo a cabeça numa 
pedra. Perdeu os sentidos.

 

Quando voltou a si, estava numa maca. Viu o céu e gotas de chuva caindo em seu rosto. Alguém lhe deu 
uma injeção no braço e a dor que sentia nos quadris foi desaparecendo aos poucos. Mais uma vez, perdeu 
os sentidos.

 

Muito mais tarde, na enfermaria de um hospital, viu um rosto moreno e suave inclinado sobre ela.

 

—  Irmã Mônica — murmurou, fraca e em pânico. — Estou outra vez no hospital da missão?

 

O rosto moreno sorriu, com simpatia.

 

—  Meu nome é Davies e não sou freira, Sou apenas uma estudante de enfermagem. E este é o Hospital 
Geral, e não o hospital de nenhuma missão. Você acaba de sair de uma anestesia; por isso, está um pouco 
confusa.

 

—  Eu caí, não é? Quebrei alguma coisa?

 

—  Não. Teve muita sorte. Não quebrou nada. Só bateu a cabeça. Mas a médica poderá lhe dizer tudo, 
quando fizer a próxima visita.

 

A enfermeira foi embora e Kate adormeceu. Acordou quando outra entrou no quarto, na manhã seguinte, 
para ajudá-la a se lavar. Mais tarde, veio a médica. Era uma mulher baixinha, indiana, usando um sari 
debaixo do avental branco. Observou Kate cuidadosamente e disse:

 

—  Você sofreu uma queda muito violenta e teve um aborto. Sabia que estava grávida de três meses, srta. 
Lawson?

 

—  Eu... desconfiava — Kate murmurou, sentindo os olhos cheios de lágrimas.  Depois,  perguntou:  — 
Quanto tempo vou  ter que  ficar no hospital?

 

—  Até termos certeza de que não sofreu nenhum problema interno. Uma semana; talvez, dez dias. 
Depende de como se sentir e dos acertos que fizer para voltar para casa.  Precisará descansar algumas 
semanas, antes de começar a trabalhar.

 

À tarde, a srta. Forbes veio vê-la, trazendo um buque de crisântemos e uma caixa de bombons.

 

—  Presentes da nossa equipe. Como se sente?

 

—  Fraca.

 

—  Há algum parente que deva ser informado? Acabei de saber que não poderá voltar à escola, até depois 
do Natal.

 

—  Por favor, escreva ao meu tio Hugh e conte o que aconteceu. Vou lhe dar o endereço.

 

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—  Fiquei muito perturbada quando o sr. Wyman telefonou, contando o acidente. — A srta. Forbes 
continuou: — Ele virá visitá-la esta tarde...

 

—  Não quero vê-lo — Kate disse, em tom decidido. — Srta. Forbes, por favor, avise-o para não vir, sim?

 

—  Mas o homem está muito ansioso a seu respeito. Parece achar que se  machucou  por culpa  dele.   
Disse  que  não  devia ter deixado  que montasse aquele cavalo.  Você deve dar a ele a chance de lhe pedir 
desculpas.

 

Kate não discutiu. Estava cansada demais e muito fraca. A srta. Forbes saiu e ela ficou sozinha, pensando 
na perda do bebê e no que significava aquilo.

 

A tarde, Barry entrou com um buquê de rosas. Parecia um homem de negócios comum, de meia-idade.

 

—  Estou contente que não tenha quebrado nenhum osso — ele disse, pegando uma cadeira e sentando ao 
lado da cama. — Por que esporeou o cavalo daquele jeito? Pensei que conhecesse melhor os animais; 
senão, teria lhe dado outro.

 

Kate olhou-o, espantada diante do vazio dos olhos dele. Será possível que aquele homem tinha esquecido 
sua fúria no dia anterior? Será que esquecera que levantara o chicote para ela?

 

—  Esporeei o cavalo para fugir de você. Porque ia me chicotear outra vez, — Ela tocou o rosto.

 

—  Chicoteei você? — Ele arregalou os olhos, incrédulo. — Minha querida, eu nunca faria uma coisa 
dessas! Está imaginando isso. Deve ter sido a batida na cabeça...  com certeza, bateu com muita força. 
Devia sempre usar um capacete, quando andar a cavalo, você sabe disso.

 

— Por favor, vá embora! Não quero mais ver você. Nunca mais!

 

—  Sabe que não está se sentindo bem.  Eu devia ter esperado um pouco,  antes de vir. visitá-la, mas 
estava muito preocupado. — Barry olhou para o corpo dela. — Perdeu o bebê?

 

—  Perdi — murmurou.

 

—  Fico contente em saber. — Um brilho de triunfo surgiu nos olhos dele.

 

—  Oh, vá embora.  Vá embora e não volte nunca mais! — gritou, virando o rosto e fechando os olhos. 
Ouviu as enfermeiras conversando vagamente e a voz de Barry respondendo a algumas perguntas. 
Depois, passos. Ele tinha saído. 
Não voltou mais a visitá-la. Lentamente, Kate recuperou as forças e saiu da cama, passando algumas 
horas por dia na sala de estar. A tarde, algumas pessoas da escola sempre apareciam para visitá-la e, num 
sábado, chegou Hugh.

 

—  Sua  maluca!   —  comentou,   quando  ela  terminou  de  contar  a história. — Maluca orgulhosa e 
tola! E Sean é outro maluco orgulhoso, deixando-a ir embora daquele jeito. Ele devia ter insistido para 
que ficasse em Moyvalla. Bem, não adianta falar disso agora. Quando vai ter alta?

 

—  O médico disse depois de amanhã. Mas não posso trabalhar, ainda.

 

—  Então, vai voltar para Dublin comigo e ficar lá, até o Natal. Gerry vai adorar cuidar de você. Venha.

 

—  Sim, obrigada. — E, pela primeira vez, chorou livremente.

 

Duas semanas depois, e quatro dias antes do Natal, numa tarde chuvosa, Kate sentou-se ao piano, na casa 
de Hugh, e tocou a música que iria apresentar no concerto da noite de Natal, na igreja que Geraldine 
frequentava. Desde que chegara a Dublin os tios a mantinham ocupada, sem lhe dar um momento para 
lembrar dos sofrimentos dos últimos tempos.

 

E deviam se sentir satisfeitos, porque Kate parecia inteiramente curada. Estava sozinha em casa, pela 
primeira vez, desde que chegara. Os tios tinham ido a Dun Laoghaire, buscar o filho, Gary, que chegava 
pela balsa, com a esposa e o bebê.

 

—  Eu a convidaria para vir conosco — Geraldine tinha dito —, mas estou esperando uma encomenda 
que deve ser entregue esta tarde. Será que não se importa de ficar em casa e receber o pacote para mim?

 

Kate olhou o relógio. Quatro e meia. Logo iria anoitecer e o pacote não havia chegado. Virou a página e 
começou outra canção de Natal, quando a campainha tocou.

 

Atravessou o vestíbulo escuro e abriu a porta. Havia um homem ali, de costas para ela, vestido com um 
casaco pesado. Ele virou-se e ela teve a impressão de ver um rosto bronzeado e olhos cinzentos, mas foi 
atingida mais pela energia dele, que parecia explodir, fora de controle.

 

Durante alguns segundos os dois se olharam em silêncio. Sean sorriu.

 

—  Alô, Kate. Hugh está em casa?

 

 
 
 

 

                                                  CAPÍTULO IX

 

 
 
 

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Ainda tonta de espanto, Kate continuou a olhá-lo, feito boba. A chuva ficou mais intensa, molhando o 
cabelo de Sean e escorrendo por seu rosto. Ele afastou o cabelo dos olhos e franziu as sobrancelhas.

 

—  Você está bem? Ou perdeu a memória outra vez? Não sabe quem eu sou?

 

—  Oh... oh, sim, sei quem é você. Não perdi a memória.

 

—  Graças a Deus! — Parecia aliviado e impaciente.  — Aqui está um tanto molhado, não acha? Se 
importa de me convidar para entrar?

 

—  Não... isto é, sim. Entre. Desculpe. Sabe?, eu não tinha certeza se... — Percebendo que começava a 
gaguejar calou a boca e afastou-se da porta. Sean entrou no vestíbulo e ela o seguiu. Novamente 
encararam-se, em silêncio.

 

—  Você não tinha certeza se... o quê? — ele perguntou após alguns segundos.

 

— Se eu... se eu... — Kate parecia estar perdendo o fôlego e sentia as pernas tremerem. Tinha esquecido 
algumas coisas a respeito dele e percebia isso agora. Tinha esquecido o efeito da atração que Sean exercia 
sobre ela e o modo como reagia à presença dele, desde que se encontraram em San Marco. — Eu não 
tinha certeza se era você mesmo, ali, de pé, na porta, ou apenas a minha imaginação. — Piscou e desviou 
o olhar. — A tia Gerry me pediu para ficar em casa e receber um pacote que iam entregar. Quando a 
campainha tocou, pensei que fosse a encomenda.

 

—  Desculpe desapontá-la — disse, irônico.

 

—  Oh, não estou desapontada — corrigiu depressa, encarando-o de novo. — Não quer tirar o casaco? 
Hugh e Gerry não vão demorar. Foram a Dun Laoghaire buscar Gary, Susan e o bebê, que chegam na 
balsa da Holyhead. Pendure o casaco aqui e venha até a cozinha. Lá é mais quente, e vou fazer um chá. 
Isto é, você quer um chá? — Ia começar a gaguejar  de  novo,   dizendo  qualquer  coisa,   apenas  para  
continuar  a conversa e esconder a inibição e o nervosismo que pareciam aumentar, sempre que o 
encontrava.

 

—  Aceito um chá — ele respondeu.

 

Na cozinha, Sean sentou-se enquanto Kate enchia a chaleira e a colocava no fogão. Em vez de mais 
tranquila, sentia-se completamente descontrolada, com o coração disparado. Ele estava ali, com ela, e 
finalmente alguma coisa podia acontecer. Suas mãos tremiam tanto ao colocar a xícara no pires, que 
temeu que caísse tudo no chão.

 

—  Ouvi dizer que estava trabalhando no Oriente Médio, Sean. Veio de lá?

 

—  Sim, e passei pela Escola Netherfield, em Westcourt.

 

—  Por que... por que foi lá? — perguntou, tentando parecer tão fria como ele, não demonstrar a surpresa 
e colocar direitinho as xícaras e pires sobre a mesa.

 

—  Por que acha que fui lá? — ele disse e ela lhe deu um olhar preocupado. Um dos gatos pulou no colo 
de Sean, que ficou acariciando-o.

 

—  Foi me ver? — perguntou e começou a procurar uma lata de biscoitos no armário.

 

—  Sim, fui ver você. — Ele riu. — Qual outro motivo para eu ir lá? Felizmente a secretária ainda estava 
na escola e me contou para onde você

 

tinha ido. Disse que teve de tirar uma licença e que esteve doente. 

Está melhor, agora?

 

—  Sim, obrigada. — Começou a arrumar os biscoitos num pratinho. — Vou ficar aqui até o fim das 
férias.

 

—  Quando será isso?

 

—  No  meio  de janeiro;  mais  ou  menos,  dia   15.  — Colocou  os biscoitos sobre a mesa e foi buscar a 
chaleira que estava fervendo.

 

—  Como foi aquela tal entrevista? Conseguiu a promoção que queria?

 

—  Não. — Despejou a água no bule. — Eu estava tão certa de que ia conseguir... Senão, não teria ido... 
isto é, poderia ter ficado um pouco mais  em  Dunane,   se  soubesse  que  não ia  conseguir o emprego.  
— Tampou o bule e levou-o até a mesa. — Por que você foi me ver?

 

—  Pela mesma razão pela qual ia vê-la, no Natal passado, mas não consegui chegar até lá — Sean 
respondeu, sorrindo. Depois, empurrou o gato para o chão e puxou  a cadeira para perto  dela.  — Você  
está magrinha outra vez — comentou suavemente. — A secretária da escola falou algo a respeito de uma 
queda de cavalo.

 

—  Foi isso. Agora, estou bem.

 

Ficaram em silêncio alguns minutos, ouvindo a chuva que caía lá fora. No Natal passado, Sean tinha 
desejado vê-la para saber se havia providenciado o divórcio. Agora, estava ali pelo mesmo motivo. Kate 
ficou triste. Sua animação desapareceu, deixando-a apática novamente. Olhou para o marido: Sean a 
observava, com as sobrancelhas franzidas.

 

—  Recebi a carta do seu advogado — ele disse lentamente. — Foi mandada para o Oriente Médio. 
Respondi que não estava de acordo com o divórcio amigável.

 

—  Eu sei. Recebi uma carta dele me contando isso, um dia antes... de cair do cavalo.  Depois,  não o 
procurei mais para discutir o assunto. Sabe?, eu tinha certeza de que você ia concordar. — Ela o encarou 

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de novo, tentando penetrar naqueles olhos cinzentos e descobrir o que ele estava pensando. — Por que 
não concordou?

 

Ele desviou os olhos para o prato de biscoitos, pegou um e mordeu.

 

 — Acho que, quando recebi a carta, não me sentia disposto a concordar — disse, sorrindo. — Nunca 
suportei ser forçado a uma decisão, você sabe disso, e sempre acabo fazendo o oposto do que querem.

 

—  Então, se eu... se eu o processar para conseguir o divórcio, vai se opor também?

 

—  Pode ser. Tudo depende do que você quer fazer depois do divórcio.

 

—  O que quer dizer?

 

—  Pretende casar com Wyman ou com qualquer outro? Se pretende, não deixarei que se divorcie de 
mim,

 

— Mas eu não entendo... A idéia do divórcio foi sua, em primeiro lugar. Você mesmo sugeriu que eu 
conseguisse uma anulação do casamento, quando estávamos em Tuxtla, e...

 

—  Sei que fiz isso — ele interrompeu —, mas foi naquela época e me pareceu a coisa certa, porque 
pensei que você não devia ficar presa a uma promessa feita enquanto sofria de amnésia. Pensei que... 
quando voltasse à  Inglaterra... não gostaria de estar amarrada a mim. — Pegou outro biscoito. — Vamos 
tomar o chá?

 

Olhando-o, desesperada, Kate pegou o bule e serviu. Mas só saiu água pura e quente. Arregalou os olhos 
e parou.

 

—  Agora,   veja   só   o   que   você   fez!   —  ela   o   acusou,   furiosa, levantando-se com o bule nas 
mãos e encarando-o.

 

—  Eu não fiz nada.

 

—  Você... me fez esquecer de colocar o chá no bule!

 

—  Eu? Não sabia que causava esse efeito em você.

 

—  Agora, está me provocando — respondeu, zangada, virando para a pia e despejando toda a água 
quente.— E, outra coisa: você nunca dá uma resposta direta a uma pergunta direta — disse, colocando a 
chaleira para ferver novamente.

 

—  Você também foge das minhas perguntas.

 

Dessa vez o silêncio foi longo, e Kate virou de costas para Sean. A cozinha estava escura. Lá fora, as 
chaminés e os telhados das casas brilhavam na chuva. Começou a colocar colheradas de chá dentro do 
bule.

 

—  Gostaria que eu não tivesse vindo ver você? — Sean perguntou e ela virou-se para encará-lo. Com 
aquele cabelo escuro, os olhos cinzentos e  brilhantes, usando um suéter de gola alta, ele era a imagem de 
um homem diabólico e orgulhoso.

 

—  Sim — disse entredentes, e viu que a expressão dele endurecia, os olhos ficavam gelados. 
Imediatamente, corrigiu, com medo de que ele se

 

levantasse e fosse embora. — Isto énão. Oh, não sei! 

— Deixou cair a colher cheia de chá dentro da chaleira e cobriu o rosto com as mãos. Suas emoções 
conflitantes a estavam destruindo. Desejara tanto que Sean aparecesse nos últimos meses, e agora que 
estava ali não conseguiam se comunicar. Ele ainda era um mistério que ela não tinha resolvido.

 

—  Vou para Moyvalla amanhã — Sean anunciou.

 

Tirando as mãos do rosto, Kate preparou o chá, procurando se manter calma.

 

—  Oh, por quê?

 

—  No momento, é o único lar que tenho.

 

—  Quanto tempo vai ficar lá? — Levou o bule à mesa e sentou-se novamente.

 

—  Até partir para o México. Fui designado gerente do escritório da agência para a América Central e 
América Latina, Acho que foi porque falo espanhol e já tenho experiência na região. Ficarei lá, em bases 
mais ou menos permanentes, durante uns dois ou três anos, se eu gostar do trabalho.   —  Sean  a  olhou  
rapidamente.   —  Você  será  bem-vinda  a Moyvalla, se quiser ir comigo.

 

Kate serviu o chá, que dessa vez estava perfeito.

 

—  Não sei — começou, em tom hesitante. — Se eu for, o que vai acontecer depois de passar o Natal e o 
Ano-novo?

 

—  Voltará para a escola, acho. E eu irei para o México.

 

—  Então, nada vai mudar.

 

—  O que quer dizer?

 

—  A situação... entre nós continuará a mesma.

 

—  Certo. Ela só muda se você a fizer mudar.

 

—  Mas por que tenho que ser eu a fazer as mudanças? Por que não pode ser você?

 

Sean não respondeu. Pegou apenas a xícara e provou o chá, sem olhar para ela.

 

—  Não —  Kate  disse,  como  se  falasse  consigo mesma.  —  Não posso... Não posso passar por tudo 
aquilo de novo. Se não podemos viver juntos, não devemos continuar casados. 

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Enquanto se servia de chá, ele a olhou disfarçadamente. Não parecia disposto a discutir. Não parecia se 
importar com o que ela fizesse. Na verdade, não se importava. Então por que estava ali? 
A porta da frente se abriu e várias vozes foram ouvidas na entrada.

 

—  Acho que não quer ir para Moyvalla — Sean disse, seco.

 

—  Não posso ir amanhã — murmurou.

 

—  Está bem. Esqueça o assunto. —  Deu de ombros e terminou o chá.

 

—  Sean, que ótimo ver você aqui! — Hugh atravessou a cozinha para cumprimentar o amigo.

 

—  Pegue  mais  algumas  xícaras,  Kate,  querida — Geraldine  disse entrando, seguida por Gary, Susan 
e o bebê. — Vamos tomar um chá. Quanto tempo ficará em Dublin, Sean? Vai passar o Natal aqui, 
espero.

 

—  Não. Só esta noite — Kate ouviu a resposta dele enquanto pegava as xícaras e pires.

 

—  Então, fique conosco — Geraldine convidou.

 

—  Você já está com a casa cheia — ele respondeu. — Vou ficar em uma das pensões da cidade.

 

—  Onde cabem três, cabem quatro, cinco ou mais — Geraldine disse.

 

—  Não podemos deixar que fique num hotel, quando Kate está aqui — Hugh interrompeu.  — Além do 
mais,  quero ouvir as  novidades do Oriente Médio. Quero situar o meu novo livro de suspense lá. Vai 
passar a noite aqui, e não se fala mais nisso. E tenho algumas novas marcas de uísque para você testar.

 

Enquanto arrumava as xícaras e pires, Kate prendeu a respiração. Se Sean recusasse a ficar, saberia que 
tudo tinha acabado entre ambos, pensou, ansiosa.

 

—  Está bem, eu fico — ele disse e ela suspirou, aliviada.

 

—  Naturalmente,  terá que dormir com Kate,  mas acho que não se importam com isso, não é? — Hugh 
disse, rindo e abrindo uma garrafa de uísque.

 

—  Kate  e  eu já dormimos juntos  outras  vezes — ele  respondeu, olhando-a com um ar de desafio.

 

—  Mais alguém quer chá? — Kate perguntou, sentindo que corava.

 

—  Claro,   Susan  e  eu  estamos  morrendo  de  vontade,   não  é?  — Geraldine disse. — Depois, vamos 
subir para colocar o bebê na cama. Ele não é uma gracinha, Kate? Parece com Gary, quando tinha quatro 
meses.

 

—  Acho que também parece um pouco com Susan — Kate disse, procurando esquecer Sean.

 

Mais tarde, quando Geraldine e Susan subiram, Kate foi ter com elas, no quarto. Não demorou muito e 
Geraldine surgiu, com uma porção de lençóis e fronhas.

 

—  Tia Gerry, não pode fazer a cama do sótão para Sean? — Kate perguntou.

 

—  E por que eu faria isso, se vocês são marido e mulher? Devem dormir juntos sempre que puderem. — 
Piscou para ela e lhe entregou alguns cobertores.

 

—  Não quero dormir com ele. Nós... eu... oh, nós não nos damos muito bem. Praticamente, somos 
estranhos...

 

—  Sei como está se sentindo. — Geraldine sorriu. — Eu me sentia assim, quando Hugh era repórter. Era 
como se nunca me acostumasse com ele. Mas, depois que vocês ficarem juntos alguns dias, tudo será 
diferente. Vocês só precisam ceder um pouquinho um com o outro. Só um pouquinho de amor, se você 
prefere assim. Venha, ajude-me a colocar estes lençóis aqui.

 

—  Mas é diferente... a sua situação com o tio Hugh... — Kate ajudou a esticar o lençol. — Isto é, você e 
Hugh casaram porque se amavam e...

 

—  Nós casamos porque pensamos que nos amávamos — Geraldine corrigiu. — E descobrimos logo que 
não sabíamos nada sobre o amor. Tivemos que aprender do jeito mais difícil. Tivemos que descobrir 
como fazer o casamento funcionar. Pena que Sean não possa ficar mais do que uma noite. Onde ele vai 
amanhã?

 

—  Para Moyvalla.

 

—  Pensei que fosse para o exterior novamente. E por que você não vai com ele?

 

—  Não posso ir, porque vou tocar piano para o coral das crianças daqui, no Natal. Não posso desapontá-
las, agora. Ia dizer isso a Sean, quando vocês chegaram.

 

—  Não vai desapontar ninguém, se for com ele. Posso tocar piano. Tocaria, se você não estivesse aqui. 
Só sugeri que me substituísse para ajudá-la a esquecer a perda do bebê. — Geraldine sorriu quando Kate a 
olhou, espantada. — Oh, sim, eu soube disso. Hugh me contou.

 

—  Por favor, não vá contar a Sean — Kate pediu, em tom de urgência. — Não vá contar nada a Sean, tia 
Gerry. Nunca mais falarei com você, se fizer isso.

 

—  Não, não vou contar a Sean. Deixarei que você faça isso. Sabe que deve contar. E vai, não é?— 
perguntou séria.

 

— Não — Kate sacudiu a cabeça, com orgulho, — Não sei porque devo contar.

 

—  Mas foi... o filho dele que você perdeu! Ou não foi?

 

—  Claro que foi!

 

—  Então por que não quer contar?

 

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—  Porque não quero que ele pense... Oh, acho que não quero que ele tenha pena de mim.

 

—  Meu Deus! Você tem um orgulho dos diabos. Aliás, como o resto dos O'Connor. E, pelo que Hugh me 
contou, Sean não é melhor. — Caminhou para a porta. — Não quer ir para Moyvalla com ele?

 

—  Sim, mas...

 

—  Então, diga que vai e pode esquecer o concerto como desculpa para não ir. 
 

 

A tarde passou agradável como sempre, na casa do tio. Às dez e meia, quando parecia que Gary e Sean 
iam ficar acordados a noite toda conversando e bebendo uísque com Hugh, Kate e Susan se despediram e 
subiram para seus quartos.

 

Kate tinha resolvido que estaria dormindo quando Sean entrasse, mas ainda estava acordada. Fingindo 
que dormia, ficou de costas e, mesmo quando sentiu o corpo dele afundando ao lado do seu, não se 
mexeu.

 

A luz se apagou e ela mergulhou, nas doces lembranças da primeira noite que passaram juntos em San 
Cristobal. Depois, lentamente, foi sentindo necessidade de se virar para ele e lhe falar. Continuou deitada, 
tensa, procurando controlar as ondas de paixão que lhe dominavam o corpo. Trincou os dentes e fechou 
os punhos.

 

—  Kate? — A voz dele era suave e profunda. — Por que não pára de fingir? Sei que está acordada.

 

Virou-se, satisfeita por não precisar mais ficar naquela posição rígida. A escuridão só era quebrada pelo 
brilho das luzes da rua, que entravam pela janela. Sean puxou uma cortina para poder vê-la melhor.

 

—  Hugh contou o que aconteceu com você, depois do acidente.

 

—  Por quê? — Ele parecia surpreso. Depois disse, num tom baixo e amargo: — Porque a criança não era 
minha?

 

—  Não, não! Como pode pensar isso?

 

—  Você estava com o tal de Wyman.

 

—  Mas éramos só amigos — respondeu, afastando-se dele. — Não quero falar nisso.

 

Sean bocejou e abraçou-a pela cintura, puxando-a para si. Através da camisola, Kate podia sentir o calor 
dele e desejou descansar de encontro àquele corpo.

 

—  Claro que vai falar nisso — sussurrou, apertando o braço. — Por que foi andar a cavalo, quando 
estava grávida?

 

—  Eu... eu... não sabia que estava. Não tinha certeza... eu não tinha ido ao médico. Bem, andar a cavalo 
não teria causado dano nenhum, se eu não tivesse caído.

 

—  Conte-me    o    que    aconteceu,    Kate    —    pediu    gentilmente, acariciando-a da cintura até os 
seios. — Preciso saber, para minha própria paz de espírito. Porque, se eu não insistisse em dormir com 
você naquela noite no castelo de Dunane, você não teria ficado grávida. — Beijou-a no pescoço. — 
Tenho direito de saber, pois foi o meu filho que você perdeu. O cavalo empinou com você?

 

—  Não, mas ficou nervoso. — Fechando os olhos, lembrou daquele momento terrível em que tinha visto 
o chicote erguido diante de seu rosto. — Tomei o caminho errado — murmurou. — O cavalo parou de 
repente, caí, bati com a cabeça numa pedra e desmaiei.

 

—  Havia alguém com você?

 

—  Sim.  
—  Quem?

 

Não respondeu. Não queria pensar nem lembrar mais, pois as carícias dele estavam despertando 
sensações deliciosas em seus seios.

 

—  Kate, preciso saber — ele murmurou, de encontro ao rosto dela. — Wyman estava com você?

 

—  Sim — murmurou, aliviada por confessar.

 

De repente as carícias pararam e ele se afastou deitando-se de costas. Kate sentiu-se sozinha e 
abandonada.

 

—  Ele sabia que você estava grávida? — Sean perguntou, com voz rouca, como se não conseguisse 
controlar as emoções.

 

—  Não, até que eu contei.

 

—  E quando contou?

 

—  Tivemos uma briga. Estávamos olhando a paisagem, em Banebury Circle. São ruínas da Idade do 
Ferro, nas montanhas, um forte... como o do castelo de Dunane... construído pelos antigos bretões.

 

—  Está bem, está bem. Esqueça isso e vamos ao que interessa — ele interrompeu. — Por que você e 
Wyman discutiram?

 

—  Eu descobri  que,  por  causa  dele,   não consegui  o emprego  de diretoria  do  departamento  de 
música,  em  Netherfield,  aquele  que  eu queria tanto.

 

—  Como ele pôde interferir em algo assim?

 

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—  Ele é do comitê da escola e tem influência sobre os diretores que iam entrevistar. Disse ao pessoal que 
nós íamos casar e que ele não queria que eu continuasse trabalhando, depois de me tornar sua esposa. 
Assim, não me escolheram,  pensando que seria bobagem nomear alguém que logo largaria o emprego. 
Fiquei furiosa quando descobri, e disse a ele. Então, Barry... bem, ele me deu uma chicotada.

 

As molas do colchão fizeram barulho quando Sean se inclinou sobre ela, seu perfil delineado contra a 
claridade da janela.

 

—  Ouvi direito? — ele murmurou. — Você disse que ele a chicoteou?

 

—  Sim, quando falei que não íamos nos casar mesmo que eu me divorciasse de você. Depois, deixei 
escapar que tínhamos nos visto no último verão e que eu acreditava que ia ter um filho seu. — A voz dela 
ficou trémula. — Ele ia me chicotear de novo; por isso, esporeei o cavalo, para fugir.

 

—  Poderia ter morrido! — Sean começou a xingar Barry dos piores palavrões que ela já tinha ouvido.

 

—  Foi minha culpa — Kate disse depressa, sentando-se ao lado dele. — Não deveria ter ido andar a 
cavalo. E, quando descobri que ele me Fizera perder a chance do emprego, perdi o controle.  Eu...  não 
sabia como Barry era desequilibrado, nem que podia fazer algo daquele tipo.

 

—  Depois disso, você o viu de novo?

 

—  Ele me visitou no hospital. Disse... que estava contente por eu ter perdido o bebê.

 

—  Aposto que estava — Sean murmurou, furioso, e começou com os palavrões  de   novo.   Viu   que  
ele  curvava  a  cabeça  até   os joelhos, respirando profundamente, procurando se controlar.

 

—  Sean... — Pousou a mão em seu ombro e sentiu a pele suave como

 

seda. Ele se afastou imediatamente, saindo da cama. — Onde você vai, Sean?

 

—  Lá embaixo. — A maçaneta girou. — Depois de tudo o que você passou, não vai querer... — Ele se 
interrompeu e suspirou. — Precisa de uma boa noite de repouso, sem mim por perto. Boa noite.

 

A porta se fechou sem ruído e Kate sentiu frio. Deitou novamente, puxando os cobertores até o queixo, 
sentindo falta do calor de Sean a seu lado, desejando que ele não tivesse ido embora e, ao mesmo tempo, 
procurando adivinhar por que havia feito aquilo.

 

Ceder um pouquinho... o conselho de tia Gerry surgiu em sua mente. Por que Sean a deixava sozinha 
agora, procurando controlar suas próprias necessidades? Será que era por amor? Ou será que outra coisa o 
tinha feito ir embora? Ao saber que ela perdera a criança, ele sentira a paixão esfriar?

 

De certo modo, a conversa com ele lhe fizera bem.  Livre de toda a ansiedade, adormeceu rapidamente. 
Quando acordou, ouviu o bebê chorando no quarto ao lado e, durante alguns momentos, permaneceu 
deitada, observando a claridade e pensando no primo Gary e na esposa. Pareciam muito felizes, e estavam 
encantados com o bebé. Como tinham conseguido chegar àquele relacionamento tão satisfatório? Porque 
viviam juntos. Porque tinham a oportunidade. Nem sequer haviam namorado! Tinham sido jogados pelas 
circunstâncias num contato íntimo, sem o menor tipo de preparação.

 

E hoje, se não fizesse alguma coisa, ele iria embora e nunca conseguiriam se conhecer melhor. Agora, via 
claramente o que devia fazer. Estava ansiosa e saiu da cama. Vestiu um robe e desceu.

 

Como esperava, encontrou Sean no sofá da sala. Aparentemente dormia, com um gato enroscado aos pés 
e outro esticado a seu lado. Kate espantou os animais e sentou-se na beira do sofá, lembrando do dia em 
que o vira dormindo, no castelo de Dunane, em seu quarto na torre, e desejara nunca mais deixá-lo.

 

Acariciou-lhe o cabelo e beijou seus ombros. Ele se mexeu e ela sorriu. Sean abriu os olhos sonolentos:

 

—  O que você quer?

 

—  Ir para Moyvalla com você. Isto é...  se o convite ainda estiver valendo.

 

—  E depois?

 

—  Terei de voltar a Netherfield. Minha demissão só será na Páscoa — contou, admirando-lhe os lábios 
sensuais e desejando que ele sorrisse.

 

—  Você se demitiu? Por quê?

 

—  Não me dou muito bem com a nova diretora do departamento de música.

 

Acariciou-lhe o ombro e o pescoço. Sentiu a aspereza da barba. Ele segurou sua mão.

 

—  E o que vai fazer? Já arranjou outro emprego? — perguntou num tom frio, enquanto seus olhos 
brilhavam intensamente, como se quisesse hipnotizá-la.

 

—  Não. Ainda não. Estava pensando... — ela se interrompeu e baixou o rosto. Como dizer a ele? Como 
declarar seu amor novamente, de um modo   que   ele   acreditasse?   Suas   mãos   pareciam   fora   de   
controle, acariciando as dele. — Eu estava pensando se... na Páscoa não poderia ir encontrar você... no 
México, ou onde quer que esteja — murmurou.

 

Sean apertou as mãos dela. Depois, beijou-as. Kate sentiu o coração disparar. Seus olhos encontraram os 
do marido.

 

—  Você está planejando muito — ele disse —, mas tenho certeza de que tudo vai dar certo. Vamos 
conversar sobre isso em Moyvalla. Com um pouco de sorte, chegaremos lá ao pôr-do-sol. 
 

 

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Estava certo. Ao pôr-do-sol, pararam diante da casa, vendo ao longe o mar cor de violeta. A porta da 
frente se abriu e Agnes apareceu, seguida pelo cão, que pulou em Sean.                                         

 

—  Não sabia que vinha também, srta. Lawson — a mulher disse, olhando severamente para Sean, 
quando entraram; estava zangada por ele não avisar que traria uma convidada.

 

—  Sra. Kierly — Sean corrigiu, virando-se para a criada. — É hora de saber que Kate é minha esposa.

 

—  Casou? — Agnes parecia chocada. — Bem, eu não sabia! Pensei que fosse casar com... — ela se 
interrompeu. — A srta. Cavanagh vai ficar aborrecida, quando souber.  Ela veio aqui ontem, saber quando 
o senhor chegava. Eu lhe disse que o esperava hoje e ela falou que vem novamente amanhã.

 

—  Obrigado pelos recados — Sean disse friamente, subindo com as malas. — O jantar está pronto?

 

—  Claro. Vou colocar outro lugar à mesa — Agnes respondeu e saiu resmungando. — Casado... bem, eu 
nunca...

 

Lentamente. Kate subiu a escada e foi ao banheiro. Ao lavar as mãos, olhou-se no espelho e analisou 
próprio rosto. Tinha esquecido de Nuala. Será que Sean sabia que aquela mulher estaria em Dunane no 
Natal? Será que tinham vindo a Moyvalla por causa dela? Tinha que lhe perguntar. Precisava saber, para 
se livrar logo das suspeitas e do ciúme.

 

Agnes só saiu depois de ter arrumado e limpado a cozinha. Logo em seguida, Sean foi dar um passeio 
com o cachorro. Sozinha no quarto, Kate desfez a mala e  arrumou suas roupas no armário. Depois, 
tomou um banho e vestiu um robe longo, azul-escuro, estampado de vermelho, que combinava com a cor 
de sua pele e do cabelo.

 

Estava sentada no sofá, tentando ler, imaginando por que Sean demorava tanto e se teria ido de carro ao 
castelo de Dunane, quando o ouviu chegar com o cão.

 

—  Quer um brandy? — ele ofereceu.

 

—  Sim, obrigada.

 

Aproximou-se com dois cálices e sentou-se ao lado dela.

 

—  Slainte —  brindou,

 

—  Feliz Natal — Kate respondeu. — Pelo menos, espero que para você este Natal seja mais feliz do que 
o do ano passado. Espero que seja mais feliz para mim também — disse baixinho, observando o brandy. 
— Sean... você veio aqui porque sabia que Nuala estaria no castelo? Veio para estar onde ela estava?

 

Ele colocou o cálice na mesinha e virou-se, para encará-la.

 

—  Por que eu iria querer ver Nuala?

 

—  Você foi a Dublin para vê-la, no Natal passado. Procurou por ela, antes de ir me ver— murmurou.

 

—  Não fui a Dublin por isso. Encontrei-a por acaso, na rua O'Connel, e fui tolo bastante para ir a uma 
festa com ela. — A voz dele tinha adquirido um tom amargo. — Fui tolo bastante para levá-la de volta ao 
apartamento e lhe contar sobre você. Ela me ofereceu um café, para me ajudar a despertar e guiar melhor, 
a caminho de Dun Laoghaire. Foi o que disse e aceitei, porque confiava nela. Éramos amigos há muito 
tempo...

 

isto é, por isso demorei tanto a acreditar que ela havia colocado algo no café.

 

—  Algo no café? — Kate arregalou os olhos.

 

—  Um calmante. — Ele esticou as pernas e olhou o fogo.

 

—  Mas... por que ela faria isso? — Kate perguntou, horrorizada.

 

—  Porque   esperava  que   eu   dormisse   lá,   no   apartamento.   Então, perderia a balsa e não poderia ir 
ver você. Ela esperava me seduzir. Mas consegui sair, quando percebi o que ela queria, e o que colocou 
no café só fez efeito na estrada. — Sorriu, irônico. — Foi por isso que bati no caminhão. Estava 
cochilando na direção e o carro derrapou.

 

—  Tem certeza de que Nuala fez isso?

 

—  Agora,   tenho.   Mas   no  começo   fiquei   confuso,   por  causa  do acidente. Sabe?, ela foi a 
primeira a ir me ver no hospital e ficou muito preocupada com o que tinha acontecido... preocupada 
demais. Pedi que lhe escrevesse, para que viesse me ver. — Suspirou e virou-se para olhar Kate. — Só 
quando você chegou, em agosto, foi que descobri que ela não havia escrito. Depois do banquete, no 
castelo, quando a peça terminou, fiz algumas perguntas a Nuala e, só pelo jeito como corou, e gritou, 
confirmei minhas suspeitas.

 

—  Mas, por quê? Por quê? —  Sentiu ciúmes.

 

—  Mas você podia ter morrido no acidente!

 

—  O acidente não estava nos planos, claro. Acredito que ela tenha ficado muito chocada, ao perceber o 
que havia feito. Possivelmente foi esta a razão de ter ficado por aqui, no último verão, se comportando 
como uma   supermãe.    Mas   Nuala   estava   resolvida   a   destruir   o   nosso relacionamento e fez o 
que pôde para voltar você contra mim. Aquele que ela disse existir, só existe na imaginação dela. Nunca 
fiz nenhum acordo com nenhuma mulher... a não ser, com você. Você foi a única a quem fiz promessas.

 

Kate tomou brandy e colocou o cálice na mesinha.

 

—  Você poderia ter me escrito, quando melhorou, após o acidente.

 

—  Escrevi várias vezes, mas rasguei todas as cartas — ele respondeu, seco.

 

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—  Oh... Porquê?

 

—  Disse a mim mesmo que você não estava mais interessada. Quando

 

não respondeu à carta que pensei 

que Nuala tinha mandado, cheguei à conclusão de que o casamento estava terminado e você não queria 
mais saber de mim. Que tinha providenciado o divórcio que eu sugerira. Resolvi fazer o possível para não 
pensar mais em você. — Ele riu. — Acredite que foi mais difícil do que pensei. — Continuou, em voz 
baixa e amargurada: — Mesmo quando bebia demais, só pensava em você. Era Então que escrevia muitas 
cartas. Depois, ficava sóbrio e rasgava todas. Estava bem mal, quando Hugh chegou.

 

—  Eu sei... ele me contou. Foi por acaso que usou aquele troque para me fazer vir aqui.

 

Sean virou-se e encarou-a demoradamente. Kate sentiu o coração bater mais forte.

 

—  Por que está me olhando assim? — ela murmurou.

 

—  Não posso  evitar  — disse,  se  aproximando.  — Quando  você apareceu aqui, em agosto último, 
achei que estava vendo coisas. Depois, quando   me   contou   que   ainda  estávamos   casados,   fiquei   
um  pouco maluco, tentando mantê-la aqui. Só assim você poderia saber quanto eu a amava e desejava. 
Só quando me falou da entrevista, voltei à realidade e a deixei partir.

 

—  Você... você disse que... me ama? — perguntou, incrédula. Ele lhe acariciou o rosto e o cabelo.

 

—  Isso mesmo. Acho que aconteceu quando eu a vi pela primeira vez, em San Marco. Mas só depois que 
você foi para a Inglaterra, percebi o que havia acontecido. Pensava muito em você e decidi que, se tivesse 
oportunidade, iria procurá-la.

 

—  Mas... não entendo —  Kate disse, em voz fraca.

 

—  Eu estava ansioso para vê-la novamente, no Natal passado. Pensei que  tivesse tratado  do  divórcio  e  
que,   quando  nos  encontrássemos, estaríamos livres de qualquer compromisso, livres para descobrirmos 
se nos amávamos o suficiente para casar. Mas nosso encontro foi adiado e, ao nos encontrarmos, você 
disse que não me amava mais.

 

—  Eu pensei que não amava. Enquanto estive aqui, com você, em agosto último, o sentimento voltou 
mais forte e profundo do que antes. Eu queria ficar, mas tinha certeza de que você queria se livrar do 
casamento. Nuala me disse...

 

—  Para o inferno com Nuala — ele interrompeu. — Devia ter me

 

ouvido e não a ela. Devia ter 

acreditado em mim e não nela. Eu esperei que entendesse, naquela noite, no quarto da torre do castelo, 
mas parece que não entendeu. Teria acreditado em mim, se me amasse. Mas acho que  não ama. Deve ter 
amado alguma imagem que criou em sua mente, algum tipo de cavaleiro andante, de armadura, que foi 
salvá-la na missão — terminou, amargurado.

 

—  Não. Isso foi verdade, mas não é mais. Eu o amo... e desejo, e é por isso que não pude me divorciar de 
você. — Viu que o rosto dele ficava tenso e aproximou-se, depressa. — Eu o amo de todos os jeitos. 
Amo, amo! — murmurou desesperada. — Oh, o que posso fazer para que acredite que não estou apenas 
sendo possessiva? E como vou aguentar, quando tiver que voltar para a escola e você partir para o 
México?

 

—  Vai aguentar, porque saberá que eu a amo e sempre amarei, minha querida — Sean disse suavemente. 
— E porque sabe que vamos nos encontrar na Páscoa. Irá me ver? — pediu, deixando o orgulho de lado.

 

—  Sim,   irei   —  ela  prometeu,   também   se   libertando   do   próprio orgulho. — Irei, nem que tenha 
que viajar milhões de quilómetros.

 

Seus lábios estavam prontos para o beijo, quando ele se aproximou.

 

—  Vamos  para  a  cama  —  Sean  disse,   beijando-a  no  pescoço  e procurando lhe abrir o robe.

 

—  Tem certeza de que quer dormir comigo? Ontem à noite, não quis — lembrou em tom brincalhão, 
acariciando-lhe o cabelo.

 

Sean levantou a cabeça e suspirou, com um ar torturado.

 

—  Eu só estava brincando — ela murmurou, passando os dedos em seu rosto, suavemente.

 

—  Ontem à noite, saí porque não ia conseguir ficar com você e não fazer amor — disse, rouco. — Estava 
com medo de machucá-la. Havia pouco tempo que tinha perdido o bebê e... — Afundou o rosto no cabelo 
dela. — Eu queria matar o Wyman pelo que ele lhe fez — disse, furioso.

 

—  Eu não tinha idéia... nenhuma idéia do que você sentia por mim — Kate falou, quase sem fôlego.

 

—  Este desejo é algo além do meu controle. Sempre que você está por perto,  na mesma cama...  — 
Afastou-se um pouquinho,  para olhá-la. Agora,  a paixão estava controlada novamente. — Dormirei em 
outro quarto, se você quiser, Kate, até que esteja melhor.

 

—  Já estou bem e quero que durma comigo, estou ansiosa para ficar

 

com você. Não quero mais ficar 

longe. Não quero mais perder tempo — murmurou.

 

— Nem eu — ele disse, rindo, finalmente. Depois segurou a mão dela, ajudou-a a se levantar do sofá e, 
juntos, de mãos dadas, subiram para quarto.

 

 
                                           

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                                              FIM